Hoje fui citado na coluna de Merval Pereira, no jornal O Globo, lembrando o sociólogo canadense Marshall McLuhan para argumentar que "a luta de classes não faz sentido num mundo de informação instantânea, em que nerds podem ficar bilionários do nada criando empresas de informática", com foi o caso de Bill Gates, da Apple, do Yahoo e do Google.
Não nego que existam conflitos de classes, mas não são eles que movem a História, ao contrário do que supunha Karl Marx. São revoluções tecnológicas e não as propostas de viés marxista, antiamericanas, antiliberais e anticapitalistas defendidas pela chamada esquerda revolucionária.
Para não parecer que sou apenas mais um neoliberal, cito o professor Leslie Bethell, maior especialista em Brasil do Reino Unido, diretor do Centro de Estudos Brasileiros de Oxford, ameaçado de fechar pelo desinteresse das empresas brasileiras em mantê-lo. Na sua opinião, a democracia no Brasil começa efetivamente com a Constituição de 1988, que introduziu o voto para os analfabetos.
A democracia é um processo lento, evolutivo, de formação de consensos.
Hoje temos um programa, o Bolsa-Família, que atende diretamente à parcela mais pobre da população e que garantiu a reeleição de Lula, com votação expressiva, sobretudo no Nordeste. Ou seja, a democracia liberal funciona, ao contrário do que sugeriu na conferência da Academia da Latinidade em Lima, no Peru o secretário-geral do Itamaraty, embaixador Samuel Pinheiro Guimarães, ao defender a "democracia plebiscitária", o modelo chavista, com o argumento de que o poder do grande capital corrompe o resultado das urnas.
Todo o mundo vota com a mão no bolso, aqui e em qualquer outro país. O povo brasileiro não é bobo. Sabe votar e vota em quem lhe ofereceu a oportunidade de uma vida melhor.
O grande desafio da América Latina é fazer a democracia liberal funcionar para todos, antes de fazer experiências que ameaçam trazer de volta o passado caudilhista e confrontacionista tão a gosto de uma esquerda atrasada que ainda acredita em luta armada e luta de classes.
Nosso próximo desafio é emancipar esse povo, livrando-o da necessidade do Bolsa-Família. Isso só se dá através de uma educação de qualidade, libertadora, que ensine as pessoas a pensarem com suas próprias cabeças.
Há exemplos abundantes na Ásia. Na China e na Córéia do Sul, pais pobres e atrasados, muitos deles camponeses rudes, vêem seus filhos bem-educados ascenderem socialmente e enriquecerem.
Quando estive na China em 1988, me chamou a atenção, numa loja de uma companhia aérea americana, o fato de que um senhora chinesa muito humilde ficava sentada quietinha, enquanto o filho de menos de dez anos conversava com a atendente e voltava pra consultar a mãe. O menino falava inglês e conseguia fazer a ponte entre a vanguarda representada por uma companhia aérea estrangeira e sua mãe atrasada e semi-analfabeta.
Na Revolução Cultural, os intelectuais eram mandados para o campo para serem reeducados como bons camponeses. Deveriam ter feito exatamente o contrário. Há uma falta de mão-de-obra qualificada na China na geração em que as universidades foram fechadas pelo radicalismo que obrigava os chineses a parar no sinal verde e avançar no vermelho.
Aqui, o grande entrave ao desenvolvimento é o baixo nível de educação do trabalhador brasileiro. Como professor universitário, fico abismado com o nível de alguns alunos, com a baixa capacidade de abstração, incapacidade de lidar com números e desconhecimento de História.
Ontem e hoje, perguntei o que houve de importante em 9, 10 e 11 de novembro. Quando falei em 1989, uma aluna lembrou-se a queda do Muro de Berlim em 9/9/1989. Mas apesar das matérias jornalísticas, ninguém lembrou-se do golpe do Estado Novo (10/11/1937) e do fim da Primeira Guerra Mundial (11/11/1918).
A mesma menina que lembrou-se do muro pensava que a Primeira Guerra Mundial tinha acabado em 1917. Aí, perguntei o que havia acontecido em 1917 com as duas potências que dominaram a História da Humanidade na segunda metade do século 20. Queria chamar a atenção para a Primeira Guerra como o conflito que moldou a História do Século 20. Branco total: ninguém citou a Revolução Russa e muito menos a entrada dos EUA na guerra.
Vejo muito discurso sobre educação e votei no senador Cristovam Buarque no primeiro turno como um voto na educação. Mas não vejo medidas concretas para fazermos uma revolução na educação. Com o petróleo de Tupi, é o que falta para elevar o Brasil à condição de grande potência.
Até quando vamos ficar ouvindo discursos vazios que não se traduzem em políticas?
Vejo um sério risco de que a tentação populista eternize o Bolsa-Família como fábrica de votos. Equivale a manter o povo sob cabresto. Não era essa a proposta original do PT. Mas até o imposto sindical parte do partido defende agora.
A bolsa-família é muito importante porque todos têm direito de comer numa sociedade civilizada. O professor Amartya Sen, ganhador do Prêmio Nobel de Economia, maior especialista em combate à fome e à miséria, diz que não há fome em massa em países democráticos: nenhum governo eleito resiste à imagem de uma criança morta no colo de uma mãe de peito murcho - sinal de que a democracia liberal funciona.
Para que funcione melhor, precisamos de cidadãos bem-educados, capazes de lutar por seus direitos e de ganhar dinheiro com seu próprio trabalho. Enquanto eu ganhar por mês, como professor, com dois diplomas de pós-graduação em relações internacionais na London School of Economics, menos do que minha faxineira, fica difícil ter esperança. Felizmente, tenho outras fontes de renda.
Este é o blog do jornalista Nelson Franco Jobim, Mestre em Relações Internacionais pela London School of Economics, ex-correspondente do Jornal do Brasil em Londres, ex-editor internacional do Jornal da Globo e da TV Brasil, ex-professor de jornalismo e de relações internacionais na UniverCidade, no Rio de Janeiro. Todos os comentários, críticas e sugestões são bem-vindos, mas não serão publicadas mensagens discriminatórias, racistas, sexistas ou com ofensas pessoais.
terça-feira, 13 de novembro de 2007
Nosso desafio democrático é a educação
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