O comandante Fidel Castro deixou na terça-feira, 19 de fevereiro, a presidência de Cuba depois de 49 anos. Ele era o chefe de Estado há mais tempo no poder depois da rainha Elizabeth II, da Inglaterra. Mandava no país desde a vitória da revolução, em 1º de janeiro de 1959.
Em 31 de julho de 2006, Fidel foi obrigado a transferir temporariamente todos os seus cargos para o irmão, general Raúl Castro, para ser operado com urgência de uma hemorragia gástrica.
No próximo domingo, 24 de fevereiro, a Assembléia Nacional vai eleger um novo presidente e um primeiro-ministro. Raúl será presidente mas continuará acumulando mais cargos, como o irmão?
Fidel chegou ao poder em 1959, com a entrada triunfal em Havana dos revolucionários que lutavam contra a ditadura de Fulgencio Batista, aliado dos Estados Unidos. Colocou os inimigos políticos no paredão.
Desde aquela época, o regime cubano é acusado de violar os direitos humanos, censurar a imprensa e perseguir dissidentes. Em 1960, começou a estatizar as propriedades de americanos e empresas dos EUA.
A tentativa mais notória de derrubar o regime revolucionário foi a invasão da Baía dos Porcos, em 15 de abril de 1961, organizada por exilados cubanos com o apoio meia-bomba dos EUA.
O presidente John Kennedy queria encobrir ao máximo a participação americana, dando a impressão de que se tratava de uma ação cubana. Não deu a cobertura aérea com 48 horas de bombardeio, como queriam os invasores. A invasão fracassou.
Em 7 de fevereiro de 1962, os EUA impuseram o embargo econômico que proíbe empresas americanas de negociar com Cuba, um boicote que até hoje estrangula a economia cubana.
CRISE DOS MÍSSEIS
No mesmo ano, Cuba seria o centro da pior crise da Guerra Fria. Nunca o mundo esteve tão perto de uma guerra nuclear. Em maio de 1962, Fidel teria pedido à sua aliada União Soviética que instalasse mísseis nucleares em Cuba.
Em 14 de outubro de 1962, aviões de espionagem dos EUA fotografaram os silos e os mísseis que seriam instalados neles. Kennedy decretou um bloqueio naval e cercou a ilha com a Marinha dos EUA, ameaçando afundar qualquer navio soviético que tentasse chegar a Cuba sem ser inspecionado para os americanos terem certeza de que não transportava armas nucleares.
Os EUA estavam prontos para invadir Cuba quando um jornalista e agente soviético que trabalhava em Washington advertiu o Kremlin de que o ataque era iminente. Aí o líder soviético Nikita Kruschev recuou, em 27 de outubro, e aceitou em retirar os mísseis. Em troca, os EUA assumiram um compromisso informal de não invadir Cuba.
A Crise dos Mísseis em Cuba levou à queda de Kruschev dois anos depois e à ruptura entre a URSS e a China, que não concordava com a nova política de coexistência pacífica permanente com o mundo capitalista.
Nos anos 60, Cuba recebia uma ajuda equivalente a US$ 5 bilhões anuais, especialmente em petróleo subsidiado, e financiava movimentos guerrilheiros na América Latina, inclusive a revolta na Bolívia onde morreu Che Guevara, em outubro de 1967.
A projeção do poder ou exportação da revolução cubana cruzou o Oceano Atlântico nos anos 70. Fidel enviou tropas para lutar na África, em Angola e na Etiópia, ao lado de regimes comunistas.
NÃO À GLASNOST
Tudo mudou com a ascensão de Mikhail Gorbachev a secretário-geral do Partido Comunista soviético, em 11 de março de 1985. Diante da crise econômica que minava a segunda suuperpotência, Gorbachev promoveu uma série de reformas políticas (glasnost) e econômicas (perestroika). Fidel não aderiu.
Com o colapso final da URSS no fim de 1991, o regime cubano enfrentou uma enorme crise econômica. Alguns tipos de atividade privada foram permitidos, assim como investimentos estrangeiros em determinados setores, como hotelaria e turismo.
Duas moedas passaram a circular na ilha, o peso cubano e o dólar. A prostituição, uma das chagas do regime de Batista, voltou. Os grandes orgulhos da revolução são as conquistas em saúde pública e educação. Mas um regime onde uma prostituta ou um garçon ganha por dia, em moeda forte, mais do que um professor e um médico, tem algo errado.
A entrada em cena do presidente da Venezuela, Hugo Chávez, como candidato a herdeiro do manto revolucionário de Fidel, deu nova vida ao regime cubano. Chávez, como a URSS, vende petróleo subsidiado a Cuba. Em troca, Fidel mandou 30 mil médicos de família para trabalhar em projetos sociais na Venezuela e na Bolívia.
Nos últimos anos, Fidel começou a mostrar sinais de velhice. Desmaiou durante um discurso. Tropeçou, caiu e sofreu uma fratura ao descer de um palanque. Mas ainda mantinha a aura do comandante indestrutível, que sobreviveu a inúmeras tentativas de assassinatos dos americanos e dos cubanos exilados em Miami.
Em 31 de julho de 2006, uma forte hemorragia no aparelho digestivo o obrigou a fazer uma operação de emergência. Fidel transferiu provisoriamente todos os seus cargos ao irmão, general Raúl Castro, ministro da Defesa: presidente, primeiro-ministro, comandante das Forças Armadas e líder do Partido Comunista.
Era o começo do fim de uma era. A doença e a interinidade de Raúl deram tempo para que a transição fosse suave. Raúl aumentou o debate político interno mas é acusado de reativar os Comitês de Defesa da Revolução que fazem patrulhamento local. Manifestou a intenção de fazer uma reforma econômica no estilo chinês, sem mudar fundamentalmente a natureza ditatorial do regime comunista cubano. Mas prometeu mais democracia.
Neste domingo, a Assembléia Nacional elege o novo presidente e o primeiro-ministro. Será interessante ver como se colocam as figuras mais proeminentes do regime, como o presidente do parlamento, Ricardo Alarcón, o vice-presidente encarregado da reforma econômica, Carlos Lage, e o ministro do Exterior, Felipe Pérez-Roque, ex-secretário particular de Fidel e muitas vezes apontado como seu sucessor preferido.
Fidel passa à História como um guerrilheiro heróico e um revolucionário. Mas vale para ele a mesma observação que o ex-chanceler mexicano Jorge Castañeda fez sobre Che Guevara: lutou com nobreza de espírito e convicção, mas a causa que defendeu, o stalinismo, foi para a lata de lixo da História.
Este é o blog do jornalista Nelson Franco Jobim, Mestre em Relações Internacionais pela London School of Economics, ex-correspondente do Jornal do Brasil em Londres, ex-editor internacional do Jornal da Globo e da TV Brasil, ex-professor de jornalismo e de relações internacionais na UniverCidade, no Rio de Janeiro. Todos os comentários, críticas e sugestões são bem-vindos, mas não serão publicadas mensagens discriminatórias, racistas, sexistas ou com ofensas pessoais.
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