sexta-feira, 21 de setembro de 2018

Ministro da Defesa usa desculpa de Maduro ao falar da crise na Venezuela

Ao fazer uma das palestras de abertura da 15ª Conferência do Forte de Copacabana hoje no Rio de Janeiro, o ministro da Defesa do Brasil, general Joaquim Silva e Luna, atribuiu o agravamento da crise na Venezuela às sanções internacionais adotadas pelos Estados Unidos e a União Europeia contra a ditadura de Nicolás Maduro. É o discurso do ditador.

Ministro Silva e Luna
Dez dias depois que o jornal The New York Times advertiu o presidente Donald Trump a não intervir militarmente na Venezuela, o ministro admitiu que a situação vai pior, mas negou que haja um fracasso da cooperação multilateral na América Latina para mediar negociações internas e evitar uma tragédia maior no país vizinho, de onde fugiram 4 milhões de pessoas, criando um problema em Roraima, no Norte do Brasil.

"A estratégia que o Brasil usa com países vizinhos é de cooperação. Embora pertença a mecanismos como a OEA (Organização dos Estados Americanos), o Mercosul (Mercado Comum doSul) e a Unasul (União das Nações da América do Sul), busca trabalhar em relações bilaterais", afirmou o general em entrevista coletiva.

O general afirmou que o diálogo existe: "Estive há duas semanas na Venezuela, em contato com o ministro da Defesa, general Vladimir Padrino López, tratando sobre nossa fronteira, segurança, crime transnacional."

Quanto à situação interna do país, "se busca encontrar uma solução com os países do entorno para que eles resolvam o problema internamente. Precisa muitas vezes de apoio, dar condições para que ele encontre sua solução. Existe um embargo econômico que dificulta a situação da Venezuela. Existe um impacto econômico. Existe uma diáspora."

Se o objetivo do Brasil é "consolidar um arco de estabilidade" na América do Sul "com paz e cooperação em todas as áreas", a crise da Venezuela é hoje o maior problema.

Na sua palestra, o ministro da Defesa afirmou que o mundo passa por uma "reacomodação" do poder num "mundo globalizado, onde não existem mais atores secundários". Neste mundo interligado, "todos buscam uma terra prometida onde jorra leite e mel", acrescentou numa citação bíblica.

O ministro da Defesa descartou qualquer possibilidade de intervenção militar no país vizinho: "Não visualizamos nenhum uso de meios militares nem de uso da força para resolver a situação da Venezuela".

Outros palestrantes descreveram uma situação catastrófica na Venezuela: "A crise política e institucional é resultado de um modelo contrário à Constituição de 1999. Não há Estado de Direito, não à respeito às institucionais democráticas como a Assembleia Nacional eleita legitimamente", declarou a ex-embaixadora Milagros Betancourt, professora da Universidade Andrés Belo.

Em seu lugar, Maduro colocou uma Assembleia Nacional Constituinte eleita num processo fraudulento, sem oposição.

É uma "calamidade" sem precedentes numa economia moderna, no caso, o país com as maiores reservas mundiais de petróleo: "Dois terços das empresas privadas fecharam, 5 milhões de hectares de terras produtivas foram desapropriados. A produção de petróleo caiu de 3 milhões para 1,4 milhão por dia. Faltam 70% dos medicamentos. O produto interno bruto caiu 50% desde 2014. A inflação deve chegar a 1.000.000% ao ano. O desemprego é de cerca de 50%. O país está em default, não honra seus compromissos internacionais."

Com essa depressão econômica, observou Christian Bonfili, diretor nacional de análise estratégica na Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da Argentina, "87% dos venezuelanos caíram na pobreza e 61% na pobreza extrema."

No plano internacional, a Venezuela sofreu o maior retrocesso no índice de desenvolvimento humano (IDH) das Nações Unidos, acrescentou Milagros Betancourt. Na América Latina, "estamos em último lugar em todos os indicadores regionais, atrás até do Haiti. A violência é generalizada e o pior de tudo é uma imensa desesperança: a situação se agrava a cada dia. Até o início do ano, o governo negava a crise, atribuindo-a às sanções internacionais."

O clima é de anarquia e desordem: "Desde 2015, houve 1.192 execuções extrajudiciais na Venezuela", notou Bonfili, na conferência organizada pela Fundação Konrad Adenauer, ligada à União Democrata-Cristã da Alemanha, o Centro Brasileiro de Relações Internacionais (Cebri) e a Delegação da União Europeia no Brasil.

A crise dos refugiados na Europa é "extracomunitária", comparou a professora Francesca Ramos Pismataro, diretora do Observatório da Venezuela da Faculdade de Ciência Política, Governo e Relações Internacionais da Universidade do Rosário, na Colômbia. "Na América Latina, com a exceção do Brasil, não temos a barreira linguística e a crise é interna desde 2015."

Para a Colômbia, que com sua longa guerra civil era um país de onde pessoas fugiam, em contraste com a Venezuela, que recebeu 6 milhões de colombianos nos últimos 70 anos, é um desafio se tornar um "país de acolhida".

O total de refugiados estimado pela Organização Internacional de Migração, 2,3 milhões, não leva em conta os venezuelanos que têm dupla nacionalidade. A Universidade Central da Venezuela (UCV) trabalha com uma estimativa de 4 milhões, constatou Francesca Ramos.

"Cerca de 12% dos venezuelanos fugiram numa migração Sul-Sul intrarregional; 72% ficam na região. Nos últimos dois anos, o fluxo aumentou mais de dez vezes. Não é produto de conflito, é econômica, social e cultural. Cerca de 40% foram para a Colômbia, onde em um ano e meio entraram 1 milhão de venezuelanos, ao mesmo tempo em que voltaram 300 mil colombianos que viviam na Venezuela", comentou a professora colombiana.

Até 2015, só 0,3% dos colombianos eram imigrantes.

A ex-embaixadora venezuelana não acredita no programa Volta à Pátria, lançado em abril pelo ditador Maduro, no qual o ministro da Defesa depositou esperança: "Ninguém quer voltar. Todos querem sair."

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