O regime comunista da Coréia do Norte vai divulgar uma lista de todos os seus programas nucleares na próxima semana, anunciou hoje o secretário de Estado adjunto dos Estados Unidos, Christopher Hill, principal negociador americano nas negociações com Pionguiangue, que estão entrando numa etapa decisiva para o desarmamento nuclear do país.
"Esperamos receber nos próximos dias, na próxima semana, uma lista completa dos norte-coreanos de todos os seus programas, materiais e instalações nucleares para que possamos entrar numa próxima etapa no começo do próximo ano", declarou Hill na Câmara Americana de Comércio em Seul, na Coréia do Sul.
Hill viaja para Pionguiangue na segunda-feira.
Como lembra o professor Amaury Porto de Oliveira, no Panorama da Conjuntura Internacional da Universidade de São Paulo (USP), até recentemente os EUA recusavam-se a negociar diretamente com a Coréia do Norte, que, por sua vez, acusava os governos da Coréia do Sul e do Japão de serem um meros fantoches dos americanos.
Depois do colapso do comunismo na Europa Oriental e na União Soviética, sentindo-se isolado, o regime stalinista norte-coreano transformou seu antagonismo em relação aos EUA em fonte de legitimidade e fez uma chantagem nuclear.
Em 1994, num acordo negociado pessoalmente pelo ex-presidente Jimmy Carter, o fundador e então ditador da Coréia do Norte, Kim Il Sung, se comprometeu a acabar com seu programa nuclear em troca de dois reatores de água leve para geração de eletricidade.
Talvez as relações bilaterais estivessem próximas da normalização quando George Walker Bush chegou à Casa Branca, em 2001. Com a visão neoconservadora então dominante no Partido Republicano de que sob Bill Clinton os EUA não teriam tirado proveito da vitória na Guerra Fria, Bush passou a hostilizar os ex-inimigos do bloco comunista.
Essa postura agressiva perdeu o sentido depois dos atentados terroristas de 11 de setembro de 2001. Os EUA precisavam do apoio da Rússia, com suas bases militares nas antigas repúblicas soviéticas da Ásia Central, e também da China. Esses países, por sua vez, queriam a anuência de Washington para combater seus inimigos muçulmanos na república russa da Chechênia e na província chinesa de Kachgar.
Mas os EUA não precisavam da Coréia do Norte na sua "guerra contra o terrorismo". Comenta-se até que, no famoso discurso do eixo do mal, Bush incluiu a Coréia do Norte para não acusar somente o Irã e o Iraque, dois países muçulmanos. A intenção era descaracterizar a "guerra contra o terrorismo" como antimuçulmana.
Sentindo-se ameaçada, quando o governo Bush a acusou de ter um programa secreto de enriquecimento de urânio, a Coréia do Norte rompeu o acordo com os EUA e denunciou o Tratado de Não-Proliferação Nuclear (TNP). Como Bush já estava em guerra contra a rede terrorista Al Caeda, e o discurso visava a preparar a opinião pública americana para a invasão do Iraque, o regime Pionguiangue retomou suas atividades nucleares.
Em 9 de outubro de 2006, a Coréia do Norte realizou uma explosão atômica subterrânea parcialmente fracassada. Foi suficiente para os EUA levarem a sério o desafio do dirigente Kim Jong Il.
A partir daí, a negociação hexapartite (EUA, China, Coréia do Norte, Coréia do Sul, Japão e Rússia) avançou. O atual acordo foi delineado em fevereiro de 2007. Foi possível graças à convergência estratégica dos interesses dos EUA e da China de evitar a nuclearização da península coreana, que poderia levar o Japão a desenvolver armas atômicas, e garantir a estabilidade no Leste da Ásia, essencial para o extraordinário crescimento econômico chinês.
Pelo acordo, a Coréia do Norte precisa revelar todos os seus programas e instalações nucleares antes de receber ajuda energética para sua depauperada economia estatal.
Hill visitou Pionguiangue em junho, abrindo caminho para a negociação bilateral. Como observa Oliveira, em 1994, os EUA queriam congelar o programa nuclear norte-coreano. Hoje, além dos EUA, todos os países vizinhos pressionam a Coréia do Norte a se desnuclearizar.
Oliveira cita entrevista do diplomata japonês Tanaka Hitoshi, veterano das negociações sobre a Coréia do Norte, à revista Japan Echo: "Para os americanos, não faz muita diferença se a Coréia do Norte dispuser de duas ou três armas nucleares. A ênfase é na não-proliferação, evitar um cenário onde tais armas sejam produzidas em grande escala e possam cair na mão de terroristas. Este raciocínio é inaceitável para o Japão. O Japão não pode permitir que exista qualquer tipo de armamento nuclear na Coréia do Norte". E a China e os EUA não querem armas nucleares no Japão.
Esta convergência estratégia leva Oliveira a sugerir que a crise irresolvida desde a Guerra da Coréia (1950-53) possa estar chegando ao fim. Mas não se podem subestimar a imprevisibilidade e a fragilidade dos stalinistas de Pionguiangue, para quem a ameaça externa é sempre útil para combater qualquer oposição interna.
Este é o blog do jornalista Nelson Franco Jobim, Mestre em Relações Internacionais pela London School of Economics, ex-correspondente do Jornal do Brasil em Londres, ex-editor internacional do Jornal da Globo e da TV Brasil, ex-professor de jornalismo e de relações internacionais na UniverCidade, no Rio de Janeiro. Todos os comentários, críticas e sugestões são bem-vindos, mas não serão publicadas mensagens discriminatórias, racistas, sexistas ou com ofensas pessoais.
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