Num duro golpe à estratégia de negociação da primeira-ministra Theresa May para manter o Reino Unido no mercado comum europeu, dois depois de anunciar um acordo dentro do governo, o ministro britânico para a saída da União Europeia, David Davis, pediu demissão neste domingo. Outros ministros podem segui-lo e a liderança de May no Partido Conservador pode ser contestada nos próximos dias.
Na sexta-feira, May reuniu todo o ministério na casa de campo oficial da primeira-ministra, em Chequers para definir suas metas e estratégia de negociação. Depois de nove horas de reunião, anunciou um acordo para uma saída suave da UE, sem romper totalmente os laços com seu maior mercado.
Sob pressão, os ministros que rejeitassem a proposta perderiam seus cargos imediatamente e não teriam carros oficiais para voltar a Londres. A revolta dos eurocéticos era inevitável. Falam em "meia saída", "falsa Brexit", "Brexit só no nome" e "traição da vontade popular".
É a maior crise desde que May convocou eleições antecipadas e perdeu a maioria na Câmara dos Comuns do Parlamento Britânico, em junho de 2017. Os dois secretários do segundo escalão do Ministério para a Brexit também saíram. Outros ministros e secretários podem fazer o mesmo.
"É o caos total. Theresa May não mais nenhuma autoridade", afirmou o presidente do Partido Trabalhista, o maior da oposição, Ian Lavely. "A primeira-ministra está no governo, mas não no poder. Ela não consegue fazer a Brexit e o país está totalmente parado, enquanto os conservadores brigam pelo poder."
Na carta de demissão, Davis declarou ter se mantido no governo durante muito tempo apesar dos desacordos por acreditar "que era possível honrar o mandato do plebiscito e nosso engajamento para deixar a união aduaneira e o mercado único".
A primeira-ministra apresenta hoje ao Parlamento sua proposta, desde já bombardeada pelo ministro encarregado de negociá-la com o francês Michel Barnier, representante da UE. May quer um acordo de livre comércio com a UE que mantenha o acesso desimpedido dos produtos agrícolas e industriais britânicos ao mercado europeu. Os serviços ficariam de fora.
O deputado Jacob Rees-Mogg, possível candidato à liderança do partido, antecipou o voto contrário à proposta. Ao mesmo tempo, nada garante que a UE vá aceitá-la.
Em princípio, para participar do mercado comum europeu, é preciso aceitar a livre circulação de capital, mercadorias e pessoas, e a jurisdição da Corte Europeia de Justiça para resolver os conflitos. Os eurocéticos radicais não aceitam nada disso. Entendem que o plebiscito de 23 de junho de 2016 deu ao governo um mandato claro para romper com a Europa e suas instituições.
De acordo com a televisão pública BBC, o próximo ministro para a Brexit pode ser o ministro para o Meio Ambiente, Michael Gove. Notório eurocético, Gove foi candidato à liderança do partido depois da derrota do então primeiro-ministro David Cameron no plebiscito. Perdeu a chance sob acusações de traição.
Há uma regra na política britânica: quem mata o rei não ascende ao trono. Na origem da guerra interna do Partido Conservador em torno das relações com a Europa, a primeira-ministra Margaret Thatcher caiu, em novembro de 1990, depois de ter a liderança desafiada por Michael Heseltine. Ele nunca chegou a chefe de governo. Desde esse regicídio, o partido entrou em guerra civil.
Cameron convocou o plebiscito na esperança de pacificar o partido. Dividiu o país, perdeu, caiu e comprometeu o futuro da economia e do próprio Reino Unido. A Escócia pode declarar a independência para ficar na Europa.
Este é o blog do jornalista Nelson Franco Jobim, Mestre em Relações Internacionais pela London School of Economics, ex-correspondente do Jornal do Brasil em Londres, ex-editor internacional do Jornal da Globo e da TV Brasil, ex-professor de jornalismo e de relações internacionais na UniverCidade, no Rio de Janeiro. Todos os comentários, críticas e sugestões são bem-vindos, mas não serão publicadas mensagens discriminatórias, racistas, sexistas ou com ofensas pessoais.
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