sábado, 19 de agosto de 2006

Segurança jurídica depende de reforma política

Segurança jurídica depende de reforma política
O aumento da segurança jurídica, um fator importante para a atração de investimentos, depende de uma reforma que dê mais representatividade ao sistema político brasileiro, afirmou ontem o ex-presidente do Supremo Tribunal Federal, ex-ministro da Justiça e professor universitário Nelson Jobim.

Em palestra no Centro Brasileiro de Relações Internacionais (Cebri), no Rio de Janeiro, Jobim declarou que a diversidade da sociedade brasileira gerou um sistema político fragmentado que dificulta a formação de consensos dentro do Parlamento. Isto torna as leis mais vagas, dependentes de interpretação dos tribunais, o que por sua vez dá margem a uma série de recursos, retardando a conclusão dos processos e provocando mais uma queixa contra o sistema jurídico brasileiro: a morosidade.

“Advogado nenhum toparia a redução do acesso aos tribunais superiores”, comenta o ex-ministro, citando uma das principais resistências a uma reforma que aumente a eficiência e rapidez do Poder Judiciário. “O juiz de primeiro grau perdeu a importância. Faz sentenças para serem recorridas.”

O ex-presidente do Supremo começou traçando as diferenças entre o pensamento jurídico brasileiro, baseado na tradição continental européia, na legalidade e numa análise do passado, e o dos economistas brasileiros. Estes seguem mais a tradição do direito anglo-saxão, pensem na eficiência e estão voltados para o futuro.

Jobim contou que, depois da Revolução Francesa (1789), quando foi introduzido o direito napoleônico, não havia juízes nos quadros revolucionários. Os juízes eram aristocratas ligados ao antigo regime: “O juiz tinha então de aplicar a lei, não sendo o juiz responsável pela sua decisão mas, sim, a lei. É a tese da irresponsabilidade da magistratura. A responsabilidade é da lei. Se houver conseqüências catastróficas, a culpa é da lei.”

A importância da segurança jurídica está na previsibilidade que dá às transações, ao garantir o cumprimento dos contratos, uma das funções básicas do Estado.

Para o ex-ministro, a insegurança jurídica no Brasil deve-se primeiramente à “inoperabilidade do Poder Legislativo”: “Quanto maior e mais diverso o Parlamento, menos operacional será. A produção legislativa é péssima do ponto de vista técnico mas boa do ponto de vista político. Quanto maior a ambigüidade, maior a chance de aprovação de uma matéria.”

Ele citou a discussão do repouso semanal remunerado na Assembléia Nacional Constituinte eleita em 1986: “Como o comércio abre aos domingos, havia propostas diferentes à esquerda e à direita. A esquerda exigia a folga aos domingos e a direita queria deixar o assunto para convenções coletivas. Mas a esquerda não abria mão da palavra domingo. Então o texto final acabou dizendo que os trabalhadores têm direito a uma folga semanal remunerada, “preferencialmente aos domingos”.

É um exemplo de como o processo legislativo dentro de um Parlamento fragmentado, tende a produzir textos legais vagos e ambígüos, recheados de adjetivos e advérbios. Isto, acrescentou Jobim, “transfere para o Poder Judiciário a interpretação da norma. O juiz pode introduzir conceitos políticos e ideológicos”.

O ex-presidente do STF observa que “a falta de hegemonia no Parlamento leva a normas abertas. Fazíamos o texto ideal, calculávamos o número de votos que teríamos com aquele texto, e íamos aumentando a ambigüidade até obter os votos necessários”.

Jobim defende a reforma política com a adoção de listas partidárias para fortalecer os partidos. Ele acredita que o atual sistema de votação está esgotado. Não serve para o atual estágio da democracia brasileira.

Como o voto é individualizado no candidato, atualmente os partidos acabam atraindo candidatos de alta visibilidade para garantir uma boa votação.

Então há candidatos de categorias profissionais, que acabam tendo lealdade com suas categorias profissionais e acabam rompendo com os governos e partidos, que não têm como atender a suas reivindicações.

Há os ‘candidatos de aparelho’, por exemplo da mídia ou os pastores evangélicos, que têm o seu próprio público e o carregam para onde forem. E há candidatos regionais.

A quem estes diferentes tipos de candidatos serão fiéis? A suas categorias profissionais, igrejas, meios de comunicação ou regiões de onde vêm.

“Por incapacidade legislativa”, conclui o ex-ministro da Justiça, é “o Executivo acaba legislando através de medidas provisórias”.

Depois que o presidente José Sarney (1985-90) passou a reeditar medidas provisórias, e especialmente depois do Plano Collor, que confiscou a poupança de todos em março de 1990, Nelson Jobim conta que o PMDB decidiu não converter mais em lei as medidas provisórias de plano econômico: “Deixávamos o ônus para o governo”.

Com instabilidade no sistema legal e no processo decisório, a insegurança jurídica é grande, admite o ex-ministro: “O grande programa de qualquer mandato parlamentar é a reeleição. Com este sistema eleitoral, a insegurança e a inoperabilidade vão aumentar. No mundo real, trata-se das conseqüências. Temos sistemas eleitorais que às vezes funcionam. Precisamos de um sistema que funcione”.

O sociólogo e embaixador Luciano Martins, presente ao encontro, entende que a alternativa é “uma reforma política profunda ou a desmoralização da democracia, com um sistema de votação em lista fechada, talvez como na Bélgica, onde o eleitor pode mudar a ordem dos candidatos na lista”.

Na opinião de Jobim, “precisamos sair do voto uninominal”.

Ao dirigir-se diretamente ao chamado ‘baixo clero’ para se eleger presidente da Câmara, o deputado Severino Cavalcanti “acabou com as lideranças partidárias”, diagnostica o ex-presidente do Supremo. “Toda a negociação é individual”, e isto favorece a corrupção. É preciso resgatar a importância dos partidos.

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