O ex-presidente Boris Yeltsin, que enterrou a União Soviética e que presidiu à caótica transição da Rússia para o capitalismo, morreu hoje aos 76 anos em Moscou de problemas do coração.
Yeltsin é considerado um traidor pelos comunistas por ter acabado com a URSS e um herói pelos inimigos do antigo regime.
Líder da ala ultra-reformista no começo das reformas do líder soviético Mikhail Gorbachev, Yeltsin perdeu a posição de prefeito de Moscou por manobra da hierarquia comunista na luta contra a glasnost (transparência) e a perestroika (reestruturação). Voltou em 1989 como deputado mais votado da Rússia. Em 1990, foi eleito presidente do Soviete Supremo da Federação Russa, o que na prática o tornou presidente da maior e mais importante república soviética.
A confirmação no cargo veio em 12 de junho de 1991, na primeira eleição presidencial direta da História da Rússia. Yeltsin ganhou com 57%.
Com a legitimidade do mandato popular, em agosto do mesmo ano, liderou a resistência ao golpe da linha dura comunista contra Gorbachev e depois forçou-o a deixar o cargo.
Um dos momentos decisivos foi a criação de uma nova aliança entre as três repúblicas eslavas da URSS - Rússia, Ucrânia e Bielorrússia - em Minsk, capital bielorrussa, em 8 de dezembro de 1991. Era o fim da URSS. Gorbachev renunciaria em 31 de dezembro daquele e a bandeira vermelha foi arriada do mastro do Kremlin.
Ao expressar suas "profundas condolências" hoje, Gorbachev observou que "sob os ombros de Yeltsin recaem grandes acontecimentos para o bem do país e sérios erros". Foi "um destino trágico".
A "terapia de choque" de Yeltsin para reimplantar o capitalismo jogou milhões na miséria. O escandoloso programa de privatizações foi a maior distribuição do patrimônio público a preços vis da História.
Uma empresa de petróleo chegou a ser vendida por US$ 160 mil, preço de um apartamento de luxo numa metrópole brasileira. Surgiram assim os oligarcas, os barões ladrões do mafioso capitalismo russo, que inflacionaram o mercado imobiliário de Londres e entraram nos negócios do futebol, investindo em times como o Chelsea, de Londres, e o Corinthians Paulista.
Em 1993, numa queda-de-braço com a oposição, mandou fechar e bombardear a Casa Branca de Moscou, sede do Parlamento da Rússia.
Mesmo assim, Yelstin foi reeleito em 1996, com o apoio dos novos milionários, derrotando mais uma vez os comunistas.
Seus últimos anos de governo foram marcados pelo caos, por alegações de alcoolismo e pela cruenta guerra civil na república rebelde da Chechênia, onde o poderoso Exército da Rússia foi derrotado de 1994-96.
Com problemas de saúde, Yeltsin renunciou no final de 1999, passando o poder ao então primeiro-ministro e atual presidente Vladimir Putin, que ganhara prestígio ao comandar com mão-de-ferro a segunda guerra na Chechênia.
Muitos contemporâneos de Yeltsin acusam Putin de ter reimposto uma didatura com suas políticas para resgatar o poder imperial da extinta URSS, prendendo empresários que financiam a oposição, reestatizando empresas e matando inimigos do regime no exterior. Mas seu prestígio é elevado por causa da melhora na situação econômica da Rússia, que se beneficiou com a alta dos preços do petróleo, do qual é a segunda maior produtora mundial, depois da Arábia Saudita.
Yeltsin prometeu não voltar à vida pública e morreu sem criticar seu sucessor. O presidente Putin o saudou depois da morte como o "pai da democracia na Rússia".
Sem desmerecer o papel histórico de Yeltsin de acelerar a glasnost e a perestroika, e sua resistência ao golpe de agosto de 1991, e sem esquecer que ele mandou bombardear o Parlamento, a democracia deve muito mais a Mikhail Gorbachev, um homem que abdicou do poder e saiu do Kremlin sem disparar um tiro. Ao contrário de Yeltsin, não foi por motivo de saúde.
Ao aceitar a vitória do Solidariedade na Polônia, a abertura da cortina de ferro na Hungria, a queda do Muro de Berlim e a reunificação da Alemanha, Gorbachev acabou com o chamado império exterior soviético, o conjunto de países teoricamente independente que faziam parte do Bloco Soviético na Europa Oriental. Yeltsin encarregou-se de continuar a obra, desmontando o império interior soviético.
Na Rússia, como na maior parte da África, as eleições ainda não levaram a uma efetiva transferência de poder. O candidato do Kremlin ganha sempre. Yeltsin deu um golpe palaciano para derrubar Gorbachev e outro passando o poder a Putin, que disputou a eleição presidencial de 2000 já instalado no Kremlin.
Este é o blog do jornalista Nelson Franco Jobim, Mestre em Relações Internacionais pela London School of Economics, ex-correspondente do Jornal do Brasil em Londres, ex-editor internacional do Jornal da Globo e da TV Brasil, ex-professor de jornalismo e de relações internacionais na UniverCidade, no Rio de Janeiro. Todos os comentários, críticas e sugestões são bem-vindos, mas não serão publicadas mensagens discriminatórias, racistas, sexistas ou com ofensas pessoais.
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