sábado, 14 de janeiro de 2012

China se aproxima da Arábia Saudita e se afasta do Irã

O primeiro-ministro Wen Jiabao embarcou hoje para o Oriente Médio, onde vai à Arábia Saudita, ao Catar e aos Emirados Árabes Unidos, mas não ao Irã, considerado até agora um aliado estratégico da China na região. Será a primeira visita de um chefe de governo chinês aos sauditas em duas décadas e a primeira às duas outras monarquias petroleiras do Golfo Pérsico.

A viagem sinaliza uma possível mudança na política externa chinesa no momento em que aumenta a tensão entre Estados Unidos e o Irã, por causa do programa nuclear da república islâmica.

Há décadas, o Irã oferece petróleo e espaço político à China, cada vez mais dependente da energia importada, num Oriente Médio dominado amplamente pelos Estados Unidos desde o fim dos anos 70. Em troca, tem apoio do governo chinês nas Nações Unidas e em outros foros internacionais.

Agora, a China está sob pressão dos EUA para seguir o exemplo do Japão e reduzir suas compras de petróleo iraniano. É uma tentativa americana de isolar ainda mais o Irã e pressionar o regime dos aiatolás a abrir seu programa nuclear e desistir de fabricar armas atômicas.

Se o governo chinês não ceder, pode ser barrado em várias instituições financeiras dos EUA, com base numa lei recém-assinada pelo presidente Barack Obama que é considerada pelo jornal The New York Times uma das medidas recentes mais duras para pressionar o Irã.

No próximo dia 23, a União Europeia decide se aprova um boicote ao petróleo iraniano.

O regime comunista chinês, que estudou detalhadamente o colapso da União Soviética para garantir sua própria sobrevivência, não quer perder as lições da Primavera Árabe. Aumentou a repressão interna a seus dissidentes e revisa sua política para o Oriente Médio.

"Eles [os chineses] perderam muita influência política no ano passado", o observa o cientista político François Godement, pesquisador sênior do Conselho Europeu de Relações Exteriores, com sede em Paris. "A Líbia, o Iêmen e a Síria eram países que tinham relações boas ou muito boas com a China. Nessa situação, é possível que a China queira se proteger."

Quanto mais enfraquecido estiver o Irã, raciocina o professor Joseph Nye, da Universidade de Harvard,  ex-subsecretário para política de defesa no governo Bill Clinton, mais a China vai se afastar.

"Manter boas relações com os EUA é essencial - na verdade, uma chave para o desenvolvimento chinês a longo prazo", argumenta John Garver, especialista em relações sino-iranianas da Escola Sam Nunn de Relações Internacionais da Universidade Politécnica da Geórgia. "E isso é essencial para a estabilidade social e a sobrevivência do regime."

É mais importante para a China do que o petróleo do Irã, acrescenta Garver, manter o acesso ao mercado dos EUA, não virar um dos principais alvos de ataque na campanha eleitoral americana deste ano e não piorar sua imagem junto à opinião pública americana.

Ao visitar a Arábia Saudita e seus aliados, Wen melhora as relações com países capazes de suprir a crescente demanda chinesa por petróleo importado no caso de um colapso da produção iraniana e evita um atrito com os EUA.

"Os chineses são muito sensíveis para serem pegos numa situação de que não tenham como sair", entende Godement. "O volume de investimento chinês no Irã é enorme. Lida-se com isso sendo lento e relutante para se mover. Mas você não vai querer ser o último a sair".

A Arábia Saudita, dominada por uma monarquia sunita, é um dos maiores rivais do Irã, uma república xiita. O regime dos aiatolás a vê como um fantoche dos EUA.

Uma das principais revelações dos mais de 250 mil documentos sigilosos do Departamento de Estado feitas pelo sítio WikiLeaks foi o apelo do sultão saudita para que os EUA atacassem o Irã para neutralizar seu programa nuclear.

Nessa semana, foi morto o quarto cientista nuclear iraniano em quatro anos. As maiores suspeitas recaem sobre o serviço secreto de Israel, que teme a bomba atômica do Irã como uma ameaça à sua existência. Meses atrás, uma explosão atingiu um quartel iraniano.

Em resposta, o Irã fez manobras militares, testou mísseis e ameaçou fechar o Estreito de Ormuz, a entrada do Golfo Pérsico, por onde passam 16 milhões barris de petróleo por dia, quase 20% do consumo mundial. Os EUA advertiram que isso seria inaceitável, ameaçando usar a força para reabrir o estreito, se necessário.

Há uma guerra secreta em andamento. Ao ampliar as sanções, o governo Barack Obama reduz a margem de negociação do Irã na questão nuclear.

Como o Movimento Verde, que protestou contra a reeleição fraudulenta do presidente Mahmoud Ahmadinejad em junho de 2009, foi esmagado pela ditadura dos aiatolás e da Guarda Revolucionária, a única opção de mudança de regime a curto prazo no Irã é a guerra. Sem mudança de regime, os EUA e Israel não acreditam que seja possível impedir a república islâmica de fazer a bomba.

Enquanto Ahmadinejad vem à América Latina para tentar romper o isolamento do Irã e só é recebido pelo eixo bolivarista liderado por Hugo Chávez e formado pela Venezuela, Cuba, Nicarágua e Equador - a presidente Dilma Rousseff manteve distância -, a China se aproxima de seus inimigos sauditas.

Uma guerra dos EUA e de Israel para tentar neutralizar o programa nuclear do Irã é a maior ameaça de conflito internacional grave, de consequências enormes e imprevisíveis, deste ano de 2012. A China cautelosamente se resguarda.

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