O terrorista suicida que matou 22 pessoas na saída de um show da cantora pop americana Ariana Grande dois dias atrás, em Manchester, na Inglaterra, tinha voltado há poucos dias de uma viagem de três semanas à Líbia, terra natal de seus pais. Também esteve na Síria.
A polícia do Reino Unido estava convencida de que Salman Abedi estava ligado a uma rede terrorista, provavelmente o Estado Islâmico do Iraque e do Levante. Um irmão dele preso na Líbia confirmou a suspeita, afirmou a milícia líbia que o deteve. O pai também foi preso na Líbia. Oito pessoas foram presas na Inglaterra, na maioria, líbios.
Como de costume, o Estado Islâmico reivindicou a responsabilidade pelo atentado. Em muitos casos recentes, os terroristas agiram por conta própria sob a inspiração do EI e suas múltiplas peças de propaganda encontradas na Internet, sem relação operacional com a milícia.
Desta vez, pela sofisticação da bomba e do colete suicida usado no ataque, as autoridades britânicas concluíram que ele não pode ter feito tudo sozinho. Um irmão dele, Hashim Abedi, foi preso na Líbia em conexão com o atentado em Manchester e confessou que os dois eram membros do EI.
A Líbia é mais um caso de anarquia generalizada, de colapso do Estado, depois da queda do ditador Muamar Kadafi, em agosto de 2011. Kadafi caiu numa intervenção militar da Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN) e de aliados árabes, com o aval do Conselho de Segurança das Nações Unidas, para evitar o massacre dos rebeldes que lutavam contra a ditadura na chamada Primavera Árabe.
Desde a queda de Kadafi, a Líbia não tem um governo central que controle todo o território nacional. As diversas milícias que derrubaram o coronel disputam o poder. Ninguém faz turismo na Líbia. Viaja a este país do Norte da África quem quer aderir a milícias jihadistas.
O mesmo colapso do Estado aconteceu no Líbano, nos anos 1970s; no Afeganistão, nos anos 1990s; na Somália, desde 1991; no Iraque, depois da invasão americana de 2003; e na Síria, a partir do início da guerra civil, em 2011.
Neste vácuo político, proliferam as milícias irregulares e o terrorismo. Na Líbia, houve uma proliferação de grupos jihadistas como Ansar al-Suna, responsável pelo ataque contra o Consulado dos Estados Unidos em Bengázi, em 11 de setembro de 2012, quando o embaixador e outros três cidadãos americanos foram mortos.
Em entrevista à CNN, o pesquisador alemão Peter Neumann, diretor do Centro Internacional de Estudos de Radicalização e Violência Política e professor do King's College, de Londres, observou que há uma comunidade líbia no Reino Unido de refugiados da ditadura de Kadafi. Muitos se radicalizaram, especialmente depois da queda de Kadafi.
O EI aproveitou o vácuo para criar uma base na Líbia, especialmente depois que começou a perder territórios na Síria e no Iraque, onde chegou a dominar uma área habitada por 8 milhões de pessoas e fundou um califado em junho de 2014. Também entrou no Afeganistão.
Na Líbia, o EI massacrou cristãos egípcios e montou uma base em Sirte, a terra natal de Kadafi, destruída por milícias líbias e pela Força Aérea dos EUA. Pelo jeito, continua vivo e atuante.
A lição maior de tudo isso é que uma intervenção militar por razões humanitárias, realizada a pretexto de proteger uma população ameaçada por um ditador, precisa ser complementada por uma série de medidas de reconstrução e reconciliação nacional para conquistar a paz.
Faltou o trabalho das missões de paz da ONU, que é sempre limitado se não houver uma recuperação econômica do país, como mostra o trabalho liderado pelo Exército Brasileiro no Haiti.
Este é o blog do jornalista Nelson Franco Jobim, Mestre em Relações Internacionais pela London School of Economics, ex-correspondente do Jornal do Brasil em Londres, ex-editor internacional do Jornal da Globo e da TV Brasil, ex-professor de jornalismo e de relações internacionais na UniverCidade, no Rio de Janeiro. Todos os comentários, críticas e sugestões são bem-vindos, mas não serão publicadas mensagens discriminatórias, racistas, sexistas ou com ofensas pessoais.
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