Em pronunciamento minutos atrás na Casa Branca, o presidente Donald Trump fez uma defesa emocional de seu projeto de construir um muro na fronteira com o México. A negativa da oposição em dar US$ 5,7 bilhões para a obra resultou num impasse e no fechamento das atividades não essenciais do governo dos Estados Unidos há 19 dias.
O presidente lançou sua campanha em junho de 2015 acusando os mexicanos de assassinatos, violência sexual e tráfico de drogas. A imigração ilegal é seu tema favorito para mobilizar sua base eleitoral. Havia expectativa de que pudesse declarar uma "emergência nacional" para financiar a obra sem a autorização do Congresso, mas seria contestado na Justiça.
Sob a pressão de uma série de escândalos a serem investigados pela nova maioria da oposição democrata na Câmara dos Representantes e do inquérito do procurador especial Robert Mueller sobre um possível conluio com a Rússia na campanha eleitoral, Trump está cada vez mais isolado.
Se for alvo de um processo de impeachment ou seus filhos forem processados, seu recurso será atacar as instituições e se apresentar como vítima diante da parcela do eleitorado que acredita nele, cerca de 38%. Talvez mais do que o muro para posar durante a campanha para as eleições de 2020 interesse a Trump o conflito em torno do muro.
Há "uma crescente crise humanitária e de segurança nacional na nossa fronteira sul" que afeta a "todos os americanos", "especialmente negros e hispânicos", reduzindo salários e trazendo ameaças como crime, violência e tráfico de drogas, declarou Trump, usando a mesma tática do medo de sua campanha eleitoral.
No momento, tenta chantagear o Congresso. A paralisação das atividades não essenciais do governo federal americano já é a segunda maior da história. Há 19 dias, 800 mil funcionários públicos não recebem salários, não são emitidos cupons de alimentação e cheques de devolução do imposto de renda. Os parques nacionais que estão abertos estão em situação caótica.
"A cada semana", acrescentou o presidente, "300 americanos morrem de dose excessiva de heroína. A maioria entra pela fronteira sul. Nossos agentes de fronteira prenderam nos últimos anos 266 mil responsáveis por centenas de milhares de crimes."
A maioria dos casos é de entrada ilegal no país e dirigir embriagado. Só seis suspeitos de terrorismo foram detidos na fronteira. A porta-voz da Casa Branca, Sarah Huckabee Sanders, falou em 4 mil.
"No ano passado, 20 mil crianças foram trazidas pelos EUA, por culpa de coiotes e gangues de traficantes. As mulheres e as crianças são as maiores vítimas desta trágica realidade que estou determinado a acabar", apelou Trump, subvertendo a realidade. Meses atrás, seu governo separou crianças dos pais na fronteira para desestimular a imigração.
Em verdade, a situação não está se agravando. No governo Bill Clinton, os EUA chegaram a deter 1,6 milhão de pessoas num ano na fronteira sul. Em 2018, foram 396 mil acima das 304 mil detenções de 2017, a menor quantidade em 45 anos.
"Meu governo apresentou ao Congresso uma proposta para proteger a fronteira e impedir o tráfico de pessoas e de drogas. Nossos guardas e agentes pediram esses recursos para proteger a fronteira e tornar os EUA seguros. Isso incluiu tecnologia para detectar drogas, armas e outros contrabandos", prosseguiu.
Finalmente, entrou no que lhe interessa: "Nosso plano incluiu pedido de ajuda humanitária e acabar com furos na lei para que menores e crianças possam ser devolvidos a seus países de origem e US$ 5,7 bilhões pedidos por nossos agentes de segurança para criar uma barreira física. O muro é necessidade. A pedido dos democratas, será uma barreira metálica."
Durante a campanha, Trump prometeu que os mexicanos financiariam a obra. Agora, alega que o México vai pagar indiretamente com o novo acordo de livre comércio da América do Norte: "O muro da fronteira vai se pagar. O senador [e líder democrata] Chuck Schumer defendia o muro antes de eu ser eleito presidente. Agora, negam aos nossos agentes de fronteiras os recursos necessários. O governo federal continua fechado porque os democratas não querem financiar a segurança da fronteira."
Sua estratégia é encurralar a oposição, que desde o início do ano tem maioria na Câmara dos Representantes: "A única solução é que os democratas aceitem financiar. Convoquei as lideranças à Casa Branca amanhã [hoje] para superar divisões políticas e garantir nossa segurança. Por que políticos constroem muros ao redor de suas casas? Porque amam as pessoas que estão dentro, não porque odeiam quem está fora."
Em seguida, citou vários crimes atribuídos a imigrantes ilegais: "Quanto mais sangue americano terá de ser derramado antes que o Congresso tome uma atitude? Todo cidadão deve pressionar o Congresso a proteger nossa fronteira. Este é nosso dever sagrado. Quando cheguei ao poder, jurei defender o povo americano."
A questão poderia ser resolvida rapidamente se Trump aceitasse a proposta do Partido Democrata de proteger os cerca de 800 mil imigrantes que entraram ilegalmente quando era menores de idade, os chamados sonhadores. Mas não agradaria à sua base.
Minutos depois, a oposição democrata respondeu ao presidente, a começar pela nova presidente da Câmara, deputada Nancy Pelosi: "Infelizmente, o presidente escolheu o medo. No primeiro dia deste Congresso, aprovamos lei para reabrir o governo. Não faz sentido gastar bilhões de dólares para construir uma barreira ineficiente."
A oposição democrata alega que o muro é inútil e não será pago pelo novo acordo comercial da América do Norte: "Ele prometeu que o México iria pagar. Ele ameaça manter a paralisação do governo por meses e anos. Podemos usar moderna tecnologia, contratar mais agentes de fronteiras. As mulheres e crianças na fronteira não são um ameaça, são uma crise humanitária. O presidente precisa parar de fabricar uma crise e reabrir o governo."
Nas palavras do líder democrata no Senado, Chuck Schumer, "o presidente dos EUA, não conseguindo fazer o México pagar pelo muro, preferiu fechar o governo para pressionar o Congresso. Ao longo de todo o mandato, o presidente apela para o medo. Não se enganem: republicamos e democratas querem segurança na fronteira."
Como resolver o impasse?, perguntou Schumer. O líder democrata apresentou uma solução simples: "Separando o fechamento da questão de segurança na fronteira. Não há desculpa para ferir os interesses de milhões de americanos. A maioria dos presidentes usa discursos do Salão Oval para chamar a atenção de grandes problemas."
O presidente John Kennedy falou do salão de despachos da Casa Branca para anunciar ao mundo que a União Soviética estava instalando mísseis nucleares em Cuba, em outubro de 1962, na pior crise da era atômica. Trump o faz por mesquinharia.
"Queridos americanos", concluiu o líder democrata, "não há desafio que nossa nação não possa superar. O símbolo dos EUA deve ser a Estátua da Liberdade, não um muro de 30 pés [10 metros] de altura. Sr. Presidente, reabra o governo já."
Amanhã, o presidente que nunca desceu do palanque visita um trecho da barreira já existente na fronteira com o México para continuar sua pregação até agora malsucedida. Cerca de 57% dos americanos são contra a construção do muro, enquanto 38% são a favor. Estes números não mudaram significativamente desde a eleição de Trump.
Este é o blog do jornalista Nelson Franco Jobim, Mestre em Relações Internacionais pela London School of Economics, ex-correspondente do Jornal do Brasil em Londres, ex-editor internacional do Jornal da Globo e da TV Brasil, ex-professor de jornalismo e de relações internacionais na UniverCidade, no Rio de Janeiro. Todos os comentários, críticas e sugestões são bem-vindos, mas não serão publicadas mensagens discriminatórias, racistas, sexistas ou com ofensas pessoais.
quarta-feira, 9 de janeiro de 2019
Trump aposta futuro político na construção de muro na fronteira do México
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