Sob intensa pressão para esclarecer suas ligações de 20 anos com o reverendo Jeremiah Wright, que faz pregações racistas na Igreja Unida da Trindade de Cristo, em Chicago, onde se casou e batizou suas filhas, o senador Barack Obama fez hoje na Filadélfia um discurso sobre o racismo.
Filho de um africano negro e de uma americana branca, Obama disse que o simples fato de poder chegar à Presidência dos Estados Unidos reafirma o sonho americano.
Ao contrário do que costumam fazer os candidatos com amigos ou assessores inconvenientes, Obama agradeceu ao pastor por tê-lo convertido ao cristianismo.
Em seguida, lembrou a Convenção da Filadélfia, que aprovou em 1787 a Constituição dos EUA, até hoje um modelo para o resto do mundo. "Os pais da pátria prometiam liberdade, igualdade e justiça", observou Obama, "mas não se livraram do pecado original da escravidão".
Para criar "uma sociedade mais justa, mais livre e mais próspera", o senador por Illinois defendeu um aperfeiçoamento da União: "Não podemos resolver os problemas a não ser juntos. Podemos não parecer iguais, mas queremos ir na mesma direção".
Ele invocou sua própria história: "Meu avô branco lutou na Segunda Guerra Mundial. Minha avó branca fabricou munição. Tenho parentes em três continentes e de todas as raças. Em nenhum outro país do mundo isso é possível", afirmou.
"O povo americano está faminto por essa unidade acima das raças. Ganhei a eleição primária na Carolina do Sul, onde a bandeira da Confederação ainda tremula", acrescentou, falando da bandeira dos estados do Sul, que se revoltaram contra a União quando o presidente Abraham Lincoln aboliu a escravatura, provocando a Guerra da Secessão (1861-65), até hoje o conflito mais marcante da História dos EUA, mais do que as duas guerras mundiais.
Durante a atual campanha, Obama foi acusado "de ser negro demais e de não ser suficientemente negro". Na verdade, ele é mulato. "Mas só nas últimas semanas a questão racial aflorou. O reverendo ofendeu negros e brancos com uma linguagem. Já condenei esses sermões. Sabia que ele criticava as políticas interna e externa dos EUA. Discordo totalmente de suas opiniões".
Há uma profunda distorção na visão de Jeremiah Wright sobre os EUA, raciocinou o pré-candidato democrata: "Ele vê o país como branco e os conflitos no Oriente Médio como fruto dos EUA e não do radicalismo. É um discurso que divide, quando temos de unir brancos, negros, asiáticos e latinos".
Nesse momento, Obama voltou a defender o reverendo: "O homem que conheci há 20 anos me apresentou Cristo, me ensinou a amar o próximo, serviu como fuzileiro naval e ajudou gente que sofre neste país. Não posso abandoná-lo, como não podia abandonar minha avó branca, aquela mulher que me amava e cuidava de mim, quando dizia que sentia medoao cruzar na rua com um homem negro"
Na sua mensagem de unidade, "a América tem de superar a questão racial. Esta não é uma tentativa de desculpar discursos indesculpáveis. Também não se deve desqualificar Geraldine Ferraro", declarou magninimamente, referindo-se da ex-candidata a vice-presidente em 1984 e ex-assessora da campanha de sua rival Hillary Clinton.
Geraldine Ferraro foi pressionada a se afastar depois de comentar que "o senador Obama só está onde está", na liderança da disputa pela candidatura democrata, "por ser negro. Se fosse branco ou mulher, não estaria lá". Ferraro foi acusada de jogar a cartada racial para insinuar que Obama não tem chance de virar presidente num país onde os negros são apenas 12% da população.
"São problemas que este país ainda não resolveu. É uma questão que não podemos ignorar", desafiou. "Há uma raiva que às vezes se manifesta nas igrejas. Não sou ingênuo de pensar que possamos superar isso em uma eleição e com uma candidatura. Precisamos ter fé em Deus e no povo americano. Não temos escolha se quisermos continuar na trilha da união americana. Não podemos ser vítimas do passado."
O futuro dos EUA depende, na opinião do candidato à Casa Branca, de um esforço conjunto para "termos melhores escolas e mais empregos, assumirmos a responsabilidade sobre nossas vidas. Podemos escrever nossa própria história. A sociedade pode mudar. Na visão do reverendo Wright, os EUA são uma sociedade estática, presa a um passado irrevogável".
No mundo pragmático de Barack Obama, há questões reais a serem resolvidas, como melhores escolas e mais justiça: "Seus sonhos não precisam ser realizados às custas dos meus. Não acho que a senadora Hillary Clinton esteja jogando com a questão racial nem que todos os homens brancos vão votar no senador McCain", o candidato do Partido Republicano.
"Há uma opção: podemos nos unir para consertar as escolas que estão desabando, nos juntando para cuidar delas. Eu não estaria me candidatando à Presidência se não acreditasse nessa União".
Este é o blog do jornalista Nelson Franco Jobim, Mestre em Relações Internacionais pela London School of Economics, ex-correspondente do Jornal do Brasil em Londres, ex-editor internacional do Jornal da Globo e da TV Brasil, ex-professor de jornalismo e de relações internacionais na UniverCidade, no Rio de Janeiro. Todos os comentários, críticas e sugestões são bem-vindos, mas não serão publicadas mensagens discriminatórias, racistas, sexistas ou com ofensas pessoais.
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