domingo, 23 de setembro de 2018

Crise do multilateralismo abre espaço para ascensão da China

Com o sistema multilateral sob ataque do presidente dos Estados Unidos, país que o criou no fim da Segunda Guerra Mundial para garantir a paz através de uma gestão coletiva, fica mais difícil a gestão de crises internacionais e abre-se espaço para aumento da influência da China. 

O tema foi discutido na sexta-feira na 15ª Conferência do Forte de Copacabana, realizada no Hotel Sheraton, no Rio de Janeiro, pela Fundação Konrad Adenauer, o Centro Brasileiro de Relações Internacionais (Cebri) e a Delegação da União Europeia no Brasil.

Na abertura do evento, o embaixador da UE em Brasília, o português João Gomes Cravinho destacou a importância do multilateralismo para enfrentar crises internacionais como as ondas de refugiados e a mudança do clima.

Há uma cisão da aliança atlântica entre a Europa e a América do Norte, que foi a base da ordem internacional liberal do pós-guerra, fruto de "mudanças de longo prazo na sociedade europeia" e do "realinhamento dos EUA", falou o deputado federal democrata-cristão alemão Andreas Nick.

"A coordenação da sociedade internacional é fundamental" para a gestão de crises, declarou a professora Monica Herz, do Instituto de Relações Internacionais da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (IRI-PUC-RJ).

Monica identifica uma "crise profunda do multilateralismo", uma "crise da democracia liberal, com eleitos distantes do povo", e "a crise de pós-verdade", o mundo maravilhoso ou enganoso em que cada um constrói seu próprio discurso e sua própria realidade, com "fatos alternativos", como disse Kellyane Conway, assessora de comunicação do presidente Trump.

"Precisamos fortalecer a cooperação multilateral. Precisamos fazer mais por um sistema baseado em normas e regras", observou o moderador do painel, o embaixador da Áustria no Brasil, Georg Witschel.

"Há uma necessidade de ter ideias comuns, construir confiança, mobilizar recursos e ideias", acrescentou Monica Herz, "a construção de uma narrativa comum baseada na confiança e no humanismo, inclusiva, para criar legitimidade."

"É preciso buscar valores comuns", argumentou o professor Raúl Benítez Manaut, do Centro de Pesquisas sobre a América do Norte da Universidade Nacional Autônoma do México (UNAM). "Preocupa-me o renascimento do nacionalismo, o ódio a Trump no México."

Com os Estados Unidos introvertidos com o nacionalismo de Trump e a Europa voltada para a África e o Oriente Médio, raciocinou Benítez, "a China é a única grande potência emergente na América Latina".

A região enfrenta o "colapso do Estado na Venezuela", uma crise econômica na Argentina e uma tragédia na Nicarágua com a repressão do governo Daniel Ortega contra uma onda de manifestações, com mais de 500 mortes. Em comparação, "se fosse no Brasil, seriam 15 mil mortos".

O pesquisador mexicano defendeu um esforço diplomático, político, econômico e ecológico pela ordem internacional liberal. Em meio a uma guerra comercial de consequências imprevisíveis para o sistema internacional deflagrada por Trump, Benítez propõe isolar os "perturbadores".

O recuo estratégico dos EUA, concluiu Monica Herz, "abre espaço para a China".

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