quinta-feira, 3 de agosto de 2006

Cuba entra na era pós-Fidel Castro

LONDRES - Depois do filme Um Dia sem Mexicanos e da greve que deixou os Estados Unidos um dia sem o trabalho dos imigrantes, 1 de agosto foi o primeiro dia sem Fidel Castro no poder em Cuba desde janeiro de 1959. Isto ampliou um debate que já vinha sendo realizado mais ou menos discretamente entre acadêmicos, diplomatas e dentro do próprio regime comunista cubano: qual o futuro da ilha depois da Era Fidel?

A abertura política e econômica, com o fim do comunismo, parece inevitável, apesar da relutância em aceitar isto da parte de quem acredita no socialismo cubano, especialmente da chamada “esquerda revolucionária”na América Latina. É quem acredita que o Movimento dos Sem-Terra (MST) e as Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farc) são vanguardas revolucionárias, e que o presidente da Venezuela, Hugo Chávez, é o novo Fidel e não um caudilho populista no velho estilo latino-americano, um “Perón com petróleo”, na definição do intelectual e ex-chanceler mexicano Jorge Castañeda.

No dia 31 de julho, por força de uma operação para estancar uma hemorragia intestinal, Fidel transferiu temporariamente seus poderes como comandante das Forças Armadas, líder do Partido Comunista, presidente e primeiro-ministro de Cuba a seu irmão Raúl Castro, que já era ministro da Defesa. Suspeita-se que ele esteja com um cancer no aparelho digestivo.

Os cubanos chegaram a suspeitar que seu dirigente máximo estivesse morto e que o regime estivesse fazendo o anúncio aos poucos, no velho estilo soviético. A festa dos 80 anos de Fidel, em 13 de agosto, foi transferida para dezembro. Ninguém sabe se ele terá condições de reassumir plenamente suas funções. Mas mesmo que o faça, o debate sobre sua sucessão está nas ruas.

Há alguns anos a saúde do velho comandante dava sinais de esgotamento. Em junho de 2001, ele desmaiou quando discursava há mais de duas horas. Em outubro de 2004, tropeçou e caiu, quebrando o braço esquerdo e o joelho direito.

Como toda ditadura, o regime cubano considera-se eterno. Mas poucas ditaduras personalistas, centradas num homem-símbolo, resistem a seu desaparecimento. Há um precedente de sucessão dinástica no comunismo, na Coréia do Norte, onde o “Grande Líder” e fundador do país, Kim Il Sung, foi substituído por seu filho Kim Jong Il.

Em Cuba, ao que tudo indica, num primeiro momento, haverá está solução burocrática, com a ascensão de Raúl Castro, considerado ainda mais ortodoxo do que seu irmão mas muito menos carismático. É uma solução transitória. Ninguém acredita que Raúl consiga manter o castrismo sem Fidel, isto é, manter o monopólio do poder politico e um controle férreo do partido sobre a economia.

A revolução cubana sobreviveu ao fim da União Soviética sobretudo porque não havia nenhum modelo de sucesso capitalista na América Latina. Não havia uma Alemanha Ocidental para comparar com a Alemanha Oriental.

CONQUISTAS E FRACASSOS
Os indicadores sociais de Cuba são apontados até hoje pelos defensores da revolução como provas do sucesso do regime socialista cubano, especialmente a educação em massa e o programa dos médicos de família, agora sendo aplicado por Chávez na Venezuela.

Os cubanos têm a mesma expectativa de vida dos americanos. Dada a diferença de renda entre os dois povos, é realmente um sucesso extraordinário. Mas isto encobre os problemas do regime: a precariedade de sua economia, a falta de liberdade e o tratamento brutal dos dissidentes.

Cuba sobreviveu décadas graças à ajuda soviética, equivalente a US$ 3 a 5 bilhões anuais. Em 1991, adotou reformas econômicas moderadas, abrindo o setor de turismo ao capital estrangeiro e permitindo a criação de pequenas empresas, o que depois voltou a enfrentar restrições. Nos últimos anos, recebeu um novo sopro de vida com a ajuda de Chávez, que parece decidido a criar uma aliança antiamericana em escala planetária, a julgar por sua última viagem à Rússia, à Bielorrússia e ao Irã, entre outros países.

Mas um regime onde uma prostituta ou um garçom ganha por dia, em dólares, mais do que um médico ou professor ganha num mês, está destinado ao fracasso. Tem algo profundamente errado.

Uma nova geração de dirigentes que já governa Cuba diante do afastamento virtual e agora real de Fidel das atividades administrativas do dia-a-dia tem plena consciência disto. Sabe que para preserver as conquistas da revolução terá de fazer uma abertura econômica de fato, criar um partido político capaz de disputer eleições democráticas e abrir a ilha, que na prática ainda é um país-prisão de onde é proibido sair, como a antiga Alemanha Oriental antes da queda do Muro de Berlim.

CANDIDATOS
Entre os expoentes desta nova geração, deve surgir o verdadeiro sucessor de Fidel dentro do regime. Há três candidatos mais destacados.

Talvez o favorito seja o ministro do Exterior, Felipe Pérez Roque, mais conhecido como Fax por sua devoção e absoluta lealdade ao chefe, de quem gosta de transmitir fielmente as palavras e pensamentos. Nascido depois da revolução, é engenheiro eletrônico. Foi líder estudantil e secretário particular de Fidel durante uma década antes de ser promovido a ministro em 1999 como o mais jovem integrante do governo cubano.

Outro nome bastante cotado é Carlos Lage, vice-presidente encarregado das reformas econômicas, considerado o homem que toca o governo na prática.

Um terceiro nome é o presidente da Assembléia Nacional, Ricardo Alarcón, seguidamente citado como provável successor na imprensa americana, talvez por ter sido embaixador cubano nas Nações Unidas de 1966 e 1978, e depois ministro do Exterior, tornando-se o principal consultor de Fidel nas relações com os EUA.

O PAPEL DOS EUA
Estas relações foram tensas desde a vitória da revolução, que derrubou o ditador Fulgencio Batista, aliado de Washington. Mesmo que a CIA (Agência Central de Inteligência), o serviço de espionagem dos EUA, tenha dado dinheiro para os dois lados para manter suas opções em aberto, a desapropriação dos bens dos americanos em Cuba, em 1960 e a subseqüente aproximação com a União Soviética levaram à à tentativa de invasão da Baía dos Porcos, em abril de 1961, e à imposição, em 7 de fevereiro de 1962, de um embargo econômico que até hoje sufoca a economia cubana e serve como desculpa para o fracasso do regime.

Os dois países estiveram no centro do principal conflito da Guerra Fria, a tentativa de instalação de mísseis soviéticos em Cuba, pedida por Fidel depois da frustrada invasão da Baía dos Porcos.

Nunca o mundo esteve tão perto de uma guerra nuclear.

Em 14 de outubro de 1962, um avião de espionagem dos EUA fotografou os silos dos mísseis que os soviéticos estavam instalando em Cuba. Imediatamente o presidente John Kennedy decretou um bloqueio naval, ameçando afundar quaisquer navios que o violassem.

Durante duas semanas, até 27 de outubro, o mundo esteve à beira de um holocausto nuclear, evitado por um recuo soviético quando os americanos preparavam-se para invadir a ilha. Em conseqüência, os soviéticos retiraram os mísseis e os americanos se comprometeram a não invader Cuba. Um telefone vermelho ligando a Casa Branca ao Kremlin foi instalado para os líderes das duas superpotências pudessem converser diretamente, evitando novas crises capazes de arrasar todo o planeta.

Fidel sobreviveu a nove presidentes dos EUA. Ironicamente, pode ter ajudado a eleger o atual ocupante da Casa Branca, George Walker Bush. Sua vitória foi sacramentada na Flórida, onde o governo Bill Clinton sofrera um enorme desgaste diante da comunidade cubano-americana formada por exilados do regime cubano.

Em 22 de abril de 2000, policiais federais americanos usaram a força para resgatar o menino Elián González, que sobrevivera ao naufrágio do barco onde sua mãe e outros dez cubanos morreram ao tentar fugir da ilha. Ele se tornou um símbolo em Miami, recebendo uma adoração quase religiosa. Mas a Justiça dos EUA decidiu mandá-lo para a guarda do pai, que ficara em Cuba.

O regime cubano fez grande propaganda em torno do caso. Ganhou o menino mas tem de engolir as políticas agressivas de Bush.

A posição dos EUA, que já preparou um plano para a transição pós-Fidel, também sera decisive para o futuro de Cuba. Com os bilhões de dólares acumulados pelos cubanos de Miami, uma abertura do regime pode provocar a inundação da ilha pelo dólar, com seu poder subversivo ou revolucionário, dependendo do ponto de vista ideológico.

Talvez seja tarde para Cuba seguir o modelo chinês, de abertura econômica com rígido controle politico do Partido Comunista. É apenas uma pequena ilha e não um país gigantesco com um mercado potencial admirável.

Tudo o que seus dirigentes querem é evitar um colapso como aconteceu na URSS e na Europa Oriental, especialmente na Rússia, onde o comunismo foi substituído por um capitalismo selvagem.

O Brasil, diante da aproximação recente de Fidel ao Mercosul patrocinada por Chávez, pode tentar desempenhar um papel importante, sobretudo na mediação entre Cuba e os EUA. O Canadá também almeja exercer o mesmo papel. Mas como me disse um deputado canadense, quando o embargo for removido e os EUA entrarem para valer na batalha da transição em Cuba, o Brasil e o Canadá tendem a ser atropelados.

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