A União Europeia festeja hoje os 60 anos do Tratado de Roma, que criou a Comunidade Econômica Europeia, em meio às maiores ameaças à sua sobrevivência, com a crise econômica dos países da periferia da Zona do Euro, a onda de refugiados das guerras do Grande Oriente Médio, o terrorismo dos extremistas muçulmanos, o ressurgimento da extrema direita e a saída do Reino Unido.
O processo de integração europeia foi lançado em 9 de maio de 1950, cinco anos depois do fim da Segunda Guerra Mundial, pelo Plano Schuman, iniciativa do então ministro do Exterior da França, Robert Schuman, para evitar novas guerras na Europa a partir de uma reconciliação entre França e Alemanha.
No ano seguinte, o Tratado de Paris, assinado por Alemanha, Bélgica, França, Holanda, Itália e Luxemburgo, criou a Comunidade Europeia do Carvão e do Aço. O objetivo era controlar o comércio destas matérias-primas para impedir o rearmamento da Alemanha.
Em 25 de março de 1957, os mesmos seis países pioneiros assinaram o Tratado de Roma, que entrou em vigor em 1º de janeiro de 1958 fundando a CEE, e dois dias depois a Comunidade Europeia da Energia Atômica (Euratom). A Dinamarca, a Irlanda e o Reino Unido entraram nos anos 1970s. Grécia, Espanha e Portugal, nos anos 1980s.
A União das Comunidades Europeias ganhou este nome no Tratado de Maastricht, em 1991. Com o fim da Guerra Fria no mesmo ano, em 1995, entraram países neutros: Áustria, Finlândia e Suécia.
A grande expansão veio em 2004, com o ingresso de três ex-repúblicas soviéticas (Estônia, Letônia e Lituânia), quatro países do antigo Bloco Soviético (Eslováquia, Hungria, Polônia e República Tcheca), uma ex-república da Iugoslávia (Eslovênia) e duas ilhas do Mar Mediterrâneo (Chipre e Malta).
A Bulgária e a Romênia entraram em 2007 e a Croácia, em 2013. Montenegro, Sérvia e Turquia negociam a associação. A ex-república soviética da Ucrânia gostaria de entrar, mas enfrenta forte oposição da Rússia
No caso da Turquia, com o autoritarismo crescente do presidente Recep Tayyip Erdogan, a adesão está cada vez mais distante. A Grécia veta a Macedônia para evitar reivindicações territoriais sobre a região grega do mesmo nome.
Hoje, 27 países festejam os 60 anos. Deveriam ser 28, se 52% dos britânicos que foram às urnas em 23 de junho de 2016 não tivessem votado a favor da saída do país da UE. A primeira-ministra Theresa May não foi convidada para a festa.
Daqui a quatro dias, ela vai acionar o artigo 50 do Tratado de Lisboa, que regulamenta a saída de países da UE, deflagrando um processo de negociação que deve durar dois anos. Como uma das principais razões da vitória do não à Europa foi reassumir o controle da imigração, é provável que o Reino Unido deixe também o mercado comum europeu.
Uma regra básica do processo de integração da Europa é a livre circulação de mercadorias, pessoas e capitais. Assim, o Reino Unido deve deixar o segundo maior mercado do mundo, depois dos Estados Unidos e ainda corre o risco de perder a Escócia, que vai convocar novo plebiscito sobre a independência para tentar ficar na Europa.
Com a vitória da Brexit (British exit = saída britânica, em inglês), os movimentos nacionalistas e antieuropeus de ultradireita cresceram. O Partido da Liberdade, neonazista, quase venceu a eleição presidencial na Áustria. Na Holanda, o Partido da Liberdade liderado por Geert Wilders levou apenas 13% e ficou longe do poder.
Na França, a candidata da neofascista Frente Nacional, Marine Le Pen, chegou a liderar as pesquisas sobre o primeiro turno da eleição presidencial, marcado para 23 de abril de 2017. No momento, está em segundo, atrás do ex-ministro da Economia Emmanuel Macron, que concorre como independente e é favorito para vencer no segundo turno, em 7 de maio.
Se vencer, Le Pen promete acabar com a "imigração legal e ilegal", e convocar um plebiscito para tirar a França da UE. Ontem, foi a Moscou, receber o apoio do presidente da Rússia, Vladimir Putin, que trabalha ativamente para destruir a UE e sabotar a democracia liberal do Ocidente. A saída da França seria o fim do processo de integração da Europa.
A UE é uma experiência inédita na história da humanidade. É uma entidade supranacional, um grupo de países que se associaram para resolver seus conflitos pacificamente e garantir a paz através da superação dos nacionalismos extremados que destruíram o continente em duas guerras mundiais e do desenvolvimento econômico integrado.
No modelo europeu, a economia social de mercado, os países mais ricos financiam o desenvolvimento dos países e das regiões mais pobres. Teve extraordinário sucesso na integração de países como Grécia, Irlanda e Portugal, depois atingidos pela crise do euro.
Esse modelo foi abalado pela entrada de países muito mais pobres da Europa Oriental, mas ainda é o melhor modelo para uma globalização social-democrata, essencial para evitar ondas de refugiados e imigrantes de países pobres e falidos onde o Estado entrou em colapso.
Aos 60 anos, a Europa unida mas nem tanto discute um futuro em "velocidades diferentes" ou geometria variável para dar flexibilidade ao bloco de 28 países. Na prática, já existe um núcleo central, os agora 19 países que adotaram o euro como moeda comum.
Durante cinco séculos, a Europa dominou o mundo a partir da expansão colonial marítima, da Revolução Comercial e da Revolução Industrial, antes de quase se suicidar em duas guerras e perder a supremacia. Os mesmos nacionalismos que causaram duas guerras mundiais voltam a mostrar as caras.
Este é o blog do jornalista Nelson Franco Jobim, Mestre em Relações Internacionais pela London School of Economics, ex-correspondente do Jornal do Brasil em Londres, ex-editor internacional do Jornal da Globo e da TV Brasil, ex-professor de jornalismo e de relações internacionais na UniverCidade, no Rio de Janeiro. Todos os comentários, críticas e sugestões são bem-vindos, mas não serão publicadas mensagens discriminatórias, racistas, sexistas ou com ofensas pessoais.
sábado, 25 de março de 2017
Integração da Europa faz 60 anos em meio à sua maior crise
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