Pelo quarto dia seguido, neste domingo, milhares de manifestantes entraram em choque com a polícia nas ruas de Istambul e Ancara, as duas maiores cidades da Turquia. Mais de mil pessoas foram presas; pelo menos 79 saíram feridas. Há notícias não confirmadas de duas mortes.
O que começou como um protesto pacífico contra a derrubada de árvores para construir um novo centro comercial no coração de Istambul degenerou numa série de violentos confrontos e em pedidos de demissão do primeiro-ministro Recep Tayyip Erdogan, considerado um islamita moderado.
Insensível aos protestos, Erdogan chamou os manifestantes de "saqueadores" e de "alcoólatras" quem protesta contra novas restrições ao consumo de bebidas alcoólicas.
Na terça-feira, 28 de maio de 2013, um pequeno grupo de jovens ambientalistas se reuniu na Praça Taksim para um protesto sentado contra a derrubada de muros e árvores, que interpretaram como uma violação de lugares históricos do Parque Gezi. A manifestação se tornou violenta dois dias depois, quando a polícia usou a força para dispersar pouco mais de 100 pessoas.
Em 31 de maio, os jovens receberam o apoio do Partido Popular Republicano (CHP, sigla em turco), líder da oposição ao Partido da Justiça e Desenvolvimento (AKP), do primeiro-ministro Erdogan. As palavras de ordem dos protestos passaram a incluir "abaixo a ditadura!", "unidos contra o fascismo" e "fora, Erdogan!"
No sábado, 1º de junho, mais de 10 mil pessoas se concentraram na Praça Taksim. Muitas saíram da sede do CHP no lado asiático de Istambul e cruzaram a ponte sobre o Estreito de Bósforo batendo panelas, em desafio à proibição ao tráfego de pedestres na ponte.
Alguns manifestantes teriam atacado a polícia com bombas incendiárias, rojões e pedras. A reação policial veio com jatos d'água e gás lacrimogênio.
Erdogan admitiu que a polícia usou força excessiva e ordenou a abertura de inquérito. Ao mesmo tempo, prometeu não ceder diante de "extremistas selvagens" que acusou de pertencerem a um movimento ideológico e não "ambientalista".
O primeiro-ministro ameaçou mobilizar um milhão de militantes de seu partido para cada 100 mil manifestantes. Na noite de sábado, 5 mil manifestantes enfrentaram a polícia diante da sede do partido governista em Istambul. Os protestos se alastraram por Esmirna, Eskissehir, Mugla, Yalova, Antália, Adana, Ancara, Bolu, Kayseri e Konya. As maiores manifestações, em Istambul e Esmirna, atraíram dezenas de milhares de jovens.
Uma chuva forte afastou os manifestantes da Praça Taksim no domingo de manhã. À tarde, o tempo melhorou e Erdogan fez mais um discurso em tom de desafio, responsabilizando a oposição. Ajudou a mobilizar mais uma vez os manifestantes.
Até agora, a onda de protestos não ameaça o poder de Erdogan e do AKP, mas limita as ambições políticas do primeiro-ministro. Ele usa o lento processo de paz com a expressiva minoria curda para tentar conquistar apoio para a realização de um referendo constitucional para transformar o regime político da Turquia de parlamentarismo para o presidencialismo.
Como seu mandato como primeiro-ministro termina em 2015, Erdogan poderia se candidatar à eleição presidencial de 2014 para continuar mandando na Turquia. Mas suas manobras políticas para se tornar um chefe de Estado com poder real devem enfrentar uma resistência cada vez maior.
A oposição acusa Erdogan e o AKP de minar as bases da república secularista fundada em 1923 por Mustafá Kemal Ataturk, o Pai dos turcos, para islamizar a Turquia.
Mas a atual onda de manifestações não se explica apenas pela tradicional divisão da sociedade turca entre islamitas, que querem aplicar princípios religiosos à política e são dominantes no interior da região da Anatólia, e uma classe média urbana secularista, que defende a separação entre religião e Estado.
O primeiro-ministro também é acusado de adotar um modelo capitalista agressivo que ignora o impacto ambiental e valores islâmicos fundamentais, distribuindo concessões a empresários amigos do governo num esquema que alimenta a corrupção.
Essa mistura explosiva de autoritarismo, corrupção, desrespeito ao meio ambiente e islamização alimenta a revolta nas ruas de Istambul e de mais dez cidades turcas. As eleições municipais de outubro darão uma medida do impacto da onda de manifestações na Turquia. É cedo para falar numa Primavera Turca, mas os jovens da Praça Taksim sonham com a sua revolução.
Este é o blog do jornalista Nelson Franco Jobim, Mestre em Relações Internacionais pela London School of Economics, ex-correspondente do Jornal do Brasil em Londres, ex-editor internacional do Jornal da Globo e da TV Brasil, ex-professor de jornalismo e de relações internacionais na UniverCidade, no Rio de Janeiro. Todos os comentários, críticas e sugestões são bem-vindos, mas não serão publicadas mensagens discriminatórias, racistas, sexistas ou com ofensas pessoais.
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