terça-feira, 4 de novembro de 2014

Iraniana é condenada a um ano de prisão por ir a jogo de vôlei

Ghoncheh Ghavami

Uma advogada iraniana de 25 anos residente em Londres foi condenada a um ano de prisão anteontem no Irã depois de ser presa por ir a um jogo de vôlei masculino, em 20 de junho de 2014, informou a televisão pública britânica BBC. Desde ontem, faz greve de fome.

Ghoncheh Ghavami foi acusada de fazer propaganda contra o regime fundamentalista iraniano por participar de uma manifestação diante do ginásio onde o Irã enfrentava a Itália pelo direito de mulheres assistirem a espetáculos esportivos masculinos.

As mulheres já eram proibidas de ir a jogos de futebol na República Islâmica do Irã. Desde 2012, o vôlei masculino foi incluído na lista negra.

Ghavami, formada em direito pela Escola de Estudos Orientais e Africanos da Universidade de Londres, tem dupla nacionalidade, é britânico-iraniana, mas o regime dos aiatolás não reconhece a cidadania britânica. Ela foi ao Irã visitar a família.

Em protesto por ter sido colocada em isolamento, Ghavami fez duas semanas de greve de fome a partir de 1º de outubro. A família anunciou ontem que ela voltou a fazer greve de fome contra a "prisão ilegal".

A organização de defesa dos direitos humanos Anistia Internacional a considera uma presa política. Mais de 700 mil pessoas já assinaram uma petição online pela sua libertação.

Seu caso se insere na queda de braço entre conservadores e moderados sobre o futuro do Irã e de sua revolução islâmica. O país se ocidentalizou durante a ditadura do xá Reza Pahlevi (1953-79). A revolução foi uma reação.

Depois da queda do xá, em 11 de fevereiro de 1979, houve uma luta pelo poder dentro da revolução. O clero conservador, única instituição não governamental organizada no país, afastou os grupos liberais e socialistas em batalhas campais épicas.

Os Estados Unidos, que apoiaram o golpe de 1953 contra o primeiro-ministro nacionalista Mossadegh, foram demonizados pelos aiatolás e vistos como fontes de todo o mal. Em 4 de novembro de 1979, militantes revolucionários tomaram a Embaixada dos EUA em Teerã e mantiveram 52 pessoas como reféns durante 444 dias. Os dois países jamais reataram relações diplomáticas.

Sob suspeita de estar desenvolvendo armas atômicas em seu programa nuclear, o Irã está sob a ameaça de um bombardeio israelense que depende do aval e do apoio dos EUA. É alvo de sanções internacionais lideradas pelos EUA e a União Europeia. Desde 2011, o Banco Central do Irã não pode nem fazer a compensação de operações em dólar.

Com a economia em crise, em junho de 2013, foi eleito presidente o aiatolá moderado Hassan Rouhani com a proposta de se reaproximar dos EUA e negociar a questão nuclear em troca do fim das sanções. Depois de um discurso conciliatório na Assembleia Geral das Nações Unidas, em setembro do ano passado, as negociações começaram.

Há um prazo-limite, 24 de novembro de 2014, para concluir as negociações. As grandes potências com direito de veto no Conselho de Segurança da ONU (EUA, China, Rússia, França e Reino Unido) e a Alemanha exigem que o Irã pare de enriquecer urânio e abra suas instalações a inspeções irrestritas da Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA). O regime teocrático iraniano nega estar fazendo a bomba e insiste no direito de enriquecer urânio para fins pacíficos.

É improvável um acordo no fim deste mês, mas EUA e Irã parecem decididos a não desperdiçar a oportunidade para se reaproximar. A linha dura do regime dos aiatolás é contra. Considera a bomba atômica essencial para garantir a sobrevivência da revolução islâmica. E o fim das sanções reabriria o país, tirando-o do isolamento que afasta as influências estrangeiras.

Neste contexto, a condenação de Ghavami pode ser interpretada como parte da reação conservadora à reaproximação com o Ocidente. A polícia religiosa a prendeu porque ela representa a mulher livre, cosmopolita e ocidentalizada que luta pelos seus direitos contra uma sociedade machista e conservadora onde as mulheres ainda são responsabilizadas por seus próprios estupros.

Apesar da censura, da discriminação e do uso obrigatório do véu islâmico, as mulheres árabes que visitam Teerã se sentem muito mais livres no Irã do que nos seus países de origem. Na Arábia Saudita, não podem nem dirigir. No Afeganistão dos Talebã, que seguem a mesma corrente religiosa do Estado Islâmico, as mulheres não podiam trabalhar fora nem sair de casa desacompanhadas de um homem da família. Num país em guerra, muitas passaram fome.

O Irã é assim um misto de modernidade e conservadorismo religioso com uma classe média vibrante e ocidentalizada, que acredita na educação como meio de subir na vida. Se na Arábia Saudita, a maioria dos jovens se volta para o islamismo radical como solução para os problemas do mundo contemporâneo, no Irã, a juventude se inspira no Ocidente e admira seu desenvolvimento científico e tecnológico.

A maior esperança de melhoria da condição feminina no Irã está num acordo nuclear com as potências ocidentais, na reaproximação com a Europa e os EUA, e em reformas graduais promovidas pelos interessados em normalizar o país.

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