quarta-feira, 5 de dezembro de 2007

Venezuela rejeitou "socialismo do século 21"

A derrota da reforma constitucional proposta pelo presidente Hugo Chávez é uma vitória não só para a Venezuela mas para a democracia em toda a América Latina.

Os presidentes da Bolívia, Evo Morales, e do Equador, Rafael Correa, que convocaram Assembléias Constituintes, assim como os petistas que sonham com um terceiro mandato para Lula, receberam um recado claro.

Até mesmo Chávez será beneficiado. Ele levou seis horas para admitir publicamente a derrota, sinal de que pensou antes de acatar o resultado das urnas. Optou pela democracia. Com a limitação de seus poderes, pode se tornar mais realista.

Acima de tudo, na minha opinião, os venezuelanos votaram contra o “socialismo do século 21”.

Com 4.504.354 votos válidos (50,70%), o Não superou o Sim, que obteve 4.379.392 (49,29%). A abstenção foi de 44,11%. Talvez explique a primeira derrota do caudilho nas urnas depois de nove vitórias desde que foi eleito presidente da Venezuela em 1998.

Chávez recebeu 3 milhões de votos a menos do que na eleição presidencial de dezembro do ano passado. A explicação mais provável é uma dissidência dentro do chavismo.

Há outros problemas, como violência, desemprego, corrupção, inflação alta, chegando a 4% ao mês, e desabastecimento. Podem ter desestimulado parte do eleitorado chavista. Mas a proposta socialista e os poderes ditatoriais que a reforma daria ao caudilho devem ter pesado mais.

Como disse o general Raúl Baduel, antigo companheiro de Chávez que o ajudou a resistir ao golpe de abril de 2002 mas deixou o cargo de ministro da Defesa em julho passado, as constituições existem para proteger os direitos dos cidadãos e limitar o poder dos governantes

A reforma de 69 artigos da Constituição Bolivarista de 1999, inspirada por Chávez, lhe dava poderes ditadoriais, ao permitir:
• a reeleição indefinida do presidente, que manifestou intenção de ficar no poder até 2031;
• a decretação de estado de emergência e a criação de zonas de emergência sem a aprovação da Assembléia Nacional e a revisão do Supremo Tribunal de Justiça;
• a suspensão da liberdade de imprensa durante o estado de emergência;
• a criação de instâncias do poder popular, conselhos aprovados pelo presidente, acima de representantes eleitos democraticamente, como governadores de departamento, prefeitos, deputados departamentais e vereadores;
• o fim da independência do banco central, o que deixaria as finanças públicas totalmente nas mãos de Chávez, num regime sem transparência nem mecanismos de prestação de contas; e
• a mudança no regime de propriedade, em que a propriedade privada ocupa o fim de uma longa.

Há amplo apoio na Venezuela para o nacionalismo energético de Chávez e os maciços investimentos da renda do petróleo em programas sociais para resgatar a dignidade da maioria da população excluída das benesses de uma economia com abundância do ouro negro. Mas os venezuelanos rejeitaram a implantação de uma espécie de socialismo inspirada no modelo cubano.

Como a derrota foi apertada, é óbvio que Chávez não vai desistir. Afinal, seu mandato vai até 2012.

Para que a situação mude, será necessário que a oposição venezuelana se articule e proponha uma política alternativa que contemple as necessidades dos pobres e marginalizados. É altamente improvável que eles sejam seduzidos por uma elite branca que historicamente os ignorou. Foi Chávez que lhes deu voz e os tornou agentes politicos.

Talvez a principal lição do referendo venezuelano para a América Latina seja a rejeição do terceiro mandato. Como observa o jornal esquerdista alemão Berliner Zeitung, um mandato de quatro a seis anos pode ser insuficiente para promover reformas radicais. Mas, depois de oito, 10 ou 12 anos, é difícil realizar o que não foi possível nesse período.

Outro aspecto importante para a região é que Chávez não gastou os bilhões de dólares da receita fácil do petróleo só em programas sociais.

Também rearmou as Forças Armadas. Trouxe o risco de uma corrida armamentista na América do Sul. Criou uma milícia. Financiou candidatos e governos amigos na América Latina, a começar pelo falido capitalismo tropical de Cuba. Ajudou a eleger Morales na Bolívia, Correa no Equador, e a reeleger Daniel Ortega na Nicarágua. Fracassou ao apoiar Ollanta Humala no Peru.

A maioria dos venezuelanos reprova esse desperdício de recursos para ingerência externa. É uma espécie de subimperalismo insuflado pelo pan-latino-americano de Simón Bolívar, o libertador de vários países da América do Sul.

Enquanto isso, apesar dos formidáveis recursos do petróleo, que rendem mais de US$ 100 milhões por dia à Venezuela, quase todo o resto é importado. Não há um projeto de desenvolvimento industrial. O controle de preços provoca inflação e desabastecimentos. E surgiu a chamada boliburguesia, uma elite econômica de aliados do governo suspeitos de negócios excusos.

Se o socialismo chavista não consegue gerar empregos, renda e serviços essenciais na Venezuela que nada em petróleo, que chance tem na Bolívia, no Equador e na Nicarágua, muito mais pobres?

Com a derrota no plebiscito, as Constituições da Bolívia e do Equador serão menos autoritárias, e a influência chavista vai diminuir. Em vez do “socialismo do século 21”, fortalece-se a social-democracia ou a economia social de mercado dos presidentes Lula, do Brasil; Michelle Bachelet, do Chile; e Tabaré Vázquez, do Uruguai.

O “socialismo do século 21” segue o mesmo destino das utopias marxistas do século passado.

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