A defesa do multilateralismo e a integração sul-americana são os maiores desafios da diplomacia, afirmou o ministro das Relações Exteriores, Celso Amorim, na abertura do seminário que festejou os 10 anos do Centro Brasileiro de Relações Internacionais no Palácio Itamaraty, no Rio de Janeiro, em 2 de setembro de 2008.
O chanceler brasileiro defendeu sua decisão de priorizar as negociações de liberalização comercial da Organização Mundial do Comércio (OMC), alegando que este é um foro internacional multipolar por excelência. As Nações Unidas são dominadas pelas grandes potências com direito de veto no Conselho de Segurança e as outras instituições econômicas internacionais - o Fundo Monetário Internacional e o Banco Mundial - têm voto ponderado, com mais peso para os países ricos.
Amorim ainda tem uma última esperança de que seja possível chegar a um acordo na Rodada Doha da OMC até o final de setembro. Se não der, a conclusão da rodada ficará adiada por alguns anos, com risco de aumento do protecionismo e fragmentação do sistema multilateral de comércio.
Com a mudança de governo nos Estados Unidos, o embaixador acredita serem necessários dois a três. Neste período, podem surgir outras prioridades.
“A OMC é fundamental para nossa busca do multilateralismo”, declarou. “Essa é uma política de todos os governos brasileiros. O multilateralismo é a expressão de uma multipolaridade”.
Para o chanceler, a ONU tem “um papel inspiracional”. Sem negar a importância de grandes eventos como a Cúpula da Terra, a Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento (Rio-92), Amorim observa que o único órgão mandatório é o Conselho de Segurança, onde as grandes potências têm poder de veto.
“A OMC, ainda que imperfeita, tem mecanismos de solução de controvérsia”, argumentou o chanceler. “As ações de implementação de suas decisões lhe dão um poder que outras organizações internacionais não têm.”
Na sua visão, a política externa deve ter um “caráter universalista”, no sentido de melhorar as relações com todos os outros países.
Só neste ano, lembrou o ministro, o presidente Lula foi duas vezes à Ásia. A crescente importância internacional do Brasil traz cada vez mais desafios: “A presença do Brasil é requisitada.”
Amorim rejeitou no dia seguinte a acusação do governador de São Paulo, José Serra, de que a política externa do governo Lula fracassou ao não fechar novos acordos comerciais.
“O Brasil nunca deixou de buscar a abertura de mercados em outras areas”, sustentou o ministro. “O primeiro memorando de entendimento com a União Européia foi feito no governo Itamar. Quando estivemos perto de um acordo, o setor agrícola brasileiro considerou a abertura insuficiente”.
Na sua opinião, “as principais distorções do comércio internacional, como os subsídios agrícolas, só podem ser resolvidos na OMC, através de um acordo conjunto. Se queremos valorizar o sistema multilateral, a OMC é importante. Se não conseguirmos chegar a um acordo em comércio, em segurança, o que dizer de outras questões, como mudança do clima…”
Com a fragmentação do sistema multilateral, “ficaremos sujeitos a ações unilaterais”, profetizou. “Sem a ONU, algumas ações internacionais seriam impossíveis, como a missão de paz no Haiti, uma nova forma de missão de paz, com ênfase no desenvolvimento social.”
A integração sul-americana é importante porque “eu moro aqui”, resumiu o chanceler brasileiro: “A idéia de que a gente pode se isolar… Pode haver algum descolamento mas, do ponto de vista mais amplo, é uma necessidade, um desdobramento do Mercosul. O Brasil não pode mais ficar limitado ao Cone Sul.”
Amorim entende que o Conselho de Defesa recebeu “excessiva exposição midiática”, mas festejou: “É a primeira vez em 200 anos que temos um tratado assinado por toda a América do Sul.” E defende “uma integração lastreada em fatos reais e na prática comercial. A América do Sul comprou 20% das nossas exportações e 93% das exportações de manufaturados; os EUA, menos de 15%”.
Este esforço de integração “coincide com o aprofundamento da democracia depois de um ciclo de ditaduras, com ressentimentos em relação a potências externas”.
O ministro contou que passa três a quatro horas por dia ao telefone para falar dos problemas da região: “O remédio não é se retrair, é organizar nossa região. A solução do conflito Colômbia-Equador foi uma rara resolução da OEA (Organização dos Estados Americanos) aprovada por consenso com o apoio dos EUA”.
A própria OMC é um exemplo para Amorim: “Antes os EUA e a Europa se reuniam, depois chamavam o Japão e o Canadá. Hoje, o Brasil e a Índia estão no centro das negociações. O Brasil está lá também por sua capacidade de articulação política e diplomática, sua luta por justiça social e sua seriedade econômica.”
• Na mesa redonda sobre O Brasil na América Latina, o embaixador Samuel Pinheiro Guimarães, secretário-geral do Ministério das Relações Exteriores, sustentou que diversos países do subcontinente não terão condições de se desenvolver sem a ajuda dos vizinhos maiores e mais ricos. Ele antevê um futuro com o mundo dividido em blocos.
Este é o blog do jornalista Nelson Franco Jobim, Mestre em Relações Internacionais pela London School of Economics, ex-correspondente do Jornal do Brasil em Londres, ex-editor internacional do Jornal da Globo e da TV Brasil, ex-professor de jornalismo e de relações internacionais na UniverCidade, no Rio de Janeiro. Todos os comentários, críticas e sugestões são bem-vindos, mas não serão publicadas mensagens discriminatórias, racistas, sexistas ou com ofensas pessoais.
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Um comentário:
Estava presente no Seminário, muito proveitoso os comentários do Ministro e de alguns cenários abordados por ele na ocasião. Agora resta-nos aguardar a tão esperada Rodada Doha da OMC e torcer para que os ventos soprem a nosso favor!
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