Neste momento em que a Argentina mais uma vez tenta acertar as contas com seu próprio passado, 30 anos depois da Guerra das Malvinas, outra dura realidade emerge: muitos militares aclamados como heróis no conflito no Atlântico Sul eram torturadores e assassinos de seu próprio povo.
Logo depois da invasão de 2 de abril de 1982, quando os argentinos cercaram a casa do governador britânico das ilhas, Rex Hunt, esperavam uma rendição sem combate. Mas os fuzileiros navais da Marinha Real britânica reagiram. O tenente Pedro Giachino, promovido a capitão depois da morte, se tornou a primeira vítima argentina de uma guerra insana iniciada por uma ditadura militar delinquente que matou 30 mil cidadãos de seu país.
Quando a foto do novo herói foi publicada pelos jornais, a Argentina sofreu um novo choque: Giachino tinha sido interrogador de uma força-tarefa da ditadura militar na cidade de Mar del Plata. Também servira na Escola de Mecânica da Armada, em Buenos Aires, o mais notório centro de detenção e tortura do último regime militar (1976-83), por onde passaram 5 mil presos mortos ou desaparecidos no chamado "processo de reorganização nacional".
"Não pode haver dois pesos e duas medidas", observa Ernesto Alonso, na época um jovem recruta de 17 anos, hoje membro de um grupo de veteranos ligados a associações de defesa dos direitos humanos, citado pelo jornal The Washington Post. "Temos de entender que não foi outro Exército que foi para as Malvinas". Foi o mesmo responsável pelas piores atrocidades da história recente da Argentina.
O contra-almirante Carlos Busser, que supervisionou a invasão, também enfrenta acusações por tortura e desaparecimento de pessoas. Horacio Losito, herói de guerra ferido em combate e condecorado, foi para a cadeia em 2008 por culpa em um massacre ocorrido em 1976. E o tenente Alfredo Astiz, o Anjo da Morte, acusado de matar uma adolescente de 17 anos pelas costas e duas freiras franceses, além do sequestro e desaparecimento de três Mães da Praça de Maio, nomeado governador das Ilhas Geórgias do Sul se rendeu aos britânicos sem disparar um tiro.
Na sua sanha, torturadores e assassinos acreditavam que sua ferocidade seria suficiente para criar um Exército temível. Se conquistassem as Malvinas, provavelmente o próximo passo seria uma guerra com o Chile por questões de limites no extremo sul do continente. A derrota apressou o fim de uma ditadura sanguinária.
Este é o blog do jornalista Nelson Franco Jobim, Mestre em Relações Internacionais pela London School of Economics, ex-correspondente do Jornal do Brasil em Londres, ex-editor internacional do Jornal da Globo e da TV Brasil, ex-professor de jornalismo e de relações internacionais na UniverCidade, no Rio de Janeiro. Todos os comentários, críticas e sugestões são bem-vindos, mas não serão publicadas mensagens discriminatórias, racistas, sexistas ou com ofensas pessoais.
Assinar:
Postar comentários (Atom)
Nenhum comentário:
Postar um comentário