Um dos 15 agentes da Arábia Saudita que mataram o jornalista dissidente Jamal Khashoggi no consulado do país em Istambul, na Turquia, foi visto com frequência na equipe de segurança do príncipe-herdeiro Mohamed ben Salman, principal suspeito de ser o mandante do assassinato político. Outros três foram apontados por testemunhas como parte do esquema de segurança do princípe, revelou o jornal The New York Times.
Mohamed ben Salman, o homem-forte da monarquia absolutista saudita, guardiã das cidades sagradas de Meca e Medina, nega ter qualquer conhecimento prévio da operação, mas num regime ditatorial desta natureza nada acontece sem o conhecimento dos donos do poder.
Khashoggi desapareceu em 2 de outubro, depois de entrar no Consulado Saudita em Istambul para pegar um documento para se casar. Ex-assessor da família real, ele era contra uma mudança de regime. Defendia uma liberalização. Seu último artigo, em defesa da liberdade de expressão no mundo árabe, foi publicado hoje no jornal The Washington Post.
Um quinto suspeito é um médico forense que faz parte do alto escalão do Ministério do Interior. Hoje foram revelados detalhes do crime bárbaro. De acordo com uma gravação vazada pelo governo turco, foi um crime bárbaro.
Em sete minutos de gravação, ouve-se que primeiro serraram os dedos das mãos, com o jornalista ainda vivo. Depois cortaram os pés. Serraram e esquartejaram Khashoggi. Por fim, ele foi decapitado.
MbS, como o príncipe é chamado popularmente, tornou-se o homem-forte do reino ao atropelar a linha sucessória. Ele se apresentava como um reformista com um programa amplo para modernizar o país, moderar o islamismo radical e preparar o país para a era pós-petróleo com o plano Arábia Saudita 2030. Para tanto, precisa atrair capital estrangeiro.
O príncipe enfrentou o clérigo ultraconservador, uma das bases do regime saudita, que segue o wahabismo, a corrente ultraconservadora do islamismo que inspirou Ossama ben Laden e a organização terrorista Estado Islâmico. Em junho deste ano, finalmente, as mulheres sauditas foram autorizadas a dirigir.
Ele também lançou uma campanha anticorrupção que prendeu príncipes e magnatas, vista como um abuso de poder para consolidar seu golpe palaciano.
Na política externa, seu maior erro foi a intervenção militar na guerra civil do Iêmen, hoje o pior conflito do mundo, com milhões de pessoas ameaçadas de morrer de fome porque sauditas e aliados bloqueiam o porto de Hodeida.
Ainda liderou um boicote ao Catar, acusando-o de fazer negócios com o Irã, grande rival da Arábia Saudita na disputa pela liderança regional no Oriente Médio. E criou uma crise diplomática com o Canadá quando a ministra do Exterior, Christya Freeland, pediu a libertação de Samar Badawi, mulher do jornalista liberal Raif Badawi, condenado em 2014 a 10 anos de prisão e 10 mil chibatadas por "insultar o Islã através de meios eletrônicos".
Por verem o Irã como inimigo, tanto os Estados Unidos quanto Israel abraçaram o novo príncipe-herdeiro como uma esperança de reforma no mundo árabe, esquecendo o papel ativo da Arábia Saudita e aliados como os Emirados Árabes Unidos na sabotagem da chamada Primavera Árabe, que acabou só levando a democracia à Tunísia.
A Arábia Saudita foi o primeiro país a ser visitado por Donald Trump como presidente dos EUA. Por si só, isso revelou a admiração de Trump por líderes autoritários. Até o momento, o presidente americano tem feito tudo para contemporizar. Nega-se a cancelar contratos de vendas de armas que afirma que podem chegar a US$ 110 bilhões.
Se o crime for confirmado, o governo dos EUA tem a obrigação legal de aplicar sanções à Arábia Saudita. A estratégia de Trump e Israel para isolar o Irã fica prejudicada. O petróleo saudita é fundamental para manter a estabilidade do mercado sem o petróleo do Irã.
Já se forma uma grande pressão internacional para que Mohamed ben Salman jamais se torne sultão da Arábia Saudita. Seus inimigos internos, inclusive o clérigo mais radical, festejam.
Este é o blog do jornalista Nelson Franco Jobim, Mestre em Relações Internacionais pela London School of Economics, ex-correspondente do Jornal do Brasil em Londres, ex-editor internacional do Jornal da Globo e da TV Brasil, ex-professor de jornalismo e de relações internacionais na UniverCidade, no Rio de Janeiro. Todos os comentários, críticas e sugestões são bem-vindos, mas não serão publicadas mensagens discriminatórias, racistas, sexistas ou com ofensas pessoais.
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