A empresa transnacional americana Monsanto sabia desde 1999 do potencial mutagênico do pesticida mais vendido no mundo, o glifosato, princípio ativo do agrotóxico Roundup, seu principal produto ao lado das sementes transgênicas, revelou a correspondência interna da firma, divulgada há dois dias pela Justiça Federal dos Estados Unidos.
São mais de 250 páginas de mensagens. Elas mostram a inquietação e as preocupações da companhia. Na véspera da divulgação do que era até anteontem segredo de justiça, a Agência Europeia de Produtos Químicos declarou que não considera o glifosato nem cancerígeno nem mutagênico, capaz de provocar mutações genéticas.
Para a Monsanto, a revelação ameaça o modelo de negócios, baseado na venda de sementes transgênicas e do agrotóxico Roundup, que as plantas geneticamente modificadas toleram.
O processo começou com uma ação coletiva de agricultores da Califórnia atingidos pelo linfoma não hodgkienano, uma espécie de câncer do sangue. Tem base num alerta feito em março de 2015 pelo Centro Internacional de Pesquisas sobre o Câncer (CIRC), uma instituição intergovernamental com sede em Lyon, na França, fundada em 1965 pela Organização Mundial da Saúde (OMS), órgão do sistema Nações Unidas.
A documentação desclassificada como secreta em 17 de março de 2017 desmascara ainda a conivência da Agência de Proteção Ambiental dos EUA (EPA), que o presidente Donald Trump está esvaziando, com a Monsanto.
Em 1999, a companhia estava atrás de um cientista de renome para tentar convencer as autoridades reguladoras da União Europeia de que o glifosato não é tóxico nem mutagênico.
"Vamos recuar um pouco e ver o que queremos fazer realmente", disse na época um funcionário da Monsanto em comunicação interna. "Vamos procurar qualquer um que tenha familiaridade com o perfil genotóxico do glifosato/Roundup e que possa influenciar os reguladores ou realizar operações de comunicação científica ao grande público sobre a questão da genotoxicidade."
Pelos dados da Consultoria Céleres, especializada em análises do agronegócio, em 2016-17, as sementes transgênicas responderam por 93,4% das plantações de soja (96,5%), milho (88,4%) e algodão (78,3%). São 49 milhões de hectares cultivados com transgênicos, sendo 32,7 milhões de ha de soja, 15,7 milhões de ha de milho e 789 mil ha de algodão.
Os transgênicos entraram no Brasil pela porta dos fundos, por contrabando vindo da Argentina quando ainda eram proibidos no país, numa estratégica da Monsanto de criar um fato consumado. Quando os produtores gaúchos estavam prontos para exportar a soja transgênica, o governo Lula foi pressionado a liberou os transgênicos e o fez em 2003. No ano seguinte, o Brasil tinha 5 milhões de hectares plantados com transgênicos.
Em dez anos, a Monsanto faturou mais de R$ 1 bilhão só com a venda do Roundup no Rio Grande do Sul, estima a Federação dos Trabalhadores na Agricultura do (Fetag-RS).
Enquanto os EUA promovem suas empresas de biotecnologia, a União Europeia adota uma posição defensiva com base no princípio da cautela, alegando que as consequências do consumo de transgênicos a longo prazo ainda são desconhecidas.
O processo contra a Monsanto abala duramente a indústria de transgênicos e o agronegócio brasileiro, atingido ontem pelo escândalo das carnes deterioradas vendidas pelas empresas transnacionais brasileiras JBS Friboi e Brazil Foods (BRF).
Este é o blog do jornalista Nelson Franco Jobim, Mestre em Relações Internacionais pela London School of Economics, ex-correspondente do Jornal do Brasil em Londres, ex-editor internacional do Jornal da Globo e da TV Brasil, ex-professor de jornalismo e de relações internacionais na UniverCidade, no Rio de Janeiro. Todos os comentários, críticas e sugestões são bem-vindos, mas não serão publicadas mensagens discriminatórias, racistas, sexistas ou com ofensas pessoais.
sábado, 18 de março de 2017
Monsanto sabia de toxicidade de pesticida desde 1999
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