A Câmara dos Comuns do Parlamento Britânico vota hoje para decidir se aprova ou não o acordo negociado pela primeira-ministra Theresa May com os outros países da União Europeia para a retirada do Reino Unido em 29 de março. A maior dúvida é sobre o tamanho da derrota a ser sofrida pelo governo britânico.
"O acordo honra o voto no plebiscito ao traduzir a instrução do povo num plano detalhado e prático para construir um futuro melhor para o país", alegou May, numa última tentativa de salvar sua proposta. "Ninguém apresentou uma alternativa melhor."
Entre os pontos controversos, está a manutenção da fronteira aberta entre a Irlanda e a Irlanda do Norte para evitar abalos ao processo de paz na região. Os partidários da saída da UE temem que a união aduaneira mantenha o Reino Unido preso ao sistema regulatório europeu, impedindo o país de assinar acordos comerciais com outros países.
A votação, marcada para hoje às 19 h em Londres (17h em Brasília), deveria ter sido realizada em dezembro. Foi adiada diante da certeza do fracasso.
Uma derrota praticamente certa deixará o país num limbo jurídico e constitucional, sem uma saída fácil para o caos em que se transformou a Brexit, a saída britânica da UE. Deve ser a maior derrota de um governo do Reino Unido no Parlamento Britânico desde a Segunda Guerra Mundial.
Com a alta da libra em relação ao dólar nos últimos dias, o mercado financeiro indicou que espera uma prorrogação do prazo de saída. Na segunda-feira, a moeda britânica subiu pelo quarto dia seguido, fechando em US$ 1,28.
Tanto o acordo negociado por May quanto uma saída dura deve causar sérios prejuízos à economia britânica, que será superada pela Índia em 2019 e cairá para sexta maior do mundo. Só do centro financeiro de Londres, que pretende manter a primazia na Europa, saíram US$ 1 trilhão. Várias empresas transnacionais, como as fabricantes de automóveis japonesas, devem transferir parte da produção para o continente europeu.
Qualquer que seja o resultado, a primeira-ministra deve insistir em sua tarefa de cumprir a decisão tomada pelo eleitorado, por 52% a 48%, em 23 de junho de 2016, de deixar o bloco europeu. O Partido Trabalhista deve propor uma moção de desconfiança, mas é improvável que tenha a maioria necessária para derrubar o governo e provocar novas eleições em que seria favorito.
Uma derrota por margem estreita, de menos de 70 votos, na Câmara dos Comuns, de 650 deputados, pode convencer May a negociar alguns ajustes com a UE e buscar a vitória numa segunda votação. Se perder, ela deve apresentar uma nova estratégia ao Parlamento até a próxima segunda-feira.
Se perder por 70 a 100 votos, o desafio da primeira-ministra será mais complicado. Uma derrota por mais de 100 votos seria o fim do acordo negociado com a UE. Como o Reino Unido não tem uma Constituição escrita, não há regras previstas sobre como agir.
A maioria da Câmara dos Comuns é contra a chamada saída dura, sem qualquer acordo, defendida por cerca de 100 deputados da ala mais à direita do Partido Conservador. Esta opção preocupa as grandes empresas. Acarretaria uma onda de processos e ações judiciais para cobrar compromissos assumidos pelo Reino Unido como membro da UE, prejudicando as relações com o mercado para onde vão cerca de 50% de suas exportações.
Neste caso, uma possibilidade seria uma relação como a da Noruega, que participa do mercado comum sem ser membro do bloco. Outra seria uma segunda consulta popular, um referendo sobre o acordo negociado com a UE, hipótese descartada em princípio pela primeira-ministra, mas defendida cada vez mais por um movimento popular e pela maior parte do Partido Trabalhista, embora o líder da oposição, Jeremy Corbyn, esteja mais interessado em derrubar o governo.
Em discurso na segunda-feira em Stoke-on-Trent, onde 69% votaram a favor da saída, May declarou que a alternativa a seu acordo é permanecer na UE. Outra opção seria prorrogar por alguns meses a data de saída para uma nova chance ao Parlamento Britânico de chegar a um acordo sobre a Brexit.
Este é o blog do jornalista Nelson Franco Jobim, Mestre em Relações Internacionais pela London School of Economics, ex-correspondente do Jornal do Brasil em Londres, ex-editor internacional do Jornal da Globo e da TV Brasil, ex-professor de jornalismo e de relações internacionais na UniverCidade, no Rio de Janeiro. Todos os comentários, críticas e sugestões são bem-vindos, mas não serão publicadas mensagens discriminatórias, racistas, sexistas ou com ofensas pessoais.
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