A execução do ex-ditador iraquiano Saddam Hussein provocou revolta entre os adversários da pena de morte no mundo inteiro, especialmente na Europa, onde ela é proibida. Muita gente acredita que o presidente dos Estados Unidos, George Walker Bush, merecia o mesmo destino. Outros argumentam que o enforcamento não melhora a situação do Iraque. Ao contrário, pode agravar a violência entre sunitas e xiitas, que já caracteriza uma guerra civil.
Como observam jornais alemães citados pela revista alemã Der Spiegel, Saddam Hussein, um ditador responsável por guerras e perseguições políticas que resultaram em mais de um milhão de mortes, não é um exemplo para a luta contra a pena de morte. Seria melhor a China, país que mais aplica a pena de morte, ou a Arábia Saudita ou o Irã, que executam por homossexualismo e adultério.
"As imagens tremidas da execução de Saddam Hussein difundidas via Internet e na TV árabe Al Jazira nos últimos dias dizem mais sobre a tragédia no Iraque em menos de três minutos do que todas as declarações públicas a respeito", comenta o jornal alemão Die Tageszeitung. "Vendo como a execução do ex-ditador foi realizada como um ato de vingança de uma milícia xiita radical com o endosso do governo, como pode alguém acreditar que o governo iraquiano esteja interessado na reconciliação e que o Iraque esteja perto do caminho rumo a uma verdadeira democratização?"
E acrescentou: "Mesmo quem estiver preparado para aceitar execuções como parte de um processo legal e mesmo quem ignore todas as falhas do julgamento de Saddam apontadas por organizações de defesa dos direitos humanos, deve reconhecer neste momento que a morte de Saddam é na melhor das hipóteses um 'marco' (nas palavras de George W. Bush) na estrada para a guerra civil. De modo algum, é um passo rumo a mais Justiça. É mais do que apenas uma oportunidade perdida - é um crime. O carniceiro Saddam Hussein está morto. Poderia ser uma boa notícia. Hoje é apenas precursora de mais mortes."
O Financial Times Deutschland tem outra visão: "A indignação deflagrada pela execução do ex-ditador iraquiano é totalmente sem sentido. É quase cinismo quando uma pessoa como o ministro do Exterior da Itália, Massimo d'Alema, por exemplo, anuncia que vai governo vai aproveitar a oportunidade da execução em Bagdá para marcar sua oposição à pena capital. Será difícil encontrar uma 'causa nobre' menos apropriada na batalha contra a pena de morte do que Saddam Hussein".
Para o FTD, não há risco de que tenha havido erro judicial na condenação de Saddam e seu enforcamento elimina a possibilidade de que seus seguidores mais fanáticos tentassem libertá-lo: "Também é enganoso falar em 'Justiça dos vitoriosos' americanos", entende a edição alemã do FT. "As autoridades de ocupação americanas suspenderam a pena de morte no Iraque em 2003. Ela foi reintroduzida pelo governo provisório iraquiano. Foram os iraquianos que quiserem realizar o julgamento do tirano em seu próprio país."
"Quem quiser realmente colocar o debate sobre a pena de morte na agenda global não deve lamentar o destino de Saddam mas ver as estatísticas da Anistia Internacional, que mostram que a maioria das execuções ocorrem na China, onde mesmo crimes comuns são punidos com a morte", insta o FTD.
E conclui: "A pena de morte é aplicada em todo o mundo muçulmano e citada como uma exigência da religião. No Irã e na Arábia Saudita, 'crimes' como homossexualismo e adultério são punidos com a morte. Comparado com a Justiça destes países, o julgamento de Saddam Hussein foi respeitável."
Na opinião do jornal conservador alemão Die Welt, "havia um grande desejo de um final rápido. Não houve revolta nem agitação, só as filhas de Saddam falaram de seu pai como 'mártir'."
Já o jornal de esquerda Berliner Zeitung criticou o enforcamento: "Mesmo Saddam Hussein tem direito à dignidade humana, apesar de seus crimes. Fazer de sua morte um espetáculo de mídia o privou deste direito, e é evidente que o fez deliberadamente. O objetivo era mostrar ao mundo como o carrasco colocou a corda ao redor do seu pescoço e abriu o alçapão.
"É uma noção bizarra que este espetáculo desumano possa ajudar no desenvolvimento da democracia e da ordem no Iraque."
Para o BZ, o problema vem da criação do Iraque pelo Império Britânico depois da Primeira Guerra Mundial, o que superestima as barreiras religiosas e nacionalistas, insinuando que o país é inviável: "O dilema básico do Iraque continua sendo que as potências coloniais forçaram sunitas, curdos e xiitas num só Estado, lançando os alicerces de batalhas contínuas por dinheiro e poder. O proclamação de George Bush de que o Iraque está no caminho da democracia soa cada vez mais como otimismo exagerado sem qualquer perspectiva realista. Uma execução realizada daquela maneira dificilmente pode contribuir para criar um sistema político justo. Na realidade, o problema básico continua."
Este é o blog do jornalista Nelson Franco Jobim, Mestre em Relações Internacionais pela London School of Economics, ex-correspondente do Jornal do Brasil em Londres, ex-editor internacional do Jornal da Globo e da TV Brasil, ex-professor de jornalismo e de relações internacionais na UniverCidade, no Rio de Janeiro. Todos os comentários, críticas e sugestões são bem-vindos, mas não serão publicadas mensagens discriminatórias, racistas, sexistas ou com ofensas pessoais.
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