Como militar, sua formação nacionalista o levou a nutrir uma suspeição contra o Ocidente, as elites locais, suas ligações com a Europa e os Estados Unidos, e a burocracia. Contra esses inimigos, o coronel apontou sua artilharia desde que tomou ao poder, aos 27 anos.
Sua vida foi marcada pelo período turbulento do fim do colonialismo no pós-guerra, da independência, do nacionalismo pan-árabe, da Guerra Fria e da promessa de riqueza e poder criada pelo petróleo. Neste caldeirão, o beduíno forjou seus conceitos de Estado, comunidade, identidade e legitimidade política.
A revolução de Kadafi foi fruto da História da Líbia e dos extraordinários recursos petrolíferos do país. Isso permitiu ao líder fazer experiências políticas e sociais desastradas sem se preocupar com o impacto econômico.
Como um estado rentista, a Líbia nunca teve o constrangimento dos estados nacionais modernos que seguiram o modelo democrático consagrado na Constituição dos EUA: o Estado pode cobrar impostos desde que os cidadãos tenham representantes políticos para controlar a aplicação do seu dinheiro.
Quando Kadafi chegou ao poder, em 1º de setembro de 1969, a Líbia era um estado rentista desde sua independência da Itália, em 1951. Primeiro, a maior parte da renda vinha do aluguel de bases militares pelos Estados Unidos e o Reino Unido.
Com a descoberta de petróleo em 1959 e sua comercialização a partir de 1961, ele passa a ser a maior riqueza líbia. Esse impacto inicial foi maior para o país do que as altas de preços causadas pelos choques do petróleo de 1973 e 1979.
De 1960 a 1969, a economia cresceu mais de 20% ao ano. A renda per capita subiu de US$ 25 para algo entre US$ 1,5 mil e US$ 2 mil. A Líbia passou de uma sociedade agrária que lutava contra o deserto para sobreviver, de um países mais pobres do mundo, a importante exportador de petróleo.
O país nascera em 1951 como filho das Nações Unidas e das políticas de descolonização do pós-guerra. Ao contrário dos vizinhos Egito, Argélia e Tunísia, não tinha uma coesão nacional. Era dividido em três regiões: Tripolitânia, Cirenaica, e Fazã.
Diante do controle dos rebeldes sobre Bengázi, no Leste da Líbia, e da resistência de Kadafi na capital, muito se falou nos últimos meses sobre uma possível divisão do país de 6 milhões de habitantes. Como o interior é desértico, a população se concentra em cidades construídas no litoral do Mar Mediterrâneo.
No fim dos anos 50, o governo se tornou o maior empregador na Líbia. A folha de pagamento do funcionalismo público somava 12% do produto interno bruto.
Depois da guerra, durante anos a Líbia vendeu ferro-velho deixado nos campos de batalha do Norte da África. Em 1960, a ajuda dos Estados Unidos e do Reino Unido em troca das bases militares representava 35% do PIB.
O rei banira os partidos políticos depois das primeiras eleições nacionais, em fevereiro de 1952, tornando o parlamento em figura simbólica para dar uma aparência de legitimidade. A burocracia era recrutada pelo rei e pelas elites locais com base em alianças tribais e favoritismo político. Isso favorecia a corrupção.
Também não havia uma separação legal entre o setor privado e a burocracia governamental. Antes de 1969, os funcionários públicos não eram proibidos de ter participação ativa em negócios privados. Muitos vícios da ditadura de Kadafi foram herdados.
A descoberta de petróleo mudou tudo. O federalismo foi substituído por um Estado centralizado em 1963. Por causa da composição social da burocracia, a distribuição de recursos entre as províncias continou desigual. O rei tinha poder discricionário para distribuir ajuda.
Os problemas do rentismo começaram a aparecer pela metade dos anos 60: grandes projetos de empresários com boas conexões no governo tinham precedência sobre projetos pequenos. A corrupção se tornou endêmica.
De 1960-69, a produção agrícola caiu 25%, enquanto as importações de alimentos triplicaram.
Sem apoio popular, beneficiando apenas uma minoria privilegiada por seu sistema de patronagem, a monarquia líbia desabou com o golpe dos coronéis liderados pelo jovem Kadafi.
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