Depois de mais de 50 mortes nos últimos três dias, o presidente Mohamed Mursi decretou estado de emergência por 30 dias nas três cidades do Egito mais atingidas pela onda de violência: Porto Said, Ismaília e Suez - todas no Canal de Suez. Com o toque de recolher noturno, será proibido circular nas ruas das 21h às 6h.
Em tom exaltado, Mursi prometeu em discurso transmitido pela televisão usar todos os seus poderes para controlar a situação. Mas sua autoridade está sendo contestada pelos liberais que temem ver sua revolução sequestrada por extremistas muçulmanos.
"Não haverá recuo da democracia, da liberdade e da supremacia da lei", advertiu o primeiro presidente eleito da História do Egito, que representa a Irmandade Muçulmana, o mais antigo grupo fundamentalista islâmico, fundado em 1928 por Hassan al-Bana para se opor à ocidentalização promovida pelo colonialismo europeu.
O maior número de mortos aconteceu em Porto Said, depois de um julgamento em que 21 pessoas foram condenadas à morte por um massacre ocorrido no fim de um jogo de futebol do clube local Al-Masry contra Al-Ahly, do Cairo, cuja torcida teve participação ativa na revolução que derrubou o ditador Hosni Mubarak há dois anos.
Como Al-Ahly representava a revolução da Primavera Árabe, o time de Porto Said foi identificado com a polícia política de Mubarak, que teria aproveitado o jogo para se vingar e criar um clima de violência capaz de justificar o estado de emergência.
Ao comentar o pronunciamento, o professor Fawaz Gerges, especialista em Oriente Médio do Departamento de Relações Internacionais da London School of Economics, observou que Mursi não usou tom conciliatório nem mostrou disposição de fazer acordos com uma oposição cada vez mais estridentes: "Ele parece não entender a dimensão da crise política que está vivendo".
Há também dúvidas sobre quem realmente manda no Egito: Mursi está mesmo no poder ou é apenas um presidente tosco e despreparado, um fantoche da Irmandade Muçulmana.
Além disso, a situação econômica do país é gravíssima. As revoltas da Primavera Árabe foram causadas em grande medida pela Grande Recessão, a crise econômica mundial de 2008-9, que colocou em contraste as difíceis condições de vida da população com as mordomias dos donos do poder.
A revolução e o aumento da insegurança nas ruas afastou os turistas, tirando uma importante fonte de renda do Egito. O clima de incerteza não favorece negócios e investimentos.
Depois do discurso, o palácio presidencial divulgou nota informando ter convidado para um diálogo amanhã o ex-presidente da Liga Árabe e ex-ministro do Exterior Amir Moussa, o ex-diretor-geral da Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA) Mohamed ElBaradei e Hamdin Sabahi, um esquerdista que ficou em terceiro lugar na eleição presidencial do ano passado, informa o jornal The New York Times.
Os três fazem parte da Frente de Salvação Nacional, uma aliança de partidos e grupos liberais que acusam Mursi e a Irmandade Muçulmana de destruir os ideais e os sonhos da revolução egípcia. Para o porta-voz da frente, Khaled Dawoud, o encontro não fará sentido se não houver uma pauta clara que inclua mudanças na Constituição aprovada às pressas pelos islamitas, sob protesto das oposições.
Este é o blog do jornalista Nelson Franco Jobim, Mestre em Relações Internacionais pela London School of Economics, ex-correspondente do Jornal do Brasil em Londres, ex-editor internacional do Jornal da Globo e da TV Brasil, ex-professor de jornalismo e de relações internacionais na UniverCidade, no Rio de Janeiro. Todos os comentários, críticas e sugestões são bem-vindos, mas não serão publicadas mensagens discriminatórias, racistas, sexistas ou com ofensas pessoais.
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