quinta-feira, 13 de dezembro de 2018

China iniciava há 40 anos mais extraordinário desenvolvimento da história

Em discurso numa conferência preparatória de sessão plenária do Comitê Central do Partido Comunista da China, em 13 de dezembro de 1978, o líder Deng Xiaoping lançou a abertura econômica e o programa de reformas que transformaram um país agrário e atrasado na segunda maior economia do mundo, rumo ao primeiro lugar. 

Nos últimos 40 anos, mais de 800 milhões de chineses saíram da pobreza. Foi o mais extraordinário desenvolvimento econômico da história da humanidade. O produto interno bruto aumentou 44 vezes. Hoje apenas 1% dos chineses vive na miséria. 

Com o partido dividido a o país destroçado pela Grande Revolução Cultural Proletária (1966-76), usada por Mao Tsé-tung para manter o poder, e a morte de Mao em 1976, a China navegava sem rumo. Deng entendeu que a única ideia capaz de unir o PC era a modernização.

Era uma antiga ideia. O programa das quatro modernizações (agricultura, indústria, defesa nacional, ciência e tecnologia) foi lançado pelo primeiro-ministro Chu Enlai em 1963 e abortado pela Revolução Cultural. Em 1975, pouco antes de sua morte, em janeiro de 1976, Chu relançou a proposta no 4º Congresso Nacional do Povo.

Hua Guofeng, que não fazia parte da ala mais radical do partido, que mandava durante a Revolução Cultural, sucedeu Chu como primeiro-ministro e Mao na chefia do PC.

Com a morte de Mao, em 9 de setembro de 1976, e a prisão da Gangue dos Quatro, da qual fazia parte sua viúva, Jiang Ching, em 6 de outubro, a trágica Revolução Cultural chegava ao fim.

Sem grandes ideias próprias, Hua lançou a política dos Dois Quaisquer em editorial publicado em 7 de fevereiro de 1977 no Diário do Povo, o jornal oficial do partido: "A China deve manter quaisquer políticas que Mao tenha adotado e seguir quaisquer instruções que Mao tenha dado."

Deng havia sido ministro das Finanças (1953-54) e um dos líderes da reconstrução da economia depois do fracassado Grande Salto para a Frente (1957-60), uma tentativa de integrar indústria e agricultura com a produção de aço em zonas rurais que levara a uma grande queda na produção agrícola, à fome em massa, milhões de mortes e à fabricação de aço de péssima qualidade.

Como sua visão da economia era considerada liberal demais para o radicalismo maoísta, Deng caiu em desgraça durante a Revolução Cultural. Reabilitado por Mao em 1975, no mesmo ano foi novamente marginalizado por "desviacionismo direitista" em razão de suas críticas à Revolução Cultural.

Depois de uma grande manifestação de massa na Praça da Paz Celestial, em abril de 1976, Deng foi reabilitado de novo. Em 1977, lançou a Primavera de Beijim, uma campanha para criticar os crimes e abusos cometidos naquele período, e se insurgiu contra a política dos Dois Quaisquer, considerando-a inaceitável.

"Se este princípio estiver correto, não poderia haver justificativa para minha reabilitação", disse Deng a dois membros do Comitê Central do PC alegando que a política de Hua "não está de acordo com o marxismo".

"Não podemos aplicar mecanicamente o que o Camarada Mao disse sobre uma questão específica a outra questão, o que disse sobre um lugar específico a outro lugar, o que disse num momento específico a outro momento, o que disse em circunstâncias especiais a outras circunstâncias", escreveu Deng.

Mao falou que "ninguém pode evitar erros em seu trabalho, a não ser que não faça nada", lembrou o arquiteto das reformas. "Também disse que Marx, Engels, Lenin e Stalin cometeram erros, caso contrário, não corrigiriam seus próprios manuscritos de tempos em tempos. (...) Algumas dessas visões expressas originalmente não eram inteiramente corretas, perfeitas e acuradas."

"Esta é uma questão teórica importante, se estamos ou não aderindo ao materialismo histórico", alegou Deng, se a sociedade chinesa estava evoluindo a partir da análise de seus erros.

"Nem Marx nem Engels apresentaram uma doutrina qualquer, nem Lenin ou Stalin, nem o Camarada Mao", prosseguiu. "Devemos usar o genuíno pensamento de Mao Tsé-tung tomado como um todo para guiar o partido, o Exército e o povo, de modo a avançar a causa do partido e do socialismo na China e à causa do movimento comunista internacional. (...) O pensamento de Mao é um sistema ideológico."

O Pequeno Timoneiro, como Deng passou a ser chamado, em comparação com o Grande Timoneiro Mao Tsé-tung, havia feito pronunciamentos sobre a necessidade de "consolidar" o Exército Popular de Libertação, "retificar o estilo de trabalho do partido", "pôr as coisas em ordem em todos os campos", "respeitar o conhecimento e o pessoal treinado", "a importância estratégica da educação e do treinamento" e de "aderir ao princípio de buscar a verdade através dos fatos".

CIÊNCIA E TECNOLOGIA
"A chave para atingir a modernização é o desenvolvimento da ciência e da tecnologia", prescreveu Deng. "A menos que demos atenção especial à educação, será impossível desenvolver a ciência e a tecnologia. Conversa fiada não vai levar nosso programa de modernização a lugar nenhum; precisamos de tecnologia e de pessoal qualificado."

Com o atraso, a China não conseguiria progredir, advertiu: "Temos de reconhecer nosso atraso porque só tal reconhecimento dará esperança. Hoje, parece que a China está 20 anos atrás dos países desenvolvidos em ciência, tecnologia e educação."

Era necessário "melhorar a educação em todos os níveis simultaneamente", receitou Deng. "Vamos ver os primeiros resultados em cinco anos, mais resultados em 10 anos e grandes resultados em 15 a 20 anos. (...) Precisamos melhorar os padrões de educação ao mesmo tempo em que a tornamos acessível a mais e mais pessoas."

Sua proposta era "reunir, através de exames difíceis, as pessoas destacadas" em escolas e universidades. "Devemos selecionar milhares entre nosso pessoal mais qualificado na comunidade científica e tecnológica e criar condições condições para que dediquem toda sua atenção à pesquisa.

"Alguns têm filhos e parentes idosos vivendo com eles, ganham menos de 100 iuanes por mês e precisam gastar muito tempo fazendo trabalho doméstico. Não encontram nem mesmo um lugar tranquilo para ler à noite", descreveu Deng.

Depois da perseguição a intelectuais por "desvio burguês" durante a Revolução Cultural, era preciso criar "uma atmosfera de respeito ao conhecimento e ao pessoal qualificado. A atitude errônea de não respeitar intelectuais tem de ser combatida."

O mesmo valeria para a defesa nacional: "Sem conhecimento da guerra moderna, como poderemos lutar uma guerra moderna?"

No fim do encontro de líderes do Comitê Central do PC, em 24 de maio de 1977, Deng recomendou: "Todas as atividades e profissões devem promover a ciência, a tecnologia e a educação. As grandes empresas devem ter seus próprios órgãos e pessoal de pesquisa científica e tecnológica. Todo departamento profissional deve conduzir sua própria pesquisa científica."

Em 13 de dezembro de 1978, DEng Xiaoping fez o discurso Emancipar a mente, buscar a verdade nos fatos e formar uma unidade ao olhar para o futuro, considerado o marco inicial das reformas econômicas chinesas, quando propôs "mudar o foco de todo o trabalho do partido para as quatro modernizações".

"Sob a correta liderança do Comitê Central, o partido, o Exército e o povo vão conquistar uma vitória atrás da outra na nossa nova Longa Marcha", prometeu Deng, lembrando a longa fuga de 10 mil quilômetros dos comunistas entre 1934 e 1935 para escapar da perseguição do Exército e dos nacionalistas do Kuomintang.

Era o encerramento da conferência preparatória da terceira sessão plenária do 11º Comitê Central do PC da China. Deng elogiou "o debate vivo aqui" e o ressurgimento da "tradição democrática" do partido: "Devemos espalhar este estilo de trabalho a todo o partido, ao Exército e ao povo."

"Os participantes falaram livremente e expressaram suas opiniões honestas. Colocaram seus problemas sobre a mesa e se sentiram livres para criticar inclusive o trabalho do Comitê Central. Alguns camaradas criticaram a si mesmos em vários graus", acrescentou o líder reformista.

Seu tema era "como emancipar nossas mentes, nossas cabeças, buscando a verdade dos nos fatos e formando uma união ao olhar para o futuro".

EMANCIPAR AS MENTES
"A primeira tarefa", observou Deng, "é emancipar nossas mentes. Só então poderemos, guiados como devemos pelo marxismo-leninismo e o pensamento de Mao Tsé-tung, encontrar as soluções corretas para os problemas emergentes bem como os herdados, reformar frutiferamente todos os aspectos das relações de produção e da superestrutura que não correspondam ao rápido desenvolvimento das forças produtivas, mapear os cursos específicos e formular as políticas, métodos e medidas específicas necessárias para atingir as quatro modernizações sobre nossas condições atuais.

"A emancipação das mentes não foi completamente atingida entre nossos quadros, particularmente nossos quadros de líderes. De fato, muitos companheiros não reiniciaram seus cérebros; em outras palavras, suas ideias permanecem rígidas, ao menos parcialmente. Não que eles não sejam bons companheiros. É o resultado de condições históricas específicas", diagnosticou o Pequeno Timoneiro.

"Primeiro, porque nos últimos 12 anos, Lin Piao e a Gangue dos Quatro estabeleceram tabus ideológicos e 'zonas proibidas'... A ninguém era permitido ir além dos limites que eles prescreviam; quem o fizesse era rastreado, estigmatizado e atacado politicamente. Nesta situação, algumas pessoas acharam mais seguro parar de usar suas cabeças e de pensar sobre as questões", analisou Deng, citando os líderes da Revolução Cultural.

"Segundo, porque o centralismo democrático foi minado e o partido afligido pelo burocratismo resultante, entre outras coisas, da superconcentração de poder. Este tipo de burocratismo frequentemente é mascarado como 'liderança do partido', 'diretrizes do partido', 'interesses do partido' e 'disciplina do partido', mas na realidade é criado para controlar as pessoas, reprimi-las e oprimi-las. Nesse período, muitas questões importantes eram decididas frequentemente por uma ou duas pessoas. Os outros só podiam fazer o que poucos ordenavam. Sendo assim, não havia muito sentido em pensar por si mesmo", criticou.

"Terceiro, porque não havia uma distinção clara entre certo e errado ou entre mérito e demérito, e as recompensas e punições não eram dadas por merecimento. Não havia distinção entre os que trabalhavam bem e os que não o faziam. Em alguns casos, quem trabalhava bem era atacado, enquanto quem não fazia nada ou evitava riscos resistia a toda tempestade. Sob essas leis não escritas, as pessoas eram naturalmente relutantes em usar seus cérebros", prosseguiu, em sua crítica demolidora do radicalismo maoísta.

"Quatro, porque as pessoas ainda estão sujeitas à força do hábito e do pequeno produtor, que se apega às velhas convenções, está contente com o status quo e não deseja buscar o progresso nem aceitar qualquer novidade", ponderou Deng.

Esse pensamento rígido "segue o que quer que tenha o apoio das autoridades e ajusta suas palavras e ações de acordo com qualquer que seja o lado que o vento sopre. Pensa que assim vai evitar erros. De fato, no entanto, dobrar-se ao vento é em si um erro grave, uma contravenção do espírito do partido que todos os comunistas devem venerar."

Isso não significa que "as pessoas que pensam independentemente e ousam falar alto e agir não possam errar, mas seus erros são expostos e portanto são mais facilmente corrigíveis", argumentou. "Quando o pensamento se torna rígido, a adoração de livros, divorciada da realidade, vira uma grande doença. Quem sofre disso não ousa dizer uma palavra ou dar um passo que não seja mencionado em livros, documentos e discursos de líderes; tudo tem de ser copiado."

"Nosso esforço pelas quatro modernizações não vai levar a lugar algum a menos que o pensamento rígido seja rompido e que as mentes dos quadros e das massas sejam emancipadas completamente", afirmou. "Quando tudo é feito de acordo com o livro, quando o pensamento se torna rígido e a fé cega é a moda, é impossível ao partido e à nação fazer qualquer progresso. Sua vida vai cessar e o partido e a nação vão perecer."

Mao disse isso várias vezes nas campanhas de retificação, alegou Deng, usando sempre o líder histórico da revolução comunista como referência para legitimar suas ideias diante da velha guarda partido: "Só se emanciparmos nossas mentes, procurarmos a verdade dos fatos, procedermos com base na realidade em tudo e integrarmos teoria e prática, seremos capazes de implementar nosso programa de modernização socialista suavemente."

A doutrina é invocada para justificar as reformas radicais que viriam à frente: "Procurar a verdade a partir dos fatos é a base da perspectiva do mundo proletário bem como a base ideológica do marxismo. (...) Todos devem agir com base neste princípio, emancipar suas mentes e usar suas cabeças para elucidar as questões e orientar a ação."

O sucesso das reformas depende da mobilização da sociedade anestesiada pela traumática Revolução Cultural: "Para fazer uma revolução e construir o socialismo, precisamos de um grande número de desbravadores que ousem pensar, explorar novos caminhos e gerar novas ideias. De outra sorte, não seremos capazes de livrar nosso país da pobreza e do atraso ou alcançar - e muito menos ultrapassar - os países avançados."

DEMOCRACIA
Outra ideia que Deng tentou resgatar foi o "centralismo democrático", um princípio adotado por Vladimir Ilitch Ulianov, Lenin, o líder da Revolução Bolchevique e pai da União Soviética. O conceito foi lançado pelo social-democrata alemão Jean Baptista Schweitzer e adotado por Lenin a partir de 1902, no livro O Que Fazer?

Lenin definou o centralismo democrático como "liberdade de discussão e unidade de ação". O debate seria livre, mas uma vez tomada uma decisão ela seria de cumprimento obrigatório por todos os membros do partido. Todos os dirigentes do partido seriam eleitos, mas a rígida disciplina partidária imporia a subordinação das minorias à maioria.

O ditador Josef Stalin usou o centralismo democrático para suprimir o debate interno e impor seu reino de terror, acabando na prática com a Revolução Russa. Deng tentou dar outro sentido ao que chamou de "prática genuína do sistema proletário do centralismo democrático. Precisamos de uma liderança centralizada e unificada, mas o centralismo só pode ser correto quando há uma democracia plena."

Durante a Revolução Cultural, na visão de Deng, "o centralismo estava divorciado da democracia e havia muito pouca democracia. Mesmo hoje, só poucas pessoas ousam falar alto. Muita gente ainda hesita em dizer o que realmente pensa. Mesmo quando tem opiniões válidas, hesitam em expressá-las, não tem ousadia suficiente para lutar contra coisas e pessoas ruins. Se isto não mudar, como podemos persuadir todos a emancipar suas mentes e usar suas cabeças? Como vamos realizar as quatro modernizações?"

Para criar condições para a prática da democracia, Deng reafirmou "o princípio dos três nãos: não acusem os outros por suas falhas, não ponham rótulos em pessoas e não usem um grande porrete. Na vida política, devemos usar métodos democráticos e não recorrer à coerção e ao ataque. (...) Os direitos dos cidadãos devem ser defendidos resolutamente." A ditadura militar chinesa nunca atingiu este objetivo.

"As massas devem ser encorajadas a apresentar críticas. Não há nada com que se preocupar mesmo se poucos descontentes tirarem vantagem da democracia para criar problemas. Devemos lidar com tais situações de maneira apropriada, tendo que que a maioria esmagadora do povo será capaz de fazer seu próprio julgamento", vaticinou.

Na prática, a experiência democrática das reformas acabou com o Massacre na Praça da Paz Celestial, na noite de 3 para 4 de junho de 1989, que esmagou, com a autorização do Pequeno Timoneiro, uma revolta liderada por estudantes com reivindicações de liberdade e democracia.

Onze anos antes, Deng representava o idealismo de uma Nova China: "O que mais se deve temer é o silêncio." Ignorava as contradições entre centralismo e democracia, a rígida disciplina partidária e a democracia, que sempre tem um caráter um tanto anárquico.

"Acreditamos que nosso povo está atento aos interesses gerais do país e tem um bom senso de disciplina", imaginou. "É natural que algumas opiniões expressas pelas massa sejam corretas e outras não. Devemos examiná-las analiticamente."

"Ao lidar com problemas ideológicos, não devemos nunca usar a coerção, mas aplicar genuinamente a política de 'deixar cem flores florescerem, cem escolas de pensamento competirem'. (...) Precisamos firmemente parar com práticas más como atacar e tentar silenciar quem faz críticas". com uma ressalva: "Mas, é claro, não podemos baixar a guarda contra meia dúzia de contrarrevolucionários que ainda existem em nosso país."

DEMOCRACIA ECONÔMICA
O aspecto central das reformas de Deng foi tentar criar uma "democracia econômica" para liberar as forças produtivas, estimular a iniciativa individual e aumentar a produtividade do trabalho: "Sob o nosso atual sistema de gestão da economia, o power está superconcentrado, então é necessário devolvê-lo aos níveis inferiores, sem hesitar, mas de modo planejado."

"No momento, a necessidade mais urgente é aumentar o poder de decisão de minas, fábricas e outras empresas para dar plenas dimensões à iniciativa e à criativdade", prosseguiu o raciocínio do líder. "Imaginem a a riqueza adicional que pode ser criada se todo o pessoal das centenas de milhares de empresas e dos milhões de equipes de produção da China colocarem suas mentes para trabalhar. Com mais geração de riqueza para o Estado, a renda pessoal e os benefícios coletivos também devem aumentar."

Isso faria com que quem trabalhasse mais e produzisse mais ganharia mais porque "a revolução acontece pela necessidade de benefícios materiais". (...) "Também é necessário garantir os direitos democráticos de operários e camponeses, inclusive os direitos de eleição, gestão e supervisão."

A fim de garantir a democratização, acrescentou, "precisamos fortalecer nosso sistema legal". Mao dizia que "o poder vem da boca do canhão". Deng tinha outras ideias: "A democracia precisa ser institucionalizada e escrita em leis para dar certeza de que as instituições e as leis não mudem quando mudar a liderança ou quando os líderes mudarem suas visões ou o foco de atenção."

Na sua análise, "com muita frequência, o que os líderes dizem é tomado como lei e qualquer um que discorde é considerado fora da lei. Este tipo de lei muda sempre que as visões do líder mudam. (...) Estas leis devem ser discutidas e adotadas através de procedimentos democráticos. Ao mesmo tempo, os órgãos judiciais e a procuradoria devem ser fortalecidos. Tudo isso vai garantir que haverá leis para serem respeitadas e aplicadas estritamente e que os violadores serão processados."

Esse trecho parece uma crítica ao atual ditador, Xi Jinping, que está concentrando poderes numa escala não vista desde Mao. Para se firmar no poder, Xi lançou uma campanha anticorrupção, colocando as comissões de inspeção disciplinar a serviço de seu poder pessoal.

Para enterrar a Revolução Cultural, Deng considerou fundamental "corrigir os velhos problemas" para ajudar a olhar para o futuro: "Isto é essencial para emancipar as mentes e garantir a estabilidade política e a unidade. (...) Nosso princípio é que cada erro deve ser corrigido. Todos os erros do passado têm de ser corrigido. Precisamos resolver estes problemas do passado completamente."

A seleção dos dirigentes do partido era outra preocupação de Deng: "Jamais devemos dar postos importantes a pessoas envolvidas em espancamentos, destruição e saques, que sejam obcecadas por ideias sectárias e que venderam suas almas para enquadrar camaradas inocentes ou desrespeitarem os interesses vitais do partido."

Na busca da unidade partidária, Deng recorre a seu líder histórico: "As grandes contribuições do Camarada Mao no curso de longas lutas revolucionárias nunca vão esmaecer. (...) Não é exagero dizer que sem o Camarada Mao não haveria uma Nova China. (...) O pensamento de Mao Tsé-tung será para sempre o maior tesouro intelectual do partido, do Exército e do povo."

Com o mesmo objetivo de evitar novas lutas fratricidas, "a Revolução Cultural deve ser vista cientificamente e numa perspectiva histórica. (...) foi parte de uma etapa do desenvolvimento do socialismo na China, portanto precisa ser avaliada. No entanto, não precisa ser feito precipitadamente. (...) Provavelmente, só poderemos fazer uma análise mais correta depois de algum tempo."

Para olhar para o futuro, a receita é enfrentar os novos problemas: "Nossa burocracia é totalmente incompatível com a produção em larga escala. (...) É essencial enfrentar os males da burocracia. Nossa gestão econômica atual é marcada pelo excesso de pessoal, sobreposição organizacional, procedimentos complicados e eficiência extremamente baixa. Com frequência, tudo é afogado em discussões políticas. Esta não é uma falha de qualquer grupo de camaradas. (...) Não fizemos reformas em tempo."

ECONOMIA DE MERCADO
Outra lição de Deng: "Precisamos aprender a gerir nossa economia por meios econômicos. Se não conhecemos métodos avançados de gestão, precisamos aprender com aqueles que sabem, no país ou no exterior. Estes métodos devem ser aplicados não apenas na operação de empresas com novas tecnologias e equipamentos importados, mas também a transformação técnica das empresas existentes."

Era o início da introdução da economia de mercado.

Enquanto a China criava um programa nacional de gestão moderna, "podemos começar de maneira limitada, numa determinada região ou ramo de atividade, e então difundir os métodos gradualmente a outros setores e regiões", notou Deng.

Os líderes seriam avaliados "principalmente pela adoção de métodos avançados de gestão, pelo progresso da inovação tecnológica" e "pelo aumento do produtividade do trabalho, dos lucros, da renda pessoal dos trabalhadores e dos benefícios coletivos."

"A tarefa mais importante no momento é é fortalecer o sistema de responsabilidade do do trabalho." Antes das reformas, "em teoria", haveria "responsabilidade coletiva. De fato, isso significa que ninguém é responsável. (...) Para cada tarefa ou projeto de construção, é necessário especificar o trabalho a ser feito, o pessoal necessário, a divisão do trabalho, os padrões de qualidade e o tempo necessário."

Quando forem "introduzidos equipamentos e tecnologias estrangeiras, devemos especificar que itens serão importados e de onde, para onde vão e quem será encarregado do trabalho. (...) Quando os problemas surgirem, não adianta culpa as comissões de planejamento ou os comitês do partido envolvidos - os indivíduos responsáveis devem sentir o peso. (...) Devemos dizer explicitamente quem é responsável por cada etapa do trabalho."

"Primeiro, precisamos ampliar a autoridade dos gestores. Quem tiver responsabilidade deve ter autoridade."

"Segundo, precisamos selecionar pessoal inteligente e distribuir os deveres de acordo com a habilidade. Devemos procurar especialistas e treinar novos, colocá-los em posições importantes, aumentar seu status políticos e aumentar seus benefícios materiais. (...) O principal critério é se a pessoa escolhida pode trabalhar para o bem comum e contribuir para o desenvolvimento das forças produtivas".

"Terceiro, precisamos de um sistema rígido de avaliação e distinguir claramente os desempenhos que devem ser recompensados e os que devem ser penalizados. Todas as empresas, escolas, institutos de pesquisa e repartições do governo devem criar sistemas de avaliação do trabalho e conferir títulos acadêmicos, técnicos e profissionais. Recompensas e punições, promoções e demissões devem ser baseadas na perfórmance. E devem estar ligadas a aumentos e reduções nos benefícios materiais."

Dentro desta lógica, "penso que devemos permitir que algumas regiões e empresas e alguns operários e camponeses ganhem mais e tenham mais benefícios antes dos outros, de acordo com seu trabalho e suas contribuições à sociedade. Se o padrão de vida de algumas pessoas aumentar primeiro, este exemplo inevitavelmente deverá impressionar os vizinhos. Isto vai ajudar a economia nacional como um todo."

Depois de admitir que "vamos encontrar muitas situações novas e problemas inesperados", "problemas para decidir quem fica e quem deve sair", Deng pediu maior atenção à situação global. Voltando à retórica comunista, afirmou que "seremos capaz de resolver qualquer problema e superar qualquer obstáculo se tivermos fé nas massas e explicarmos a situação e os problemas a elas."

Em mais uma crítica à Revolução Cultural, enfatizou que "ao realizar nossos maiores esforços em campanhas políticas, não dominamos as habilidades essenciais para construir nosso país. (...) Experimentamos vários infortúnios políticos. Agora, nossa tarefa é a modernização."

"Precisamos aprender de diferentes maneiras, através das práticas, dos livros e das experiências, positivas e negativas", pregou o líder. "O conservadorismo e a adoração de livros têm de ser superados. As centenas de membros permanentes e temporários do Comitê Central e milhares de altos funcionários locais devem assumir a liderança no estudo do desenvolvimento econômico moderno."

No apelo final dos companheiros, insistiu em que "sob a liderança do Comitê Central e do Conselho de Estado, vamos avançar corajosamente para mudar a situação de atraso do país e torná-lo num Estado socialista moderno e poderoso", concluiu Deng Xiaoping.

Quarenta anos depois, a China chegou lá.

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