LONDRES - Um bombardeio aéreo israelense matou hoje 26 trabalhadores rurais que estavam num galpão em Cá, no Vale do Becá, no Líbano, perto da fronteira com a Síria, que Israel acusa de estar enviando armas ao Hesbolá (Partido de Deus), uma milícia fundamentalista xiita que enfrenta heroicamente a mais poderosa máquina militar do Oriente Médio desde 12 de julho.
Sob o pretexto de impedir o rearmamento do Hesbolá pelos sírios, Israel destruiu a infra-estrutura do Líbano: estradas, pontes, portos aeroportos. Beirute está isolada. Não consegue mais receber nem alimentos.
O Hesbolá disparou mais de 190 foguetes contra Israel, chegando perto de Telavive. Mas não atingiu a cidade, como ameaçara ontem seu líder, xeque Hassan Nasrallah, falando para a TV árabe Al Jazira, do Catar. Israel interferiu na TV do Hesbolá, colocando a imagem de guerrilheiros mortos.
Mais de 900 libaneses, na maioria civis, foram mortos desde o início da guerra, assim como 29 civis e cerca de 40 soldados israelenses.
Enquanto as grandes potências não chegam a um acordo nas Nações Unidas para exigir um cessar-fogo, que seria seguido pelo envio de uma força multinacional de paz para ocupar o Sul do Líbano, desarmar o Hesbolá e entregar o controle da área ao Exército do Líbano, a guerra incendeia a região, destruindo do sonho do governo dos Estados Unidos de criar um "novo Oriente Médio".
Há um ano, a Síria saíra do Líbano, o Iraque realizara eleições, assim como o Egito e a Arábia Saudita fariam, ainda que com severas restrições. Com a morte de Yasser Arafat, ascendia o moderado Mahmoud Abbas. Afinal, Israel tinha um interlocutor que considerava confiável para negociar a paz. Em setembro de 2005, retirou-se da Faixa de Gaza e removeu as colônias judaicas,
Hoje o Iraque está aa beira de guerra civil. Israel voltou a invadir a Faixa de Gaza e o Líbano, que está em chamas, mas sofre um ataque de foguetes sem precedentes. O governo egípcio voltou a reprimir seus dissidentes como antes. O Irã quer fabricar armas atômicas e tem um presidente radical que acaba de pedir mais uma vez a destruição de Israel.
Talvez o grande beneficiário do "novo Oriente Médio" de Bush seja o Irã, ou melhor a linha dura da república islâmica. A invasão de dois países vizinhos, primeiro o Afeganistão e depois o Iraque, acabou com as pretensões de abertura encarnadas pelo então presidente Mohamed Khatami, um aiatolá moderado eleito e releito com mais de 70% dos votos dos iranianos, sobretudo dos jovens.
Nas últimas eleições legislativas, em janeiro de 2004, os aiatolás vetaram 2,5 mil candidatos. Nas eleições presidenciais do ano passado, mais de mil. Acabou vencendo o prefeito de Teerã, Mahmoud Ahmadinejad, que não pertence ao círculo dos aiatolás que realmente detêm o poder no Irã. Mas isto o torna ainda mais radical, na tentativa de conquistar legitimidade política. É contra o desarmamento do Hesbolá e gostaria de varrer Israel do mapa.
A queda de Saddam Hussein levou aa ascensão dos xiitas, que são cerca de 60% da população do Iraque. Os xiitas estavam afastados do poder político desde que o Império Otomano derrotara o Império Persa, assumindo o controle do Iraque, em 1638.
Surge assim um arco xiita no Oriente Médio, que se fortalece com a vitória política que o Hesbolá, criado na embaixada iraniana na Síria, está obtendo no Líbano.
Ao resistir aa avassaladora ofensiva militar israelense, o Hesbolá deixou de ser o provocador do conflito diante da opinião pública árabe. Passou a ser o herói capaz de derrubar a mito da invencibilidade independente, uma força moral de grande peso na guerra. Israel tem muito a perder se encontrar seu Vietnam no Sul do Líbano.
Mas Israel ainda está se defendendo, com força desproporcional mas se defendendo. Já a política de Bush para o Oriente Médio, esta sim, está em ruínas.
Como observou Brent Scowcroft, assessor de segurança nacional de seu pai, em artigo no jornal The Washington Post, a raiz do conflito está na questão palestina, que alimenta todos os ódios e sentimentos antiamericanos e antiocidentais no Oriente Médio.
Israel não tem conflito de terras com o Líbano. Mas como invadiu Gaza, o Hesbolá decidiu atacar em outra frente para obrigar os israelenses a travarem duas guerras ao mesmo tempo. O fim do conflito palestino-israelense tiraria a razão para a luta armada.
Por enquanto, como observou o ministro do Exterior saudita, príncipe Faissal al-Saud, "melhor seria ter de volta o velho Oriente Médio. O novo é igual, só que com mais problemas".
Este é o blog do jornalista Nelson Franco Jobim, Mestre em Relações Internacionais pela London School of Economics, ex-correspondente do Jornal do Brasil em Londres, ex-editor internacional do Jornal da Globo e da TV Brasil, ex-professor de jornalismo e de relações internacionais na UniverCidade, no Rio de Janeiro. Todos os comentários, críticas e sugestões são bem-vindos, mas não serão publicadas mensagens discriminatórias, racistas, sexistas ou com ofensas pessoais.
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