quarta-feira, 9 de agosto de 2006

Lula regride ao nacional-desenvolvimentismo

Para o economista Pedro da Motta Veiga, diretor do Centro de Estudos de Integração e Desenvolvimento (Cindes) e assessor da Confederação Nacional da Indústria (CNI), “o erro da política comercial brasileira é achar que o mundo se divide em Norte e Sul, e que nós somos o Sul”.

Ao participar do seminário de abertura do 3º Curso sobre Comércio e Negociações Internacionais para Jornalistas promovido pelo Centro Brasileiro de Relações Internacionais (Cebri) e o Instituto de Comércio e Negociações Internacionais (Ícone), Motta Veiga analisou a evolução da política de comércio exterior do Brasil: “Nos anos 60 a 80, havia um ativismo do governo na promoção das exportações. Com a crise macroeconômica e as pressões dos EUA, as estruturas de comércio exterior foram desativadas. Nos anos 90, há uma remontagem do sistema público de apoio às exportações: Camex (Câmara de Comércio Exterior), Apex (Agência de Promoção de Exportações).”

Apesar da abertura unilateral do início dos anos 90, “não houve a desindustrialização temida por alguns nem maior impacto na estrutura econômica do país mas perda de valor agregado”, constata Motta Veiga. O Brasil é competitivo na exportação de produtos primários mas não de manufaturados, onde perde espaço para a China até na América Latina.

“Os ganhos de produtividade implicaram em perda de empregos menos qualificados. Fatores macroeconômicos maximizaram os aspectos destrutivos da abertura”, observa o economista.

Ao mesmo tempo, “as negociações entram na agenda doméstica. Mas os resultados concretos são limitados. Não houve nenhum acordo relevante fora o Mercosul. Houve uma abertura do leque de negociações mas com posturas defensivas”, diz Motta Veiga.

Ele aponta dois condicionantes domésticos importantes:
- setores não-competitivos e não-exportadores têm a mesma primazia de antes da abertura;
- e a preocupação maior é não comprometer a capacidade de promover políticas de desenvolvimento.

Na análise de Motta Veiga, no governo Lula, “houve uma volta ao nacional-desenvolvimentismo baseado numa visão orientada por uma nova oposição Norte-Sul que tem por objetivo preservar as políticas industriais. Ao mesmo tempo, subordina a política comercial aos objetivos de política externa. Acordos com países ricos são considerados perigosos.”

Alguma coisa mudou:
- surgiu um agronegócio muito competitivo querendo abrir outros mercados sem medo de abrir o nosso
- há uma dificuldade em compatibilizar interesses ofensivos e defensivos, no G-20 e na Alca
- questões domésticas como agricultura familiar e indústrias intensivas de mão-de-obra passam a ter um peso importante

A favor da política comercial de Lula:
- o Brasil é um global trader;
- a questão agrícola só pode ser resolvida na OMC
- o maior dinamismo está no comércio Sul-Sul

Contra:
- o país desperdiçou grandes oportunidades;
- negociações Sul-Sul com critérios políticos perdem o sentido comercial;
- ainda faz sentido uma divisão Norte-Sul? Somos líderes do Sul?

PROCESSO
A democratização trouxe a sociedade civil para o debate. A ampliação das pautas de negociação tem impacto sobre a agenda doméstica.

Há no momento, na opinião do diretor do Cindes, uma hegemonia dos interesses protecionistas e desenvolvimentistas. A Alca deflagrou a mobilização.

A agenda multitemática exige a participação de vários ministérios. Só o Itamaraty não basta.

No setor privado, surgiu em 1996 a Coalizão Empresarial Brasileira, uma organização focada nas negociações internacionais, com foco no acesso a mercados e preocupação com o mercado interno (protecionismo).

Para ONGs e sindicatos, a questão de acesso a mercados sempre foi secundária. Foi a ALCA que levou a CUT e outras ONGs a buscarem alternativas à “lógica liberal”. O acesso a mercados é secundário. O foco está nas preocupações sociais.

“O presidente Fernando Collor (1990-92) abriu sem consultar ninguém. Houve um big bang deflagrado pela ALCA mas o modelo é corporativista, com baixa participação legislativa”, nota o economista.

Sob Lula, há uma desorganização do modelo anterior, uma centralização das decisões num “núcleo restrito de poder”. O governo atraiu novos atores, como ONGs e o Congresso, através de mecanismos informais e pouco transparentes, para reforçar suas posições. Há uma instrumentalização da participação da sociedade civil para servir os interesses do governo.

As tendências são o crescimento notável dos atores envolvidos, a grande diversificação da posições, a multiplicação dos canais e a baixa institucionalidade. Isto dificulta a formulação de uma estratégia clara.

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