sábado, 1 de dezembro de 2018

Morre George Bush, dos mais bem-preparados presidentes dos EUA

Morreu ontem aos 94 anos George Herbert Walker Bush (1989-93) , talvez o mais bem-preparado de todos os presidentes dos Estados Unidos. Foi o último presidente da Guerra Fria e o último a lutar na Segunda Guerra Mundial, quando seu avião foi derrubado no Oceano Pacífico.

Seu filho George Walker Bush (2001-9), muito menos qualificado, governou por dois mandatos. O pai por apenas um. A dignidade com que Bush sênior se comportou no cargo contrasta com o arrivismo, o oportunismo e a corrupção do atual presidente, Donald Trump.

Aristocrata da Nova Inglaterra, Bush nasceu em Milton, no estado de Massachusetts, em 12 de junho de 1924. Contra a vontade do pai, que era senador, se alistou para lutar na Segunda Guerra Mundial. Era piloto da Marinha quando seu avião foi abatido, em setembro de 1944.

Depois da guerra, formou-se em economia em apenas dois anos meio na Universidade de Yale e foi para o Texas, onde fez sua própria fortuna na indústria do petróleo antes de entrar na política. Foi deputado, presidente do Partido Republicano, diretor da CIA (Agência Central de Inteligência), embaixador nas Nações Unidas e na China, e vice-presidente de Ronald Reagan (1981-89).

Durante as eleições primárias da campanha de 1980, criticou o que chamou de "economia vodu" de Reagan, a noção de que cortes de impostos eram uma panaceia para todos os males. Vice-presidente da Reagan, beneficiou-se do prestígio do chefe para ser um dos poucos vices a chegar à Casa Branca.

Na sua própria campanha, prometeu não aumentar impostos. Foi obrigado a fazê-lo para reduzir o déficit herdado de Reagan, que gastou US$ 2 trilhões em armas para pressionar a União Soviética no fim da Guerra Fria. Nunca foi perdoado pela ala mais à direita do Partido Republicano.

Conservador, ao aceitar a candidatura, no discurso na convenção republicana, falou em "mil pontos de luz", defendendo o voluntariado dos cidadãos como fórmula para atacar os problemas sociais, sendo alvo de duras críticas do Partido Democrata. Mesmo assim, obteve uma ampla vitória sobre o ex-governador Michael Dukakis.

Sua vida política foi marcada por guerras, da Segunda Guerra Mundial, quando serviu como aviador, à Guerra Fria, passando pela invasão do Panamá, em dezembro de 1989, para depor o ditador Manuel Noriega, ex-agente da CIA que se associara às máfias colombianas do tráfico de drogas, e a Guerra do Golfo (1991), para expulsar as forças do Iraque de Saddam Hussein do Kuwait.

Bush estava no poder quando o regime comunista da China esmagou a revolta dos estudantes no Massacre na Praça da Paz Celestial, na noite de 3 para 4 de junho de 1989, o Muro de Berlim caiu, em 9 de novembro daquele ano, e as revoluções liberais acabaram com o comunismo na Hungria, que abriu primeiro a cortina de ferro, na Polônia, que realizou as primeiras eleições democráticas na Europa Oriental, na Alemanha Oriental, na Tcheco-Eslováquia, na Bulgária e na Romênia.

Ao lado do Reino Unido e da França, acabou com a ocupação militar da Alemanha Ocidental, permitindo a reunificação da Alemanha, em 3 de outubro de 1990. A União Soviética acabaria em 31 de dezembro de 1991.

Antes, Bush assinou com o líder soviético Mikhail Gorbachev dois acordos fundamentais para o fim da Guerra Fria: o Tratado sobre Forças Convencionais na Europa (1990), que limitou o total de armas não nucleares no continente; e o Tratado de Redução de Armas Estratégias (1991), o START 1, que diminuiu a quantidade de armas nucleares capazes de atacar diretamente os EUA e a URSS.

Quando Saddam Hussein invadiu o Kuwait, em 2 de agosto de 1990, a então primeira-ministra britânica, Margaret Thatcher, o advertiu: "Não é hora de ser mole, George."

Diante da ameaça de que Saddam tomasse a Arábia Saudita, o que lhe daria o controle sobre 40% das reservas mundiais de petróleo, em 6 de agosto de 1990, Bush lançou a Operação Escudo no Deserto e exigiu a retirada incondicional das forças iraquianas do Kuwait.

Como o Iraque não recuou, os EUA lideraram uma aliança de 33 países, com o aval do Conselho de Segurança das Nações Unidas para usar a força. A URSS de Gorbachev votou a favor e a China se absteve.

Em 17 de janeiro de 1991, usando a estrutura militar da Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN), os EUA iniciaram a Operação Tempestade no Deserto com uma intensa campanha de bombardeios aéreos que ficou conhecida como o videogame da guerra, uma grande propaganda da nova geração de armas inteligentes dos EUA. As imagens divulgadas pelo Departamento da Defesa dos EUA pareciam um videogame e não mostravam as mortes e a destruição em terra.

A invasão terrestre começou em 24 de fevereiro. Quatro dias depois, o Iraque se rendeu. O setor mais linha-dura do Partido Republicano nunca perdoou Bush por não ter marchado até Bagdá e deposto Saddam Hussein. O então presidente da França, François Mitterrand, era contra.

Bush preferiu não romper a coalizão. Apostou num golpe militar contra Saddam Hussein por causa da humilhação sofrida pelas Forças Armadas do Iraque. Foi muito criticado por incentivar as rebeliões de curdos e xiitas, esmagadas por Saddam com alto custo em vidas humanas.

A aliança com vários países árabes e a decisão de Israel de não entrar na guerra, apesar dos ataques iraquianos ao território israelense, permitiu o início do processo de paz no Oriente Médio na Conferência de Madri, em 30 e 31 de outubro de 1991. Bush chegou a ameaçar com o corte de garantias de crédito para pressionar Israel.

Os EUA foram muito criticados por não intervirem militarmente para acabar com as guerras civis que destruíram a Iugoslávia. Na visão de Bush, no mundo pós-Guerra Fria, isso seria responsabilidade dos europeus. Seu sucessor, Bill Clinton (1993-2001), acabou intervindo ao descobrir que a política externa compensaria as derrotas em questões internas nos EUA.

Com o prestígio obtido na vitória esmagadora sobre Saddam Hussein, Bush dava a reeleição em 1992 como certa. Foi abatido pela recessão de 1990-91, que aumentou o desemprego até junho de 1992, e pela entrada de um candidato independente na corrida para a Casa Branca.

"É a economia, estúpido!", declarou James Carville, o estrategista da campanha de Bill Clinton. Mas o que roubou mesmo a vitória de Bush foi o candidato conservador independente Ross Perot.

Clinton venceu, em 3 de novembro de 1992, com 44,9 milhões de votos (43%), contra 39,1 milhões (37,4%) de Bush e 19,7 milhões (18,9%) de Perot.

Quando Clinton entrou na Casa Branca, em 20 de janeiro de 1993, encontrou uma carta pessoal de Bush desejando-lhe um bom governo e aconselhando-o a não se abalar com as críticas: "Seu sucesso agora é o sucesso do nosso país. Estou torcendo por você. Boa sorte, George."

Por iniciativa do presidente George Walker Bush, o filho, os dois fizeram campanhas para recolher doações para as vítimas do maremoto de 2004 no Sudeste Asiático, que matou mais de 200 mil pessoas, e para as vítimas do furacão Katrina, que atingiu o Sul dos EUA em 2005 e causou 1.833 mortes.

Mesmo sendo adversários políticos, os dois ex-presidentes se tornaram grandes amigos, provando, nas palavras de Bush sênior, que "a política não precisa ser mesquinha e horrível." Trump não aprendeu a lição. Nem o Brasil.

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