A Assembléia Nacional de Cuba deve confirmar hoje o general Raúl Castro, de 76 anos, como sucessor do irmão Fidel, que renunciou na terça-feira depois de governar o país como um ditador por 49 anos.
Quando Fidel Castro, hoje com 81 anos, precisou ser operado com urgência para estancar uma hemorragia no estômago, em 31 de julho de 2006, Raúl assumiu interinamente todas as suas funções, inclusive presidente, primeiro-ministro, comandante das Forças Armadas e primeiro-secretário do Partido Comunista.
Fidel deve conservar a liderança do partido, o que lhe dará um poder de veto sobre qualquer reforma. Assim, a expectativa da maioria dos especialistas é que só haja uma mudança efetiva em Cuba quando ele morrer.
Raúl deve ser confirmado também como comandante das Forças Armadas. A dúvida é se alguém da nova geração será promovido a primeiro-ministro, o que o colocaria em posição para suceder Raúl, que afinal tem apenas cinco anos a menos do Fidel.
As atenções se voltam para um dos cinco vice-presidentes, Carlos Lage, de 56 anos, responsável pela reforma econômica; o ministro das Relações Exteriores, Felipe Pérez Roque, de 42 anos, ex-secretário particular de Fidel, considerado o guardião do fidelismo na elite dirigente cubana; e o presidente do Parlamento, Ricardo Alarcón, de 71.
Como ministro da Defesa e presidente interino no último ano e meio, Raúl tem total controle sobre as Forças Armadas, os órgãos de segurança e a burocracia. A cúpula do partido sabe que depende de Raúl para que o regime não desabe.
De qualquer maneira, é a segunda sucessão dinástica entre um dos poucos regimes comunistas sobreviventes ao fim da Guerra Fria. Na Coréia do Norte, Kim Jong Il sucedeu ao pai, Kim Il Sung. Agora, ao que tudo indica, Raúl substitui Fidel.
É mais um sinal de que o stalinismo vai para a lata de lixo da História.
PRESSÃO DOS EUA
Uma questão importante para o julgamento da História é se Fidel tinha alternativa. Quando a revolução derrubou a ditadura de Fulgencio Batista, aliado dos Estados Unidos, Cuba não tinha nenhuma experiência democrática.
A CIA (Agência Central de Inteligência), o serviço de espionagem dos EUA, havia organizado golpes bem-sucedidos contra o primeiro-ministro nacionalista Mohammed Mossadegh no Irã, em 1953, e o presidente da Guatemala, Jacobo Arbenz, em 1954.
Se Fidel optasse pelo socialismo democrático, provavelmente seria derrubado, como aconteceu com o presidente Salvador Allende, no Chile, em 1973.
Durante a Guerra Fria, uma pequena ilha situada a apenas 144 quilômetros de uma superpotência, não tinha alternativa além de aderir a um dos lados.
A fracassada invasão da Baía dos Porcos, em abril de 1961, e o embargo econômico imposto em fevereiro de 1962, que até hoje estragula a economia cubana, e as centenas de tentativas de assassinar Fidel reforçaram o estado de guerra permanente dos EUA contra Cuba, legitimando o regime stalinista.
Em outubro de 1962, na Crise dos Mísseis, o pior momento da Guerra Fria, quando o mundo esteve à beira de uma guerra nuclear, a União Soviética retirou os mísseis nucleares que estava instalando em Cuba e os EUA assumiram o compromisso tácito de não invadir a ilha.
Com a glasnost (transparência) e a perestroika (reestruturação), as reformas políticas e economômicas do líder soviético Mikhail Gorbachev, Fidel teve uma chance de liberalizar o regime cubano. Não se arrependeu de não tê-lo feito, tendo em vista o colapso da União Soviética e do comunismo na Europa Oriental.
DEPOIS DA URSS
Sem o patrocínio da URSS, Cuba passou pelo "período especial". Alguns tipos de atividade privada foram autorizados, assim como investimentos estrangeiros, sobretudo europeus, em setores importantes como hotelaria e turismo.
A ascensão de Hugo Chávez à Presidência da Venezuela, em 1999, e sua decisão de criar o "socialismo do século 21" deram nova sobrevida ao regime comunista cubano, que voltou a receber petróleo subsidiado.
Agora, chegou a hora da verdade. Raúl vai conseguir reformar o regime mantendo o controle do processo? Gorbachev não conseguiu.
O modelo sonhado é o da China: abertura econômica sem reforma política. Mas, no fim da Guerra Fria, a China foi uma virtual aliada da Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN), a aliança militar liderada pelos EUA.
Enquanto o Ocidente via nas reformas econômicas de Gorbachev o risco de fortalecer a superpotência até há pouco inimiga, a modernização da economia chinesa era considerada importante para enterrar de vez o comunismo.
Resultado: a China se tornou uma superpotência econômica. É hoje o único país considerado capaz de desafiar a supremacia americana em médio prazo.
Cuba não tem um mercado de mais de 1 bilhão de habitantes cobiçado pelas grandes empresas capitalistas. Tem cerca de 11 milhões de habitantes. Do outro lado do Estreito da Flórida, 1,5 milhão de cubanos americanos sonham com o fim do comunismo. Outros 500 mil cubanos exilados vivem em outros países.
A experiência chinesa mostra que o capital acumulado pela diáspora chinesa em Hong Kong, Taiwan, Cingapura, Tailândia e Indonésia foi fundamental para o desenvolvimento econômico do país que mais cresce no mundo. Foi um apoio pragmático à reforma na China, movido em primeiro lugar interesse econômico, mas talvez também com a esperança de que a liberalização econômica levasse à maior liberdade política.
Os EUA e a comunidade cubano-americana vão entender que o fim do embargo é a melhor maneira de realizar uma transição pacífica em Cuba?
E o regime comunista cubano vai perceber que chegou a hora de consolidar o partido para lutar pelas conquistas sociais da revolução, especialmente nos setores de saúde e educação, quando a democratização inevitável acontecer?
Tecnicamente, Cuba é uma ditadura militar - e uma ditadura é um governo em guerra contra o seu próprio povo. Cuba vive sob censura, tem prisioneiros de consciência, impede seus cidadãos de viajar ao exterior até mesmo de usar a Internet.
É um país-prisão, como a Alemanha Oriental do Muro de Berlim. Perdeu o trem-bala da História. Está fora da revolução tecnológica da informática, que reprogramou o mundo. Ficou congelada no passado.
A partir de hoje, começaremos a saber como fará sua entrada no século 21.
Este é o blog do jornalista Nelson Franco Jobim, Mestre em Relações Internacionais pela London School of Economics, ex-correspondente do Jornal do Brasil em Londres, ex-editor internacional do Jornal da Globo e da TV Brasil, ex-professor de jornalismo e de relações internacionais na UniverCidade, no Rio de Janeiro. Todos os comentários, críticas e sugestões são bem-vindos, mas não serão publicadas mensagens discriminatórias, racistas, sexistas ou com ofensas pessoais.
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