Um dos maiores pesadelos de
um presidente americano é aquela imagem dos soldados mortos voltando para casa
em caixões enrolados na bandeira, a memória da Guerra do Vietnã, de onde Trump fugiu com atestado médico falso, como reiterou seu ex-advogado em depoimento na Câmara dos Representantes.
O presidente americano nunca desceu do palanque. Só pensa na reeleição e falta menos de
um ano para o início das eleições primárias. A própria questão do muro na
fronteira com o México é uma jogada de marketing eleitoral.
No Discurso sobre o Estado da União do ano passado, Trump falou num
projeto de reforma do sistema de imigração. Nunca levou adiante. A batalha do
muro mobiliza as bases eleitorais de que precisa para enfrentar os processos a
que está sujeito e a eleição, que pode ao menos adiar estes processos.
O atual modelo de intervenção militar dos EUA vem do governo Barack Obama (2009-17) e foi
usado na Líbia e na Síria. A Força Aérea dos EUA bombardeia do alto e a
operação terrestre é terceirizada.
No caso da Líbia, ficou a cargo das milícias
que lutavam contra Kadafi e até hoje disputam o poder entre si. Na Síria, os
EUA criaram as Forças Democráticas Sírias (FDS), uma milícia árabe-curda de
maioria síria.
Ao anunciar a retirada dos 2 mil soldados americanos da Síria, Trump
abandonou as FDS, pressionadas de um lado pelo Exército da Turquia e do outro
pelas forças que sustentam o ditador Bachar Assad. Como teme que os curdos da
Síria se aliem aos do Iraque para proclamar a independência do Curdistão, o
ditador turco, Recep Tayyip Erdogan, se ofereceu para patrulhar a área tomada
do Estado Islâmico. As FDS já pediram proteção a Assad, o que fortaleceria a
Rússia e o Irã, inimigos dos EUA.
Os militares brasileiros devem estar atentos ao abandono das FDS por
Trump, uma das causas da demissão do secretário da Defesa, James Cachorro Louco Mattis. Nenhum general
que se preze abandona aliados.
Trump está disposto a descartar os aliados assim que
entender que não precisa mais deles. Despreza aliados, é isolacionista e não
tem visão estratégica. Ignora que a retirada dos EUA do Iraque sob Obama abriu
caminho para a ascensão do Estado Islâmico.
No caso da Venezuela, quem faria a operação terrestre: Brasil e
Colômbia? A Colômbia é uma antiga aliada dos EUA, cujo apoio foi decisivo para
enfrentar as máfias do tráfico de drogas e as guerrilhas esquerdistas. Mas vive
o momento de maior paz de sua história. Não vai entrar num conflito que pode se
arrastar por décadas. A maior parte das Forças Armadas da Venezuela se
concentra perto da fronteira com a Colômbia.
O Brasil não tem nada a ganhar com isso. Os militares brasileiros foram
claros ao rejeitar a presença de soldados americanos na operação de ajuda
humanitária. Também recusaram a proposta delirante e insana do chanceler
Ernesto Araújo de instalar uma base militar dos EUA no Brasil.
Só tem bases
militares americanas países que dependem dos EUA para sua própria defesa.
Se a Rússia instalasse uma base na Venezuela, estaríamos no meio de uma
guerra que não é nossa.
A ajuda humanitária tinha o objetivo de jogar a população desesperada –
mais de 90% não têm dinheiro para alimentar a família – contra Maduro e
fomentar uma divisão nas Forças Armadas, o que poderia provocar uma guerra
civil. Mas não houve a deserção em massa esperada pela oposição venezuelana e
os EUA. Para comprar a lealdade ao regime, a Venezuela tem hoje 2 mil generais.
Durante o governo Chávez, os militares ocupavam 200 a 300 cargos no
governo venezuelano. Hoje, são mais de mil. Além disso, as milícias chavistas,
os coletivos, teriam cerca de 500 mil
homens dispostos a defender o regime. Os índios mortos na fronteira com o Brasil foram assassinados pelas milícias
chavistas e não pela Guarda Nacional Bolivariana.
Tradicionalmente, a política externa brasileira é pacifista e legalista.
Defende a solução negociada dos conflitos internacionais. Mas os organismos
regionais, como a Unasul, fracassaram diante da crise venezuelana, abrindo
espaço para a interferência dos EUA.
O governo paralelo de Juan Guaidó, presidente da Assembleia Nacional,
eleita em dezembro de 2015 nas últimas eleições democráticas na Venezuela, tem
o apoio de 52 países, inclusive a maioria da América Latina e 16 dos 28 membros
da União Europeia. Estão fora os governos de ultradireita da Itália, Hungria e
Polônia, justamente os preferidos por nosso obscuro chanceler.
Ao se aliar aos EUA, o governo Bolsonaro abdica do papel de mediador
que caberia ao Brasil como líder natural da América do Sul. Resta manter a
articulação com os países que apoiam Guaidó mas são contra a intervenção
militar e aguardar o colapso inevitável da economia venezuelana, com enorme
risco de guerra civil.
Como disse o embaixador Rubens Ricupero em entrevista recente à GloboNews, a
segurança da Venezuela é feita com a colaboração de assessores cubanos. O
próprio Maduro foi indicado por Fidel, quando Chávez hesitava entre ele e Diosdado
Cabello, hoje presidente da Assembleia Constituinte convocada por Maduro para
usurpar o poder da Assembleia Nacional dominada pela oposição.
“São bolcheviques”, observou Ricupero, “e bolcheviques não entregam o
poder sem luta.”
A pressão de Trump e Bolsonaro visa a provocar uma cisão nas forças que apoiam o regime chavista e um golpe contra Maduro.
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