A estimativa é que os consumidores europeus vão economizar 4 bilhões de euros, mais de R$ 17 bilhões de reais, em impostos de importação a serem eliminados. Mas agricultores, ecologistas e sindicalistas temem danos ao meio ambiente e à qualidade da comida.
O grande temor está na abertura do mercado agrícola, fortemente protegido até há pouco pela política agrícola comum. Com esta abertura, o Mercosul vai poder exportar para a UE todo ano 159 mil toneladas de carne bovina, 180 mil toneladas de carne de frango, 45 mil toneladas de mel, 180 mil toneladas de açúcar e 60 mil toneladas de arroz.
Os europeus veem risco para a segurança alimentar e não veem garantias de avanços ambientais com as contrapartidas de preservação da natureza oferecidas pelo bloco sul-americano. Meu comentário:
A resistência francesa está hoje na manchete de Le Monde, o jornal mais importante da França. Em editorial, o jornal disse que pode ser uma oportunidade para a Europa fazer ouvir sua voz e aplicar seus padrões.
Ao assinar o acordo, durante a reunião do Grupo dos Vinte (G-20) em Osaka, no Japão, o presidente Emmanuel Macron afirmou que todas as preocupações da França foram contempladas. Anteontem, em Bruxelas, a capital da União Europeia, Macron advertiu contra o "neoprotecionismo".
Mas o presidente francês está vulnerável depois da
revolta dos coletes amarelos, que nasceu no interior, em zonas rurais, onde os
moradores não queriam pagar mais pelo óleo diesel, frustrando os planos do governo
para reduzir o consumo de combustíveis fósseis e o aquecimento global.
Os críticos alegam que o imperativo econômico da Comissão
Europeia, órgão executivo da União Europeia, é negociar acordos de livre comércio
para criar mais oportunidades para as exportações do bloco. Mas toda negociação
exige concessões.
A comissária europeia de Comércio, a sueca Cecilia
Malmström, que negociou o acordo, alega que o desafio da mudança do clima não
será vencido sem comércio e desenvolvimento sustentável.
Além da questão econômica, o acordo tem objetivos políticos
como manter o Brasil no Acordo de Paris sobre Mudança do Clima e pressionar o
governo Jair Bolsonaro a adotar políticas sociais e ambientais dentro dos padrões
europeus.
A maior resistência está no setor agrícola europeu.
Para o presidente da Federação Nacional Bovina da França, Bruno Dufayet, “os
criadores do Mercosul já são ultracompetitivos. Qual o interesse em reduzir as
tarifas de importação quando sabemos que sua produção não atende aos critérios
impostos na Europa?”
Os escândalos sanitários e de corrupção denunciados no
Brasil nos últimos anos são citados pelos inimigos do acordo, especialmente o
escândalo da JBS, maior exportadora mundial de carne bovina.
A Comissão Europeia afirma que “as normas europeias de
segurança alimentar não vão mudar e deverão ser respeitadas em todas as importações.”
Assim, os produtos agrícolas tratados com pesticidas proibidos na Europa
estariam excluídos, assim como transgênicos e as carnes de animais que
receberam hormônios.
Hoje, mais de 90% da soja e quase 90% do milho
produzidos no Brasil são transgênicos. Mas a maioria dos portes dos países-membros
não estão capacitados a fazer os controles alfandegários necessários. Um relatório
de dezembro do ano passado constatou que “nenhum exame sobre presença de hormônios
em carnes importadas foi realizada nas fronteiras da França; os exames sobre
antibióticos só foram feitos nas carnes de ovelha e de cavalo”.
Com o aumento das cotas de importação, os riscos de
fraude serão muito maiores.
A agricultura intensiva do Mercosul usa grandes
quantidades de produtos químicos e farmacêuticos. Desde janeiro, o governo
Bolsonaro aprovou 239 novos agrotóxicos, inclusive várias substâncias proibidas
na Europa, como a atrazina, um herbicida.
Os pecuaristas brasileiros são os maiores consumidores
de antibióticos para animais depois da China e dos Estados Unidos. O risco é de
deterioração da qualidade da comida servida aos europeus.
Na opinião da diretora da organização não governamental
Foodwatch, o Observatório da Comida, Karine Jacquemart, o acordo tornará “mais
difícil estabelecer novas normas na Europa, novas exigências de etiquetagem ou
regras mais estritas para certos insumos”. Os países do Mercosul poderiam
recorrer à Organização Mundial do Comércio, a OMC, o que levaria a um “rebaixamento
das normas ao longo do tempo”.
A questão ambiental é talvez a maior preocupação dos
europeus. O acordo foi vendido como uma maneira de forçar o governo Bolsonaro a
não sair do Acordo de Paris. O Brasil prometeu reduzir a emissão de gases de
efeito estufa até 2025 em 37% em relação a 2005, a acabar com o desmatamento ilegal
na Amazônia até 2030 e a replantar 12 milhões de hectares de florestas.
Os críticos do acordo argumentam que os mecanismos de
fiscalização dos aspectos ambientais são frágeis. Em caso de não cumprimento, o
acordo prevê apenas “consultas governamentais”. Se elas não derem resultado,
será criada um “painel de especialistas independentes”, que faria apenas
recomendações.
Entre 1985 e 2017, o Brasil destruiu uma área da
Floresta Amazônica do tamanho da França. No mês passado, o primeiro da estação
em que chove menos na região desde a posse de Bolsonaro, o desmatamento aumentou
em 88 por cento.
Para Mathildé Dupré, do Instituto Veblen,
especializado na economia da transição ecológica, “tendo em conta a política catastrófica
do Brasil para o clima e a biodiversidade, é injustificável oferecer ao país
vantagens comerciais. É preciso, ao contrário, bloquear o acesso ao mercado europeu
como soja e carne bovina que contribuam com o desmatamento.”
A Comissão Europeia fez um estudo sobre o impacto do
acordo na emissão de gases de efeito estufa ainda não divulgado. Samuel Leré,
da Fundação Nicolas Hulot para a Natureza e o Homem, “na hora da emergência
climática, a prioridade é utilizar as trocas comerciais para estimular a transição
ecológica e não de assinar um acordo com um país cujas políticas vão contra
este objetivo.”
As críticas injustificadas do ministro do Meio Ambiente,
Ricardo Sales, ao Fundo Amazônia e a tentativa de usar o dinheiro doado pela
Noruega e a Alemanha para indenizar desmatadores deixam claro o desinteresse do
atual governo brasileiro com a destruição da floresta. O Fundo Amazônia pode
acabar.
As declarações do presidente falando em psicose
ambientalista, do ministro do Meio Ambiente, da ministra da Agricultura, Tereza
Cristina Dias, e do ministro de Segurança Institucional, general Augusto
Heleno, afirmando que o Brasil preserva a natureza, conspiram contra a aprovação
final do acordo, que depende da ratificação pelo Parlamento Europeu e por todos
os parlamentos nacionais dos 32 países envolvidos.
O Brasil é o país que mais desmata e que mais mata os
defensores da floresta.
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