Numa prévia do que se pode esperar dos países libertados de ditaduras na chamada primavera árabe, o partido islamita moderado Nahda ganhou as eleições realizadas ontem na Tunísia.
O país onde começaram as revoltas populares no mundo árabe foi o primeiro a realizar eleições. A projeção é que Nahda eleja 40% dos deputados da assembleia que vai redigir uma nova constituição.
Como observador internacional, o ex-presidente peruano Alejandro Toledo ajudou a fiscalizar a votação e atestou a lisura do pleito.
Quando se pensa em democracia no mundo árabe, é inevitável a existência de partidos religiosos e nacionalistas. As manifestações de massa surpreenderam ao revelar a presença de uma opinião pública liberal, mas os islamitas talvez fossem o único setor organizado da oposição.
Em 1991, a França e os Estados Unidos apoiaram o golpe militar contra as eleições na Argélia, que seriam vencidas pela Frente Islâmica de Salvação com ampla maioria. O resultado foi uma violenta guerra civil, com cerca de 100 mil mortes.
Durante décadas, os ditadores árabes acenaram com o fantasma do fundamentalismo islâmico como desculpa para justificar a ausência de democracia. Em países como o Egito e a Tunísia, com instituições mais fortes, o Exército deve exercer algum controle do processo de democratização, a exemplo do que aconteceu na Turquia.
Na Líbia, onde Kadafi destruiu todas as instituições, o desafio de criar uma ordem liberal que garanta a pluralidade democrática é muito mais difícil.
Numa comparação com o Brasil, aqui houve uma breve experiência democrática de 1946 a 1964, com muito radicalismo e autoritarismo, que levaram a 21 anos de ditadura. A transição começa em 1974, com a posse do general Ernesto Geisel na Presidência, depois que o embargo à venda de petróleo dos países árabes gerou uma crise internacional que acabou com o modelo econômico da ditadura, baseado em energia e mão de obra baratas.
Esses países árabes recém-libertados não tiveram qualquer experiência democrática no passado. O Egito era uma semicolônia do Ocidente desde a invasão napoleônica de 1798. Quando os coronéis liderados por Gamal Abdel Nasser derrubaram a monarquia, em 1952, aliaram-se à União Soviética e criaram uma ditadura de partido único comandada pelas Forças Armadas que só caiu em 11 de fevereiro de 2011.
A Tunísia foi governada por Habib Bourguiba durante 30 anos, da independência da França, em 1957, até o golpe de Zine Abidine ben Ali, em 1987. Ben Ali só foi derrubado em 14 de janeiro de 2011.
O teste da democracia no mundo árabe está apenas começando. A conferir como os islamitas vão se comportar no poder.
Este é o blog do jornalista Nelson Franco Jobim, Mestre em Relações Internacionais pela London School of Economics, ex-correspondente do Jornal do Brasil em Londres, ex-editor internacional do Jornal da Globo e da TV Brasil, ex-professor de jornalismo e de relações internacionais na UniverCidade, no Rio de Janeiro. Todos os comentários, críticas e sugestões são bem-vindos, mas não serão publicadas mensagens discriminatórias, racistas, sexistas ou com ofensas pessoais.
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2 comentários:
Preste atenção aos detalhes. é impossível escrever sobre esse assunto, mesmo que seja para um simples post, sem determinar o que pensam as duas principais branchs do Islã. Sunitas e Xiitas podem ser tão diferentes quanto Judeus e Hindus!
Há correntes radicais e moderadas tanto no sunismo quanto no xiismo. Prefiro esperar pelas propostas concretas do partido Nahda.
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