O primeiro-ministro do Kossovo, Hashim Thaçi, declarou neste domingo a independência da antiga província autônoma da Sérvia, objeto de uma guerra da Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN) contra o ditador sérvio Slobodan Milosevic, em 1999.
A União Européia e os Estados Unidos vão reconhecer imediatamente a independência, mas a Rússia deve vetar o reconhecimento no Conselho de Segurança das Nações Unidas, impedindo o ingresso do Kossovo na organização, pelo menos por enquanto.
Na prática, desde 1999, quando a Sérvia abandonou a província depois de ser alvo de 78 dias de bombardeio aéreo da OTAN, o Kossovo tornou-se independente, passando a ser um protetorado da sociedade internacional por força de um mandato da ONU.
Milosevic foi deposto em 5 de outubro de 2000 por uma revolução, após uma tentativa de fraude na eleição presidencial que disputava com o atual primeiro-ministro sérvio, Vojislav Kostunica, hoje um dos maiores adversários da independência do Kossovo.
O argumento central do governo de Belgrado é que a Sérvia é agora um país democrático. Assim, a maioria de origem albanesa do Kossovo, 90% de seus 2 milhões de habitantes, não correria mais risco de ser discriminada e agredida como na era Milosevic.
Foi no Kossovo, num discurso em 1987, ao dizer que os sérvios nunca mais seriam discriminados, que Milosevic deflagrou a onda nacionalista que destruiu a antiga Iugoslávia, causando as guerras da Croácia, em 1991, da Bósnia-Herzegovina, em 1992, e do Kossovo, em 1999.
A Sérvia terminou aceitando a independência da Eslovênia, da Croácia, da Bósnia e da Macedônia nas negociações conduzidas pelos Estados Unidos numa base americana em Dayton, no estado de Ohio, depois de uma intervenção militar da OTAN. Sob intensa pressão dos EUA, os presidente sérvio, Milosevic; croata, Franjo Tudiman; e da Bósnia, Alija Izetbegovic; assinaram um acordo de paz.
Se a independência das repúblicas estava garantida pela Constituição da Iugoslávia, de 1974, o Kossovo era uma província autônoma sérvia e está ligado ao mito de origem do nacionalismo sérvio.
Em 28 de junho de 1389, os sérvios perderam a Batalha do Kossovo para o Império Otomano (turco). Durante quatro séculos e meio, o país foi dominado. É uma derrota que os sérvios festejam até hoje. Isso revela bem o aspecto negativo, a autovitimização, marca registrada do nacionalismo sérvio.
Também em 28 de junho, só que em 1914, um estudante radical sérvio, Gavrilo Princip, matou em Sarajevo o arquiduque Francisco Ferdinando, herdeiro do trono do Império Austro-Húngaro, provocando a Primeira Guerra Mundial (1914-18).
Com o declínio da ideologia comunista e o fim da Guerra Fria, nos anos 80, esse nacionalismo radical foi ressuscitado por Milosevic, um dirigente comunista, para legitimar seu poder. Ele destruiu a herança do marechal Josip Broz Tito, um comunista croata que recriou a Iugoslávia depois da Segunda Guerra Mundial (1939-45).
Desde a morte de Tito, em 1980, esperava-se a fragmentação da Iugoslávia. Mas ela foi sobretudo obra de Milosevic, o anti-Tito.
A independência do Kossovo é o último ato desta tragédia na região dos Bálcãs, uma das mais explosivas e violentas da Europa. Ainda não acabou.
Enquanto a multidão festeja nas ruas de Pristina, a capital do mais novo país europeu, na Sérvia, nacionalistas radicais atacaram a Embaixada dos Estados Unidos em Belgrado.
Este é o blog do jornalista Nelson Franco Jobim, Mestre em Relações Internacionais pela London School of Economics, ex-correspondente do Jornal do Brasil em Londres, ex-editor internacional do Jornal da Globo e da TV Brasil, ex-professor de jornalismo e de relações internacionais na UniverCidade, no Rio de Janeiro. Todos os comentários, críticas e sugestões são bem-vindos, mas não serão publicadas mensagens discriminatórias, racistas, sexistas ou com ofensas pessoais.
domingo, 17 de fevereiro de 2008
Governo do Kossovo declara independência
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