quinta-feira, 1 de novembro de 2018

Princípe-herdeiro saudita acusa jornalista morto de islamismo radical

Em mais uma tentativa de acobertar o crime bárbaro de que é o principal suspeito, o príncipe-herdeiro da Arábia Saudita, Mohamed ben Salman, afirmou em telefonema à Casa Branca que o jornalista Jamal Khashoggi era um militante perigoso da Irmandade Muçulmana, noticiou o jornal The Washington Post.

Ao falar com o assessor especial e genro do presidente Donald Trump, Jared Kushner, e o assessor de Segurança Nacional, John Bolton, o homem-forte da monarquia absolutista saudita fez um apelo para que os Estados Unidos mantenham a aliança com seu país.

A acusação numa conversa privada contraria as declarações oficiais da monarquia saudita de que foi "um erro terrível" e "uma tragédia terrível".

Ontem, o procurador-geral de Istambul, na Turquia, acusou o regime saudita de não colaborar com a investigação e revelou que Khashoggi foi estrangulado, decapitado e esquartejado de maneira "premeditada" logo depois de entrar no consulado saudita na cidade, em 2 de outubro, para pegar documentos necessários para se casar.

Khashoggi era um assessor da família real e se tornou um crítico das reformas que o príncipe prometeu realizar para modernizar o reino e prepará-lo para a era pós-petróleo. Sentindo-se ameaçado, o jornalista se autoexilou no ano passado nos EUA, onde era colaborador do Washington Post.

Na semana passada, ao participar de uma conferência para investidores, o príncipe apresentou outra versão: "O incidente que aconteceu é muito doloroso para todos os sauditas. Não é justificável." O embaixador saudita nos EUA descreveu Khashoggi no mês passado como um "amigo" que dedicou "grande parte de sua vida a servir o seu país".

A família negou, em nota enviada ao Post, que ele fosse um extremista muçulmano: "Jamal Khashoggi não era membro da Irmandade Muçulmana. (...) Jamal Khashoggi não era uma pessoa perigosa de maneira alguma. Qualquer alegação em outro sentido seria ridícula. Embora ele simpatizasse com certos objetivos da Irmandade, discordava nitidamente de outros, especialmente em relação à Arábia Saudita."

O regime saudita negou que o príncipe tenha feito tais alegações. A versão oficial mudou várias vezes. Inicialmente, a ditadura feudal afirmou que Khashoggi havia saído ileso do consulado. Depois, declarou que ele havia morrido ao se envolver numa briga com ausentes sauditas.

"Esta tentativa de assassinato de caráter reforça a hipótese de assassinato premeditado", comentou Bruce Riedel, ex-agente da CIA (Agência Central de Inteligência), hoje pesquisador da Brookings Institution.

A Casa Branca não confirmou o telefonema. Nos últimos dias, o primeiro-ministro israelense, Benjamin Netanyahu, e o ditador egípcio, marechal Abdel Fattah al-Sissi, pediram ao governo Trump apoio ao príncipe saudita. Israel, a Arábia Saudita e o Egito são os maiores aliados dos EUA no Oriente Médio.

Esses países defendem o príncipe como aliado importante para isolar o Irã e combater o extremismo muçulmano sunita e o jihadismo. Os principais aliados dos EUA na Europa, Alemanha, França e Reino Unido, consideram MbS indefensável.

Kushner foi o grande advogado da aproximação com o príncipe. Por sua influência, Trump fez sua primeira visita ao exterior como presidente dos EUA à Arábia Saudita, apesar da objeção do secretário de Defesa, James Mattis, e do então secretário de Estado, Rex Tillerson.

O genro de Trump fez uma visita secreta a Riade em outubro do ano passado para discutir o plano de paz entre palestinos e israelenses. Dias depois, o príncipe deflagrou uma campanha anticorrupção que prendeu dezenas de rivais dentro da família real e grandes empresários sauditas. A campanha foi vista como uma manobra política para consolidar o poder

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