No último tango da reunião de cúpula do Grupo dos 20 em Buenos Aires, o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, e o ditador da China, Xi Jinping, jantaram juntos e prometeram evitar uma escalada na guerra comercial entre as duas maiores economias do mundo, não impondo novas tarifas a partir de 1º de janeiro, noticiou a televisão estatal chinesa. Em troca, a China ficou de aumentar "substancialmente as importações de produtos agrícolas, energéticos e industrias dos EUA, informou o jornal The Washington Post.
A guerra comercial entre os EUA e a China inquieta os investidores, que temem uma recessão mundial se o conflito se agravar. Antes da partida da delegação americana da Argentina, o principal assessor econômico da Casa Branca, Larry Kudlow, comentou que o encontrou foi "muito bem".
Os dois países concordaram em não impor novas tarifas por 90 dias e reiniciar "imediatamente" as negociações sobre a política industrial chinesa, inclusive licenciamento de tecnologia americana, roubo de segredos industriais e barreiras não tarifárias.
Em tom otimista, no começo do jantar, que durou mais de duas horas, Trump declarou que a relação que mantém com Xi é "muito especial", enquanto fotógrafos e cinegrafistas registravam imagens do encontro mais esperado da reunião do G-20: "Esta é a principal razão por que provavelmente vamos terminar conseguindo algo que será bom para a China e bom para os EUA."
A bordo do avião presidencial Air Force One, Trump declarou: "Este foi um encontro surpreendente e positivo com possibilidades ilimitadas para os EUA e a China. É uma grande honra trabalhar com o presidente Xi."
Os objetivos do governo Trump são reduzir um déficit no comércio bilateral que atingiu US$ 375,5 bilhões em 2017 e conter o o desenvolvimento chinês em setores de alta tecnologia capazes de minar a supremacia militar dos EUA. Entre as exigências do governo Trump, estão o fim de um suposto roubo de propriedade intelectual de empresas americanas e da obrigação de transferir tecnologia à China.
A partir de 6 de julho de 2018, os EUA impuseram tarifas de 25% sobre 1.300 produtos importados da China, num valor anual de US$ 34 bilhões. Em 23 de agosto, entraram em vigor tarifas de 25% sobre uma lista adicional de 279 produtos chineses, que representam US$ 16 bilhões por ano em importações.
O governo chinês reagiu na mesma medida. Sobretaxou importações americanas num valor anual de US$ 50 bilhões. A China recorreu em agosto à Organização Mundial do Comércio (OMC) com duas reclamações: uma acusando as tarifas americanas sobre painéis de captação de energia solar de abalarem o mercado internacional do setor; outra, protestando contra as tarifas adicionais.
Em 24 de setembro, os EUA passaram a cobrar tarifas de 10% sobre mais US$ 200 bilhões em importações anuais da China, ameaçando aumentar para 25% no fim do ano, se não houver acordo. Trump advertiu que imporia tarifas sobre outros produtos chineses importados, no valor anual de US$ 267 bilhões, se a China retaliasse mais uma vez.
Isto cobriria todas as importações chinesas dos EUA, num total de US$ 505,5 bilhões em 2017. Se a versão da TV chinesa sobre o jantar estiver correta, esse aumento de tarifas sobre os US$ 200 bilhões e as novas tarifas sobre US$ 267 bilhões em produtos importados da China estariam suspensas.
A China respondeu com um tarifaço na mesma porcentagem sobre produtos americanos importados no valor US$ 60 bilhões. Não pôde retaliar no mesmo valor porque o total importado pelos chineses dos EUA no ano passado ficou em US$ 130 bilhões.
O encontro dos líderes em Buenos Aires foi o primeiro em mais de um ano, o primeiro desde o início da guerra tarifária. Se não houver acerto, Trump ameaça levar adiante a ameaça de sobretaxar todas as importações da China.
Na delegação americana na Argentina, estava o linha-dura Peter Navarro, autor do livro Morte pela China, principal assessor da Casa Branca para política comercial. Na última vez que se reuniu com chineses, em Beijim, Navarro discutiu aos berros com o secretário do Tesouro, Steven Mnuchin, que também participou do jantar.
Mnuchin e Kudlow defendem uma postura mais conciliatória com a China.
Trump prometeu ainda manifestar sua preocupação com as exportações chinesas do opióide sintético fentanil e outras drogas, responsáveis por uma epidemia sem precedentes de mortes por doses excessivas de opiáceos nos EUA, mais de 72 mil em 2017, cerca de 200 por dia. Os popstars Michael Jackson, Prince e Tom Petty morreram de overdoses de fentanil.
Antes da reunião, o diretor-geral do Departamento de Assuntos Econômicos Internacionais do Ministério do Exterior chinês, Wang Xiaolong, mostrou um otimismo cauteloso: "Espero e acredito que este encontro, nas atuais circunstâncias, tenha um efeito importante e positivo nas relações bilaterais. Desde que cada um adote uma atitude de respeito mútuo e igualdade, um diálogo construtivo será capaz de reduzir nossas diferenças."
Também foram ao jantar o secretário de Estado, Mike Pompeo; o assessor de Segurança Nacional, John Bolton; o representante comercial dos EUA, Robert Lighthizer; e o genro e assessor especial de Trump, Jared Kushner.
O cardápio incluiu especialidades argentinas. A entrada foi uma salada de legumes com maionese de basílico e o prato principal, contra-filé com cebolas vermelhas. De sobremesa, panquecas de caramelo com chocolate e creme. Para beber, vinhos Catena Zapata Chardonnay e Malbec.
Qualquer alívio de tensão na guerra comercial das duas superpotências econômicas deve beneficiar ativos de risco, melhorando as cotações das moedas e das bolsas de valores de mercados emergentes como o Brasil. Mas as divergências entre China e EUA envolvem questões de longo prazo que não podem ser resolvidas num jantar, por melhores que sejam a carne e os vinhos argentinos.
Este é o blog do jornalista Nelson Franco Jobim, Mestre em Relações Internacionais pela London School of Economics, ex-correspondente do Jornal do Brasil em Londres, ex-editor internacional do Jornal da Globo e da TV Brasil, ex-professor de jornalismo e de relações internacionais na UniverCidade, no Rio de Janeiro. Todos os comentários, críticas e sugestões são bem-vindos, mas não serão publicadas mensagens discriminatórias, racistas, sexistas ou com ofensas pessoais.
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