domingo, 11 de novembro de 2018

Primeira Guerra Mundial forjou o trágico mundo do século 20

Os canhões silenciaram na undécima hora do 11º dia do 11º primeiro mês de 1918. Há exatamente cem anos, terminava a Grande Guerra. O conflito que deveria durar semanas ou alguns meses se arrastou por mais de quatro anos. Matou 10 milhões de soldados, 8,7 milhões de civis e mais 50 a 100 milhões de pessoas, contando as vítimas da gripe espanhola, a pandemia mais letal da história.

A Primeira Guerra Mundial acabou com quatro impérios. Plantou as sementes do comunismo, do fascismo e do nazismo. Provocou o primeiro genocídio do século 20. Levou à criação da primeira organização internacional de caráter universal dedicada à paz. E marcou a entrada em cena das superpotências que dominariam a segunda metade do século: os Estados Unidos e a União Soviética.

O conflito começou porque o motorista do arquiduque Francisco Ferdinando, herdeiro do trono do Império Austro-Húngaro, tomou o caminho errado nas ruas de Sarajevo, cruzando com o estudante radical sérvio Gavrilo Princip, do grupo terrorista Mão Negra, que lutava contra o domínio austríaco sobre os eslavos do sul na região dos Bálcas. Princip matou o príncipe em 28 de junho de 1914.

Um mês depois, com a chamada Crise de Julho, a Áustria-Hungria declarou guerra à Sérvia. Desde 1882, o Império Austro-Húngaro fazia parte da Tríplice Aliança com o Império Alemão e o Reino da Itália. No dia seguinte, 29 de julho, a Rússia, aliada da Sérvia, entrou em prontidão.

A Alemanha protestou, declarou guerra ao império czarista em 1º de agosto e exigiu que a França ficasse neutra. Os impérios russo, francês e britânico formavam a Tríplice Entente. O Exército alemão invadiu Luxemburgo no dia 2 e declarou guerra à França no dia 3.

Em 4 de agosto, a Alemanha invadiu a Bélgica. O Reino Unido exigiu que a Alemanha respeitasse a neutralidade da Bélgica e declarou guerra à Alemanha no mesmo dia. Ainda em 1914, o Império Otomano (turco) entrou na guerra ao lado das potências centrais.

A guerra chegou à África em 6 e 7 agosto de 1914, quando forças britânicas e francesas invadiram Camarões e a Togolândia, que eram protetorados alemães. A África do Sudoeste, uma colônia alemã, invadiu a África do Sul e travou uma guerra de guerrilhas até o fim da Grande Guerra.

No Oceano Pacífico, em 30 de agosto de 1914, a Nova Zelândia ocupou a Samoa Alemã, depois chamada de Samoa Oriental. Em 11 de setembro, uma força naval de Austrália tomou a Nova Pomerânia, parte da Nova Guiné Alemã. O Japão declarou guerra à Alemanha e à Áustria-Hungria. A Índia entrou na guerra ao lado do Império Britânico na esperança de obter a independência

Depois que a ofensiva alemã rumo a Paris parou na Primeira Batalha do Marne, em 12 de setembro de 1914, a guerra na frente ocidental entrou num impasse. Virou uma guerra de trincheiras com poucos avanços até 1917. Em 1915, a Itália deixou a Tríplice Aliança alegando que era uma aliança defensiva e mudou de lado.

Foi a primeira guerra industrial da história. Os soldados eram colocados em trens e enviados às frentes de combate. Cerca de 70 milhões lutaram na guerra, sendo 60 milhões europeus.

A tática usada com sucesso pela Alemanha na Guerra Franco-Prussiana (1870-71), de infiltrar colunas de soldados em marcha forçada para romper as linhas de defesa do inimigo, fracassou diante do uso em massa de metralhadoras e de artilharia pesada.

Só no primeiro dia da Batalha do Somme, 1º de julho de 1916, o Exército britânico perdeu 20 mil homens. Outros 37.470 foram feridos. Foi o pior dia da história militar do Reino Unido.

A luta no Rio Somme terminou em 18 de novembro sem vencedor, com 456 mil baixas entre os britânicos, 200 mil entre os franceses e pelo menos 434 mil entre os alemães. O Exército Imperial Britânico sofreu mais baixas no Somme do que nas guerras da Crimeia (1853-56), dos Bôeres (1899-1902) e da Coreia (1950-53) juntas.

Em 1915, as forças alemãs atacaram um batalhão do Canadá que lutava ao lado do Exército Imperial Britânico com armas químicas, matando 2 mil soldados. O uso de armas químicas pelos dois lados tornou-se indiscriminado. Cerca de 1,3 milhão de soldados foram atingidos e 90 mil mortos.

A deportação e o extermínio de 1,5 milhão e meio de armênios pelo Império Otomano, a partir de 24 de abril de 1915, foi considerado o primeiro genocídio do século. Os massacres de sírios e gregos pelos otomanos também são considerados genocidas.

Na frente oriental, a Rússia obteve vantagem nos primeiros combates com as forças austro-húngaras, mas foi vencida pela Alemanha. A derrota e a desmoralização do Exército russo causaram a revolução de fevereiro de 1917, que derrubou o czar Nicolau II, e a Revolução Comunista, em outubro de 1917.

A Alemanha cercou Moscou e pressionou os bolcheviques a assinar a Paz de Brest-Litovski, em 3 de março de 1918. Os alemães queriam concentrar seus esforços na frente ocidental para ganhar a guerra antes da entrada dos EUA.

Diante da derrota iminente do Império Otomano, em 2 de novembro de 1917, o ministro do Exterior britânico, Arthur Balfour, enviou carta ao Barão de Rothschild, líder da comunidade judaica no Reino Unido prometendo criar uma pátria para o povo judeu na Palestina.

A Declaração de Balfour foi incluída no Tratado de Sèvres, que selou a paz com os turcos, em 10 de agosto de 1920. O Estado de Israel seria fundado em 14 de maio de 1948, depois do genocídio de 6 milhões de judeus no Holocausto, na Segunda Guerra Mundial.

O moderno Oriente Médio e países como a Turquia, a Arábia Saudita, a Jordânia e o Iraque são o resultado do colapso do Império Otomano. O atual presidente turco, Recep Tayyip Erdogan, sonha em restaurar aquele passado de glória. Em 1683, os turcos haviam cercado Viena durante dois meses.

Os americanos abandonaram seu isolacionismo histórico depois de uma série de ataques de submarinos alemães a navios mercantes e de passageiros no Oceano Atlântico e do Telegrama Zimmermann, de 16 de janeiro de 1917, que propunha uma aliança da Alemanha com o México para que o país latino-americano reconquistasse os territórios perdidos na Guerra Mexicano-Americana (1846-48).

 Em 6 de abril de 1917, o Congresso atendeu ao pedido do presidente Woodrow Wilson para entrar na "guerra para acabar com todas as guerra". Wilson acreditava que a guerra era resultado do imperialismo europeu e esperava que a democracia destronasse os impérios beligerantes.

O Brasil também foi alvo dos ataques alemães no Atlântico. Declarou guerra às potências em 1º de junho de 1917, mas não mandou forças para o combate. Foi o único país latino-americano a participar da Primeira Guerra Mundial.

Como não tinham soldados e armamentos na Europa, os EUA só enfrentaram efetivamente em combate um ano depois e foram decisivos para a rendição das potências centrais no armistício que entrou em vigor em 11 de novembro de 1918.

Wilson apresentara ao Congresso dos EUA, em 8 de janeiro de 1918, seus 14 Pontos para a Paz. Eles seriam a base para a Conferência de Paz de Versalhes, na França. Entre outros itens, Wilson propunha a livre navegação nos mares, o livre comércio, a redução dos armamentos e a criação da Liga das Nações, a primeira organização de caráter universal dedicada à paz mundial, precursora da Organização das Nações Unidas (ONU).

Os impérios Alemão, Áustro-Húngaro, Russo e Otomano desapareceram, dando origem ao moderno Oriente Médio, aos países da Europa Oriental (Polônia, Tcheco-Eslováquia, Hungria, Iugoslávia, Estônia, Letônia e Lituânia) e à União Soviética, que nasceria em 1922.

Mas o Senado dos EUA, que tem a obrigação constitucional de ratificar todos os tratados internacionais, nunca aprovou a Convenção da Liga das Nações.

Sem a grande potência emergente, a Liga não teve força para impedir a invasão da Manchúria pelo Japão, em 1931, e do resto da China em 1937, da Etiópia pela Itália, em 1935, nem a anexação da Áustria, em 1938, e da Tcheco-Eslováquia, em 1939, pela Alemanha nazista.

A guerra para acabar com todas as guerras resultou na paz para acabar com todas as pazes. O Tratado de Versalhes, assinado em 28 de junho de 1919, cinco anos depois do assassinato do arquiduque Francisco Ferdinando, impôs condições humilhantes à Alemanha, responsabilizada por todas as perdas e danos da guerra.

A Alemanha teve de devolver a região da Alsácia-Lorena tomada da França na Guerra Franco-Prussiana e ceder a Prússia Oriental à Polônia. Perdeu todas as colônias. Foi praticamente desmilitarizada. O vale do Rio Reno foi ocupado e o país ficou com uma dívida de guerra impagável.

Isso levou à hiperinflação de 1923, que minou a República de Weimar, e à ascensão do Nazismo, que chegou ao poder em 1933, quando Adolf Hitler foi nomeado chanceler (primeiro-ministro). Só em 2010, 20 anos depois da reunificação do país, dividido e ocupado no fim da Segunda Guerra Mundial (1939-45), a dívida foi liquidada.

A Segunda Guerra Mundial começaria em 1º de setembro de 1939, com o bombardeio ao porto de Danzig (Gdansk) e a invasão da Polônia. Até seu final, com a explosão das bombas atômicas em Hiroxima e Nagasake, no Japão, 55 milhões de pessoas foram mortas,

Desde então, os EUA mantiveram suas forças na Europa, no Japão e na Coreia do Sul, forjando alianças que foram a base da ordem internacional do pós-guerra. Ao desprezar os aliados com sua política de "Primeiro, a América" (EUA), o presidente Donald Trump abala os pilares de uma paz internacional entre as grandes potências que sobreviveu à Guerra Fria entre os EUA e a URSS.

Mais de 70 chefes de Estado e de governo participam na França das comemorações do centenário do fim da guerra. Trump cancelou uma visita ao cemitério de Belleau, provocando uma dura resposta do ex-ministro da Defesa do Reino Unido Nicholas Soames, neto do primeiro-ministro Winston Churchill, que liderou a resistência ao nazismo na Europa.

"Eles morreram enfrentando o inimigo de frente e o patético e inadequado Donald Trump não pode enfrentar o tempo para homenagear os caídos. Não está apto para representar este grande país", tuitou o neto de Churchill.

A visão de mundo de Donald Trump, com o desengajamento dos EUA, representa um retrocesso ao ultranacionalismo e à Era dos Impérios anterior à Primeira Guerra Mundial. É um mundo dividido em esferas de influência das grandes potências militares, os EUA, a China e a Rússia. No momento, assistimos à maior ascensão do fascismo desde os anos 1930s.

Não é à toa que o presidente da França, Emmanuel Macron, falou na semana passada na criação de um Exército da Europa. Macron teme que os EUA não cumpram o compromisso assumido em Washington em 4 de abril de 1949, com a criação da Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN),  diante da ameaça comunista soviética. Seu princípio básico é que um ataque contra um é um ataque contra todos.

Ao todo, estima-se que pelo menos 193 milhões de pessoas morreram em guerras no século 20, o equivalente a 10% da população mundial em 1900.

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