Há duas modalidades de negociações sobre produtos industrializados na Organização Mundial do Comércio, explicou a advogada Soraya Rosar, assessora da Confederação Nacional da Indústria, no 3º Curso de Comércio e Negociações Internacionais para Jornalistas realizado no Rio de Janeiro pelo Centro Brasileiro de Relações Internacionais (Cebri) e o Instituto de Comércio e Negociações Internacionais (Ícone): uma fórmula não-linear incidindo sobre todo o universo tarifário e uma negociação por setor para eliminação ou harmonização de tarifas.
“O Brasil é contra negociações setoriais”, informa Soraya Rosar. Entende que, se as negociações forem feitas por setor, nunca chegará a hora dos temas que interessam aos países em desenvolvimento, como por exemplo a agricultura. Já a fórmula que incide sobre todas as tarifas é não-linear justamente porque os países ricos devem abrir mais seus mercados do que os em desenvolvimento.
Nas negociações do sistema multilateral de comércio, consideram-se dois tipos de tarifas:
- A tarifa consolidada é o teto registrado na OMC. No Brasil, é de 35% para produtos industriais e a média é de 31%.
- A tarifa aplicada é a realmente praticada. A tarifa média é 10,77% e a máxima, 35%.
Os carros importados pagam 35% de imposto de importação. É um dos setores que mais sofrerá com a liberalização.
As tarifas brasileiras não estão entre as mais altas. Os EUA, embora tenham um mercado bastante aberto, cobram até 58,5% sobre produtos industrias e a Índia, que ainda não consolidou boa parte de suas tarifas, chega a 150%.
“Quem entra sofre pressão para consolidar as tarifas, uma obrigação dos novos membros da OMC”, esclarece a assessora da CNI. “A Índia só consolidou 60%; no resto, pode aplicar a tarifa que quiser.”
Alguns conceitos importantes:
- “Less than full reciprocity”: literalmente, quer dizer menos que a reciprocidade total. Na prática, significa que os países desenvolvidos devem fazer concessões maiores.
- Tratamento especial diferenciado: os países em desenvolvimento têm mais tempo para se adaptar às decisões da rodada.
- Fórmula: será aplicada às tarifas consolidadas para reduzi-las.
- Flexibilidade: mecanismos de escape para acomodar produtos sensíveis dos países em desenvolvimento. Envolve coeficientes diferentes para reduções tarifárias, prazos de implementação maiores e a possibilidade de ter um pequeno percentural.
“Será um problema para o Mercosul”, prevê Soraya Rosar. Como os países-membros do bloco econômico regional têm produtos sensíveis diferentes, terão de chegar a algum acordo se quiserem manter a tarifa externa comum.
O Brasil quer a Fórmula Suíça 30 ou a Fórmula ABI (Argentina, Brasil e Índia). Isto deixaria as tarifas de importação de bens industriais do Brasil com teto de 16,45% e média de 14,68%, “perfurando 2,4 mil posições tarifárias”, explica a advogada. “Os países ricos querem que nossa tarifa média caia para 9% e a tarifa máxima em 10,5%, o que seria aplicar a Fórmula Suíça 15%.”
“Os europeus dizem que só cortamos água”, conta Soraya Rosar. “Nós dizemos isso a eles em agricultura. Estamos oferecendo um corte de 48%, mais do que eles fizeram em todas as rodadas. Querem que a gente corte 60% na Rodada do Desenvolvimento?”
Na realidade, o Brasil não aplica tarifas muito elevadas, em comparação com outros países em desenvolvimento:
- Índia: 29,9%
- Tailândia: 16,2%
- México: 16%
- Coréia do Sul: 12,4%
- Brasil: 10,7%
- Rússia: 9,8%
Há vários problemas para a articulação Sul-Sul, entre países em desenvolvimento, dentro da OMC, aponta Soraya:
- A União Européia exige concessões em produtos industriais e em serviços para diminuir a proteção à agricultura.
- O Mercosul não atua como um bloco dentro da OMC, não tem uma política comercial comum, o que dificulta um acordo sobre produtos sensíveis, essencial para manter a tarifa externa comum da união aduaneira imperfeita do bloco.
- O Brasil e a Argentina têm uma postura defensiva em produtos industriais.
- O Brasil é defensivo em serviços.
- Os países em desenvolvimento não têm interesses comuns.
- A Fórmula ABI é um exemplo de coesão na dificuldade.
Também estão sendo negociados acordos setoriais mas eles não serão de cumprimento obrigatório.
Uma questão delicada são os chamados “bens ambientais”, comenta a especialista em comércio exterior: “Há uma pressão para enquadrar tudo como bem ambiental, até buzina de bicicleta. Se um projeto é definido como pró-meio ambiente todos os produtos necessários para sua realização beneficiam-se de tarifas reduzidas como bens ambientais”.
A estratégia empresarial brasileira é que os acordos comerciais devem ter uma lógica econômica, em vez de preocupações geopolíticas. Também não quer abrir mão de nenhuma oportunidade. Por isso, alguns setores criticam o governo Lula por ideológico demais e não obtido sucesso nas negociações com a União Européia e os EUA.
Na opinião de Soraya Rosar, “a suspensão da rodada fragiliza o sistema multilateral de comércio, que é importante para o Brasil, e estimula acordos regionais e bilaterais que geram desvio de comércio. Os acordos dos EUA com a Colômbia e o Peru vão provocar desvio de comércio, com perdas para o Brasil”.
Este é o blog do jornalista Nelson Franco Jobim, Mestre em Relações Internacionais pela London School of Economics, ex-correspondente do Jornal do Brasil em Londres, ex-editor internacional do Jornal da Globo e da TV Brasil, ex-professor de jornalismo e de relações internacionais na UniverCidade, no Rio de Janeiro. Todos os comentários, críticas e sugestões são bem-vindos, mas não serão publicadas mensagens discriminatórias, racistas, sexistas ou com ofensas pessoais.
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