Sem apoio no Parlamento Britânico para aprovar o acordo que negociou para a saída do Reino Unido da União Europeia (UE), sob pressão da ala mais extremista do Partido Conservador, a primeira-ministra Theresa May anunciou hoje de manhã que deixa o cargo em 7 de junho.
Segunda mulher a ocupar o cargo, sai como uma das piores governantes da história do país. O favorito para sucedê-la na liderança do partido e do governo é o ex-prefeito de Londres e ex-ministro do Exterior, Boris Johnson, um grande bufão da política britânica.
Por três vezes, a Câmara dos Comuns rejeitou o acordo fechado em novembro do ano passado por May com os outros 27 países-membros da UE. Também não houve maioria parlamentar para nenhuma das propostas alternativas, deixando o país no limbo. A saída da UE foi adiada duas vezes, até 31 de outubro.
Theresa May chorou ao se despedir diante da residência oficial do primeiro-ministro britânico em 10 Downing Street. Ela era contra a saída da UE, aprovada em plebiscito por 52% a 48% em 23 de junho de 2016.
A primeira-ministra venceu os eurocéticos quando o primeiro-ministro derrotado, David Cameron, pediu demissão, por causa de uma regra não escrita da política britânica: quem mata o rei (ou a rainha) não ascende ao trono.
Johnson e outro ministro eurocético importante, Michael Gove, não tiveram o apoio do partido para substituir Cameron. Foram vistos como traidores.
May se tornou a segunda mulher eleita primeira-ministra britânica, depois de Margaret Thatcher (1979-90), numa votação interna pela liderança conservadora, sem vencer eleições gerais. Na expectativa de ganhar força para negociar a saída da UE, convocou eleições antecipadas para 8 de junho de 2017 e perdeu a maioria absoluta que o Partido Conservador tinha na Câmara dos Comuns.
A maior parte de seus quase três anos de governo foi consumida na tentativa frustrada de tirar o Reino Unido da UE. Menos de uma semana depois das eleições, houve ainda uma tragédia: o incêndio na Torre Grenfell, em Londres, um edifício de habitação popular onde 72 pessoas morreram, em 14 de junho de 2017.
No fim de dois anos de negociações, em novembro de 2018, o governo May fechou um acordo com a UE que estabelecia uma série de obrigações para o Reino Unido até 2065, como o pagamento de pensões a ex-funcionários. Os eurocéticos nunca aceitaram este acordo, nem a oposição trabalhista. Por mais que May tenha insistido, o acordo nunca teve chance de ser aprovado no Palácio de Westminster.
Depois de agradecer "com enorme gratidão por ter tido a oportunidade de servir o país que amo", May apontou como sucessos de seu governo a redução do déficit público e do desemprego, e o aumento dos gastos com saúde mental. Mas admitiu que "é e sempre será matéria para profundo pesar não ter sido capaz de fazer a Brexit", a saída britânica da UE.
Sua última cartada foi "um novo acordo para a Brexit" de dez pontos anunciado na terça-feira. Enfureceu a bancada conservadora ao sugerir a realização de um referendo para aprovação do divórcio com a UE que permitiria superar a falta de consenso na Câmara dos Comuns.
Uma segunda consulta popular seria a saída mais democrática para resolver o impasse no Parlamento Britânico. Conta com o apoio da maioria da oposição trabalhista, embora seu líder, Jeremy Corbyn, hesite. Mas os deputados conservadores antieuropeus temem a anulação do resultado do plebiscito de 2016 e a manutenção do país na UE.
Corbyn parece mais interessado em eleições gerais antecipadas, em que seria o favorito para chefiar o futuro governo, do que numa segunda consulta popular para ficar na Europa. Mas os conservadores, que têm maioria na Câmara, não vão correr o risco de antecipar eleições em que seriam trucidados.
Nas eleições para o Parlamento Europeu, realizadas ontem, a expectativa é de uma queda dos conservadores abaixo de 10%, enquanto o Partido de Brexit, do antigo líder do Partido da Independência do Reino Unido (UKIP), Nigel Farage, deve ganhar com mais de 30%, enquanto os trabalhistas ficam com 18% e os liberais-democratas com 16%, se as pesquisas estiverem corretas.
Até 31 de julho, o Reino Unido terá um novo primeiro-ministro escolhido sem o aval de eleições gerais. Ele será escolhido em 7 de julho, na disputa pela liderança do Partido Conservador. Sua principal tarefa será resolver a questão europeia, mas nada vai mudar além da chefia de governo.
Por ironia da história, May herdou a guerra civil interna do Partido Conservador em torno da Europa da primeira primeira-ministra britânica, Margaret Thatcher, a principal líder do partido desde Winston Churchill.
Cameron convocou o plebiscito para pacificar o partido e acabou dividindo o país. Se o Reino Unido sair da UE, é provável que a Escócia convoque um novo plebiscito sobre a independência, acabando com uma união que vem desde 1707.
Além de Johnson, há 23 candidatos à liderança do partido e do governo, entre eles o atual ministro do Exterior, Jeremy Hunt, e os deputados Graham Brady e Steve Barker. Como os conservadores estão decididos a eleger um líder a favor de deixar a UE, aumenta o risco de uma "saída dura", sem acordo com os sócios europeus, que poderia ser catastrófica para a economia britânica.
De acordo com estudo do Banco da Inglaterra, sem acordo com a UE, um mercado responsável pela metade do comércio exterior britânico, a economia do Reino Unido pode encolher mais de 10% em cinco anos.
A tendência é de radicalização: ou haverá uma saída dura ou não haverá saída alguma, previu o jornalista Jonathan Freedland, do jornal The Guardian.
Este é o blog do jornalista Nelson Franco Jobim, Mestre em Relações Internacionais pela London School of Economics, ex-correspondente do Jornal do Brasil em Londres, ex-editor internacional do Jornal da Globo e da TV Brasil, ex-professor de jornalismo e de relações internacionais na UniverCidade, no Rio de Janeiro. Todos os comentários, críticas e sugestões são bem-vindos, mas não serão publicadas mensagens discriminatórias, racistas, sexistas ou com ofensas pessoais.
sexta-feira, 24 de maio de 2019
Theresa May cai sob pressão do Partido Conservador
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