Com seus ataques ao sistema internacional criado sob a inspiração do presidente americano Franklin Delano Roosevelt, o atual presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, revela uma visão de um mundo dominado por grande potências militares e dividido em áreas de influências. Seria uma volta à Era dos Impérios, ao mundo pré-1914, que levou a duas guerras mundiais, observou hoje o embaixador Rubens Ricupero.
Em lançamento de livros no Palácio do Itamarary, no Rio de Janeiro, Ricupero apresentou mais uma vez A Diplomacia na Construção do Brasil: 1750-2016, enquando o embaixador Affonso José Santos falou sobre Barão do Rio Branco: Caderno de Notas (Maio de 1895-Abril de 1901), com foco central no conflito com a França para definir os limites da fronteira com a Guiana Francesa.
O evento foi organizado pela Fundação Alexandre Gusmão (Funag), o Instituto de Pesquisas de Relações Internacionais (IPRI) e o Centro Brasileiro de Relações Internacionais (Cebri).
“Trump quer voltar a 1920, à era pós-Woodrow Wilson quando os EUA voltaram a se fechar, depois da Primeira Guerra Mundial”, comentou o embaixador Ricupero, acrescentando que a política de Trump deixaria as grandes decisões nas mãos de um pequeno número de grandes potências militares.
Ricupero se preocupa com o que possa acontecer com o sistema Nações Unidas se o atual presidente americano for reeleito. Ele citou o professor e ex-secretário de Estado Henry Kissinger, que em depoimento recente na Comissão das Forças Armadas do Senado dos EUA denunciou “uma erosão gradual e sistemática do sistema internacional.”
O risco é de um mundo onde prevalece o poder da força. Seria o fim do sistema ONU, que, “apesar dos defeitos, evitou uma terceira guerra mundial, uma guerra nuclear, acomodou a ascensão da China e a desintegração da União Soviética.”
Em sua obra, Ricupero destaca os principais momentos e desafios da política externa brasileira dese o Tratado de Madri, de 1750, que delineou mais ou menos o mapa que o Brasil tem hoje, com a exceção do Acre, que não pertencia ao Brasil, e do Rio Grande do Sul, cujas fro nteiras mudaram, passando por momentos como a abertura dos portos, o conflito com o Império Britânico sobre o tráfico de escravos, as guerras do Prata e do Paraguai, entre outros.
“Para o Brasil, a diplomacia foi a base da formação do país, fruto da expansão europeia. É o único Sanpaís do mundo que tem o nome de uma commodity, observou Ricupero. O Brasil já nasceu globalizado. O fator limitante do desenvolvimento não era a terra, era a mão de obra, que sempre foi estrangeira, da escravidão à imigração.
Como os EUA, o Brasil nasceu como uma faixa estreita junto ao Oceano Atlântico, mas a semelhança acabou aí, notou Ricupero. “A grande expansão do Brasil foi no período colonial. O território hoje é menor do que na independência. Perdeu a Província Cisplatina com a independência do Uruguai, em 1928. As fronteiras foram consolidadas juridicamente. É um país satisfeito com seu status territorial, sem problemas com os vizinhos.”
“Nos EUA, a expansão aconteceu depois da independência, através de guerras e compras. Os EUA compraram a Flórida da Espanha e a Louisiana da França, mas foram compras no estilo ‘se não vender, a viúva vende’,” ironizou Ricupero.
Em 2020, serão completados 150 anos sem guerras com os países vizinhos. O Brasil tem 10 países vizinhos. Já teve 11, inclusive um tratado de fronteiras com o Equador, em território depois tomado pelo Peru.
“Com a exceção do Acre, a fronteira mais difícil de definir foi a da Guiana Francesa”, afirmou Ricupero. “A França era uma grande potência. Tinha meios militares. A arbitragem foi muito difícil
Depois de um longo trabalho de pesquisa no Itamaraty e em mais de 4 mil documentos franceses, o embaixador Affonso José Santos acredita que “talvez tenha sido o problema mais difícil do Brasil com uma grande potência”.
A França tinha a segunda maior marinha de guerra do mundo, depois do Império Britânico, e “Rio Branco de uma comissão francesa. Os franceses não aceitavam a fronteira no Rio Oiapoque. Queriam chegar ao Amazonas ou ao menos ao Araguari”, concluiu Santos.
“Havia todo um plano de invasão”, contou Santos. “O governador do Pará, Paes de Carvalho, teve três encontros com o ministro do Exterior francʼesque fez a ameaça de invadir. ‘Se a França vier, não nos encontrará sós’. A França deve ter termido a intervenção dos EUA.”
1898 é o ano em que os EUA se tornam uma potência imperial com a vitória sobre a decadente Espanha na Guerra Hispano-Americana, que levou à independência de Cuba, sob a tutela dos EUA, à ocupação de Porto Rico e à colonização das Filipinas.
Isso justificaria a decisão do Barão do Rio Branco de mudar o eixo da diplomacia brasileira de Londres para Washington, com a instalação da primeira embaixada brasileira no exterior, nos EUA, em 1905.
“Há um desconforto na diplomacia brasileira com Rio Branco e Joaquim Nabuco por causa das relações com os EUA”, comentou Ricupero. “O historiador francês Fustel de Coulanges dizia que o maior erro histórico é julgar o passado com os valores de hoje. O Brasil tinha fronteiras [nas Guianas] com três potências europeias e não tinha problemas com os EUA. A ameaça vinha de britânicos e franceses.”
No fim do século 19, nos primeiros anos da Repúbica, o Brasil era um país frágil, recém-pacificado depois das revoltas contra a abolição da monarquia, com sérios problemas financeiros, que seriam resolvidos no governo Campos Sales (1898-1902). Não tinha condições de enfrentar a França, que conquistara Indochina e grande parte do Norte da África.
Este é o blog do jornalista Nelson Franco Jobim, Mestre em Relações Internacionais pela London School of Economics, ex-correspondente do Jornal do Brasil em Londres, ex-editor internacional do Jornal da Globo e da TV Brasil, ex-professor de jornalismo e de relações internacionais na UniverCidade, no Rio de Janeiro. Todos os comentários, críticas e sugestões são bem-vindos, mas não serão publicadas mensagens discriminatórias, racistas, sexistas ou com ofensas pessoais.
quarta-feira, 25 de julho de 2018
Trump quer regredir à Era dos Impérios
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