Único condenado pelo atentado que matou 270 pessoas em Lockerbie, na Escócia, em 21 de dezembro de 1988, o agente líbio Abdel Basset Ali Mohamed al-Megrahi morreu hoje de câncer aos 60 anos em Trípoli, na Líbia.
Naquela data um Boeing 747 da companhia aérea americana PanAm fazia o voo 103, Londres-Nova York, quando explodiu em pleno ar, matando todas as 259 pessoas a bordo e mais 11 em terra, na cidade de Lockerbie. A bomba teria sido embarcada no aeroporto de Frankfurt, na Alemanha, num voo de conexão.
A suspeita inicial recaiu sobre grupos radicais palestinos baseados na Síria e apoiados pelo Irã. Seria uma vingança porque os Estados Unidos tinham derrubado por engano um Airbus do Irã com 290 pessoas a bordo, confundindo-o com um avião de guerra, quando patrulhavam o Golfo Pérsico no fim da Guerra Irã-Iraque (1980-88).
Depois que o ditador Saddam Hussein invadiu o Kuwait, em 2 de agosto de 1990, quando o apoio da Síria e a neutralidade do Irã eram importantes para o sucesso da aliança liderada pelos EUA na Guerra do Golfo (1991), surgiu a versão que atribuía o atentado à Líbia do coronel Muamar Kadafi, outro inimigo dos EUA.
Kadafi tivera seu palácio bombardeado em 14 e 15 de abril de 1986 por ordem do então presidente Ronald Reagan como retaliação por um atentado terrorista contra uma discoteca frequentada por soldados americanos na Alemanha.
Dois agentes do serviço secreto líbio, Megrahi e Lamin Khalifah Fhimah, foram denunciados por assassinato e conspiração para matar pelo procurador-geral dos EUA em novembro de 1991 como responsáveis pelo ataque ao voo 103 da PanAm. Os EUA conseguiram apoio internacional para impor sanções à Líbia.
Em 23 de março de 1995, eles foram declarados fugitivos e colocados na lista de procurados do FBI (Escritório Federal de Investigações), a polícia federal americana.
A proposta de julgamento na Holanda com leis e juízes escoceses partiu do professor Robert Black, da Universidade de Edimburgo, e encampada pelo governo britânico do primeiro-ministro trabalhista Tony Blair, que prometia uma "política externa ética". Seu ministro do Exterior, o escocês Robin Cook, teria negociado.
Em 5 de abril de 1999, Fhimah e Megrahi foram entregues ao tribunal. O julgamento começou em 3 de maio de 2000.
A acusação afirmou que a bomba estava escondida num rádiocassete Toshiba dentro de uma mala Samsonite rígida, junto com roupas, e que o detonador, fabricado por uma empresa suíça, teria sido vendido à Líbia. Alegou ainda que a bagagem com o explosivo foi embarcada no aeroporto Luka, na ilha de Malta, e depois transferida, em Frankfurt e Londres, para o Jumbo da PanAm.
Um ex-colega dos agentes nas Linhas Aéreas da Líbia teria testemunhado a confecção da bomba. Outra prova: Megrahi teria comprado em Malta as roupas que estavam na mala junto com o rádiocassete-bomba.
A defesa argumentou que o mesmo tipo de detonador foi vendido para vários serviços secretos, inclusive da Alemanha Oriental, dos EUA (CIA) e da Líbia. Também disse que Tony Gauci, o comerciante da lojas de roupas de Malta, não conseguiu identificar Megrahi num desfile de possíveis suspeitos.
Em 31 de janeiro de 2001, Fhimah foi declarado inocente e Megrahi culpado. Ele foi sentenciado a prisão perpétua, com a recomendação de que ficasse preso pelo menos durante 20 anos antes de ter direito a pedir liberdade condicional.
Mas, em 20 de agosto de 2009, o ministro da Justiça da Escócia, Kenny MacAskill, anunciou a libertação de Megrahi por razões humanitárias. Ele sofreria de um câncer terminal na próstata. Teria menos de três meses de vida, o que pela lei escocesa dá direito à liberdade para morrer com a família.
A recepção de herói que Megrahi teve em Trípoli, com a participação de Seif al-Islam al-Kadafi, o filho com ambição de suceder Kadafi, provocou grande revolta nos EUA, no Reino Unido e nos outros países com vítimas do voo 103. Ficou a sensação de que havia mais alguma coisa erra numa história muito estranha desde o princípio em que a justiça foi sufocada por razões de Estado.
Com a morte de Megrahi, termina o último capítulo desta história, mas restam muitos pontos obscuros à espera de repórteres e investigadores que a reescrevam.
Este é o blog do jornalista Nelson Franco Jobim, Mestre em Relações Internacionais pela London School of Economics, ex-correspondente do Jornal do Brasil em Londres, ex-editor internacional do Jornal da Globo e da TV Brasil, ex-professor de jornalismo e de relações internacionais na UniverCidade, no Rio de Janeiro. Todos os comentários, críticas e sugestões são bem-vindos, mas não serão publicadas mensagens discriminatórias, racistas, sexistas ou com ofensas pessoais.
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