Até 2020 ou 2030, a única dúvida é a data, a China passará dos atuais 7% para 20% da produção industrial de todo o mundo, previu Renato Amorim, secretário-executivo do Conselho Empresarial Brasil-China (CEBC), no 3º Curso de Comércio e Negociações Internacionais para Jornalitas, realizado no Rio de Janeiro pelo Centro Brasileiro de Relações Internacionais (Cebri) e o Instituto de Estudos de Comércio e Negociações Internacionais (Ícone).
Será um desafio estratégico para todo o resto do planeta, como se acomodar à ascensão desta superpotência de 1,3 bilhões de habitantes que há 30 anos cresce a uma média de 9,5% ao ano, tem hoje uma taxa de investimento de 40% e uma taxa de poupança de 47%.
Quarta economia do mundo, depois dos Estados Unidos, do Japão e da Alemanha, com produto interno bruto de US$2,262 trilhões, reservas de US$ 1 trilhão e um saldo comercial de US$ 110 bilhões , a China sobe para segundo lugar pelo critério de paridade do poder de compra. Nenhum crescimento foi tão rápido e espetacular na História.
Desde o ano passado, a China superou o Brasil como exportador de produtos manufaturados para a América Latina. O comércio bilateral tem um problema sério: as diferenças entre as estatísticas dos dois países indicam que pode haver muito contrabando.
“A China induz e acelera o reordenamento global da produção”, raciocina o secretário executivo do CEBC
Amorim acredita que a China deve continuar crescendo, que a governabilidade e a estabilidade do regime dominado pelo Partido Comunista se mantêm e que a produção industrial chinesa deve ter sofisticação tecnológica cada vez maior. Mas a China ainda é um país pobre, com graves desequilíbrios entre regiões, entre o campo e a cidade, seu sucesso se deve à participação crescente no comércio internacional.
“Agora o consumo já aparece como força de crescimento”, pondera Renato Amorim. “Nas cidades, a renda per capita está na média de US$ 4 mil”.
Quando a China entra na OMC, em 2001, cria a expectativa de que seu superávit comercial irá diminuir. Mas isto não aconteceu, O superávit comercial chinês aumentou. “Eles estão importando menos insumos industriais porque as empresas estrangeiras que exportavam insumos agora estão operando lá dentro”, explica Amorim.
Sua tarifa média é de 15% e, na prática, a China aplica tarifas menores.
Com seu extraordinário crescimento, a economia chinesa produz outro fenômeno. Ao mesmo tempo em que a China oferece produtos industriais a preços mais baratos, aumentou muito a demanda por produtos primários, encarecendo-os. Isto provoca uma perda nas margens de lucro.
Entre os problemas que podem atrapalhar o desenvolvimento chinês, sem, no entanto, compromete-lo a longo prazo:
1. Envelhecimento: a política de um filho único adotada décadas atrás para controlar a natalidade do país mais populoso do mundo agora se reflete na pirâmide etária do país.
2. Custos de saúde elevados: os chineses pobres dizem não ter dinheiro para ficar doentes. Uma consulta na rede pública custa US$ 2.
3. Rápida urbanização: hoje 30% a 40% moram em cidades. Há uma inchação mas não favelização. Até 2003, havia um registro de cidadãos rurais e urbanos. O governo quer controlar as migrações.
4. Desequilíbrio regional: as reformas começaram na costa criando zonas de processamento de exportações. A província de Guandong (Cantão) é responsável por um terço da produção industrial.
Deng Xiaoping decidiu abrir a China pragmaticamente em 1978, depois da radicalização da Grande Revolução Cultural Proletária (1966-76) e da morte de Mão Tsé-tung, em 1976, com a máxima: “Não importa a cor do gato desde que cace ratos”.
Menos de 30 anos depois, o mundo está preocupado é com o dragão chinês.
“Talvez não queiram 200 são-paulos mas mil ribeirões-pretos”, comparou.
Outra questão importante levantada pelo secretário-executivo do CEBC é se a China é uma economia de mercado: “Por definição, numa economia de mercado, os preços da terra e do capital se formam livremente. No início das reformas, os preços eram controladíssimos. Hoje 86% dos preços de bens de consumo são formados no livre mercado. Do ponto de vista da formação de preços, a China é uma economia de mercado”.
Desde que a China entrou na OMC, acrescenta Amorim, “a Austrália e o Canadá investigaram diversos setores contra os quais pudessem alegar dumping (venda abaixo do preço de custo). Na maioria dos casos, concluíram que os preços se formavam no mercado”.
A participação das empresas estatais está caindo. O setor que mais cresce é o do capital privado chinês. Segundo Renato Amorim, “a participação estrangeira deve se estabilizar em torno de um quarto”.
O consumo cresce bastante, cerca de 11% a 12% ao ano, acima do crescimento do PIB.
Na semana passada, nota o secretário-executivo do CEBC, “a China começou a fechar um calcanhar de aquiles: introduziu uma lei de falências. A partir de dezembro, haverá uma abertura no setor financeiro, como foi prometido na adesão à OMC”.
Quando as reformas econômicas começaram, com a criação de zonas de processamento de exportações na costa, “havia bancos para oferecer capital de giro, emprestando só em moeda. Agora, será aberto o setor de varejo. Mas quem vai competir com o Banco da China, que tem 800 mil agências. Os bancos estratégicos não poderão ser controlados por estrangeiros. Haverá também uma abertura parcial para seguradoras estrangeiras”.
Assim, “praticamente, a China é uma economia de mercado mas a participação estatal ainda é grande”, conclui Renato Amorim.
A grande alavanca do desenvolvimento é a exportação, que passou de US$ 15 milhões em 1978 para US$ 800 bilhões no ano passado, inclusive um saldo comercial de US$ 202 bilhões com os EUA, o que provoca demandas protecionistas, sobretudo no Congresso americano. Mas o país acumulou US$ 1 trilhão em moedas fortes, sendo 60% em dólar. Há portanto um delicada interdependência entre as duas economias mais importante do mundo.
Qualquer movimento brusco da China para vender boa parte de suas reservas em dólar abalaria a economia mundial, o que não interessa a ninguém.
Para Amorim, o sucesso do modelo chinês não está só nos salários baixos: “O Vietnã tem um salário médio de US$ 60 mensais na indústria, a Indonésia de US$ 61 e a China de US$ 98. A infra-estrutura física e legal está lá, há a vantagem de produzir em grande escala e cada vez mais investimentos em ciência e tecnologia. A diferença para o resto da Ásia é em escala”.
De olho no futuro, o maior gasto na estrutura de consumo do chinês é com educação. Isto melhora a qualificação profissional. Além de ter centenas de milhões de operários não-qualificados, a China forma todo ano 1 milhão de engenheiros, 800 mil médicos e 500 mil físicos.
Enquanto um economista americano formado numa universidade de elite ganha inicial US$ 3 mil a US$ 4 mil, um chinês custa quatro vezes menos. A Microsoft vai contratar 2 mil engenheiros para seu centro de pesquisas na China.
A China investe pesadamente em educação há 30 anos e, como observa o economista Amartya Sen, ganhador do Prêmio Nobel de Economia em 1998, Mão Tsé-tung, sem querer, ajudou a preparar a China para o capitalismo ao alimentar e alfabetizar toda a população; 92% sabem ler e escrever.
Com todos estes atrativos, a China recebeu US$ 72 bilhões em investimentos estrangeiros diretos no ano passado, em comparação com US$ 15 bilhões para o Brasil e US$ 17 bilhões para o México, líder na América Latina.
Com o investimento estrangeiro direto hoje em 4% do PIB, o estoque de capital estrangeiro na China chega hoje a US$ 600 bilhões, concentrando sobretudo no setor industrial, onde representa 57%, e especialmente em alta tecnologia, onde chega a 85%. Empresas brasileiras como Vale do Rio Doce, Embraer, Marcopolo, Tramontina e Weg estão produzindo na China.
“A China é uma base de processamento de exportações”, explicou Amorim. “Está investindo em tecnologia. Não são só têxteis e calçados. A abertura começou com exportações de petróleo e carvão. No ano passado, começou a exportar carros. Também está entrando em equipamento de telefonia e aviões. Hoje, os produtos têxteis e calçados representam 10%; eletroeletrônicos e automóveis, 60%. A propriedade intelectual é um problema sério”.
No comércio bilateral, o Brasil ainda tem saldo positivo. Mas, desde o ano passado, erguem vozes na indústria nacional para denunciar que estamos sendo invadidos por produtos chineses. Para o secretário-executivo do Conselho Empresarial Brasil-China, “houve apenas uma substituição de fontes de importação”.
Ele admite, no entanto, que há uma disparidade nas estatísticas do comércio bilateral. Na maioria dos setores, a China registra exportações maiores do que as importações registradas no Brasil, o que pode ser um indício de contrabando.
“O Brasil consome 800 milhões de pares de sapato por ano”, afirma Renato Amorim. “Só 2% são importados. Mas há muito contrabando e subfaturamento”.
“Este ano”, acrescenta, “a balança de têxteis será deficitária, mas não em fibras naturais.”
Quanto à aplicação de salvaguardas, Amorim observa que “a lei existe para ser cumprida. Mas primeiro é preciso comprovar o impacto. Não dá para criar um discurso político demonizando a China. É preciso aplicar a lei sem contaminação política”.
Este é o blog do jornalista Nelson Franco Jobim, Mestre em Relações Internacionais pela London School of Economics, ex-correspondente do Jornal do Brasil em Londres, ex-editor internacional do Jornal da Globo e da TV Brasil, ex-professor de jornalismo e de relações internacionais na UniverCidade, no Rio de Janeiro. Todos os comentários, críticas e sugestões são bem-vindos, mas não serão publicadas mensagens discriminatórias, racistas, sexistas ou com ofensas pessoais.
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