quinta-feira, 31 de agosto de 2006

Negociação internacional de serviços mexe com questões sociais sensíveis

O maior problema das negociações internacionais sobre serviços é que envolvem questões delicadas e politicamente sensíveis como imigração, cultura, saúde e meio ambiente, afirmou na terça-feira o economista Pedro Motta Veiga, do Centro de Estudos de Integração e Desenvolvimento (Cindes), no 3º Curso de Comércio e Negociações Internacionais para Jornalistas, realizado no Rio de Janeiro pelo Centro Brasileiro de Relações Internacionais (Cebri) e o Instituto de Estudos de Comércio e Negociações Internacionais (Ícone).

“Uma negociação de serviços ambientais pode limitar as políticas ambientais nacionais”, observa Motta Veiga. “Na questão da produção audiovisual e da indústria cultural, por exemplo, a França e o Canadá resistem a fazer acordos”. Não querem ser engolidos pelos Estados Unidos e não aceitam tratar um produto cultural como uma mercadoria qualquer.

Da mesma forma, “na Europa, a instalação de supermercados está sujeita a teste de necessidade econômica, é parte da política urbana”, comenta o economista. “Os hipermercados prejudicam o pequeno comércio e esvaziam os centros urbanos, que geralmente são centros históricos. Os serviços têm grande interação com políticas de cunho social: cultura, saúde, meio ambiente. Então toda a negociação é extremamente sensível.”

O comércio internacional de serviços cresce na década de 70 com o que hoje se chama de globalização financeira. Alguns países ricos perceberam que o comércio de serviços é mais importante que o comércio de bens.

A negociação sobre serviços dentro do sistema multilateral de comércio começa na Rodada Uruguai (1986-94). Os países ricos queriam serviços, investimentos e propriedade intelectual. O Brasil, a Índia e o Egito resistiam.

No final da rodada, além do Acordo Geral de Tarifas e Serviços (GATS), foram assinados o Acordo sobre Medidas de Investimentos Relacionadas ao Comércio (TRIMs), que é limitado, e o Acordo sobre Questões de Propriedade Intelectual Relativas ao Comércio (TRIPs), bem mais rigoroso.

Há diferentes modos de negociar serviços, explicou Motta Veiga:
- Módulo 1: uma empresa de um país presta serviço a consumidores de outro país, por exemplo, faz um projeto de engenharia.
- Módulo 2: o consumidor se descola para ter acesso ao serviço, por exemplo, turismo ou serviços de saúde, quando alguém viaja para fazer tratamento num centro mais adiantado cientificamente.
- Módulo 3: a empresa tem presença comercial no exterior. É uma pessoa jurídica que cria uma subsdiária, filial ou agência em outro país. O produtor busca o mercado consumidor. Mas o Banco Central contabiliza como investimento.
- Módulo 4: deslocamento de pessoas naturais que vão prestar serviços no exterior.

Discutem-se basicamente duas questões: acesso e regulamentação, as regras do jogo. Há muitas leis regulamentadoras que refletem os valores nacionais e culturais, o que torna a negociação difícil tanto para países ricos quanto para pobres.

DOIS MODELOS DE ACORDO
O GATS, assinado no final da Rodada Uruguai, traz para o setor os conceitos de tratamento nacional (uma vez dentro do mercado, o prestador de serviço estrangeiro não pode ser discriminado) e de nação mais favorecida, o que obriga a estender qualquer concessão a todos os países-membros da OMC, a não ser em caso de acordos regionais ou bilaterais.

Uma questão importante na negociações de serviços é se haverá uma lista positiva ou negativa. A lista positiva enumera todos os setores e subsetores a serem liberalizados. Assim é o GATS. O modelo do Acordo de Livre Comércio da América do Norte (Nafta, do inglês) adota a lista negativa: todas as restrições precisam ser relacionadas. O que não estiver na lista está aberto.

Como maior economia do mundo e país mais desenvolvido no comércio de serviços, os EUA preferem a lista negativa. Tudo o que surgir de novo estaria excluído, por exemplo, o comércio via internet.

“O GATS é um mecanismo de liberalização”, explicou Motta Veiga. “A negociação de serviços continuou depois da Rodada Uruguai. Não depende de nova rodada. Houve dois acordos, de telecomunicações e serviços financeiros.”

A UE prefere o modelo do GATS, adotado também dentro do Mercosul. Os demais acordos seguem o modelo do Nafta. “Não é um modelo ultraliberal”, analisa o economista, “porque os países ricos não são ultraliberais”.

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