Trinta anos depois da invasão ordenada pelo ditador Leopoldo Fortunato Galtieri, a Argentina lembrou hoje a Guerra das Malvinas (Falklands, para os ingleses) em meio a uma ofensiva diplomática da presidente Cristina Kirchner para negociar com o Reino Unido a soberania das ilhas.
A guerra acabou com uma ditadura militar sanguinária (1976-83) acusada pela morte e o desaparecimento de 30 mil pessoas. Apesar de ter sido travada sob o comando de militares assassinos que torturaram seus próprios soldados no campo de batalha, deixou uma cicatriz profunda no orgulho argentino.
Quando invadiu as Malvinas, em 2 de abril de 1982, Galtieri não acreditava que a Grã-Bretanha iria à guerra "por umas ilhotas". Também contava com o apoio dos Estados Unidos, depois de fazer a guerra suja para o governo Ronald Reagan na América Central quando o presidente americano estava proibido pelo Congresso de ajudar as ditaduras da Guatemala, Honduras e El Salvador, e os contrarrevolucionários da Nicarágua.
A ditadura argentina treinava exércitos e rebeldes para a luta contra o comunismo na
América Central. Como comandante do Exército, Galtieri assumiu um papel de destaque nessas guerras sujas.
Para dar um golpe dentro do golpe, derrubar o general Roberto Eduardo Viola e assumir a Presidência da Argentina, o general Galtieri teria oferecido a ocupação das ilhas como um presente à Marinha, a mais poderosa das três armas do país vizinho. Ou talvez quisesse apenas desviar a atenção da opinião pública da ruína econômica e da tragédia social.
As grandes potências não costumam se curvar diante de agressões de países menores. Deixariam de ser grandes potências se fizessem isso. A então primeira-ministra Margaret Thatcher enviou logo uma força-tarefa que retomou as Malvinas, as Ilhas Sanduíche e as Geórgias do Sul em 14 de junho de 1982, no fim de uma guerra em que morreram 649 argentinos e 258 britânicos.
Muitos argentinos, recrutados à força, sob o risco de pena de morte por deserção, sem treinamento, roupas adequadas ao frio polar e comida, se entregaram aos britânicos. Era esse o Exército poderoso que matava seu povo pelas costas, mas botou meninos despreparados para defender o país numa aventura inconsequente e irresponsável.
Havia uma negociação em curso, nos moldes da devolução de Hong Kong à China, acertada em 1984 e concretizada em 1997. Diante dos crimes da ditadura militar que tomou o poder na Argentina em 1976, a negociação foi abandonada. Era politicamente impossível fazer concessões para aquelas juntas militares ensandecidas.
Isso não impediu que Thatcher recusasse os pedidos de extradição do capitão Alfredo Astiz. Como Anjo da Morte da ditadura militar, ele matara pelas costas uma adolescente sueco-argentina e, em outra ocasião, duas freiras francesas. Na verdadeira guerra, nomeado comandante militar das Ilhas Geórgias do Sul, Astiz se rendeu sem disparar um tiro. Agora foi finalmente condenado pelos crimes da ditadura.
Até hoje, os veteranos das Malvinas acampam no centro de Buenos Aires para cobrar as promessas jamais cumpridas. Galtieri caiu dias depois do fim da guerra, como principal responsável por uma derrota humilhante.
O Brasil adotou uma posição de neutralidade durante o conflito. Apoiava e apoia e reivindicação argentina de soberania sobre as ilhas, mas rejeita o uso da força. Esta é hoje a posição comum da América do Sul.
Como representante do Brasil em Londres e porta-voz da Argentina, o embaixador e ex-ministro do Planejamento Roberto Campos teria aconselhado Thatcher a reassentar os cerca de 1,2 mil kelpers que moravam nas ilhas antes da invasão no Norte da Escócia, numa região de clima semelhante ao das Malvinas. Mas não era um problema econômico. Era - e ainda é - uma questão de soberania.
Por isso, a atual ofensiva diplomática de Cristina Kirchner é meramente retórica. Não é acusando o Reino Unido de militarizar o Atlântico Sul que a Argentina vai recuperar as Malvinas. Se empresas britânicas encontrarem petróleo nas ilhas, a discussão fará sentido.
No momento, é mais uma jogada de esperteza política da presidente argentina, que enfrenta uma séria crise econômica, com desabastecimento por causa das políticas protecionistas, tentativas desesperadas de manter um saldo comercial positivo para se autofinanciar.
Trinta anos depois do fim de duas tragédias argentinas, a Guerra das Malvinas e a ditadura militar, o país ainda não se livrou de sua crise política permanente, de sua crise de governabilidade.
Este é o blog do jornalista Nelson Franco Jobim, Mestre em Relações Internacionais pela London School of Economics, ex-correspondente do Jornal do Brasil em Londres, ex-editor internacional do Jornal da Globo e da TV Brasil, ex-professor de jornalismo e de relações internacionais na UniverCidade, no Rio de Janeiro. Todos os comentários, críticas e sugestões são bem-vindos, mas não serão publicadas mensagens discriminatórias, racistas, sexistas ou com ofensas pessoais.
Assinar:
Postar comentários (Atom)
Nenhum comentário:
Postar um comentário