Ao discutir o futuro do processo de integração da Europa com a saída do Reino Unido, o embaixador português João Gomes Cravinho, representante da União Europeia no Brasil, acusou a candidata da extrema direita à Presidência da França, Marine Le Pen, de nazista, hoje no Rio de Janeiro, em seminário realizado no Palácio do Itamaraty.
Apesar da linguagem diplomática e de não citar nomes, Cravinho foi claro ao falar da "senhora herdeira da tradição de Vichy", comparando Le Pen ao governo-fantoche da França durante a ocupação nazista (1940-44) na Segunda Guerra Mundial (1939-45). Ela está em segundo lugar nas pesquisas, atrás do ex-ministro da Economia Emmanuel Macron, o atual favorito na eleição de 23 de abril e 7 de maio.
Tanto Cravinho quanto os embaixadores no Brasil da Alemanha, Georg Witschel, e da Irlanda, Brian Glynn, acreditam que a saída britânica (Brexit, do inglês) e a eleição de Donald Trump para a Presidência dos Estados Unidos deram um choque de realidade nos cidadãos europeus. Eles analisaram as perspectivas para o futuro da UE em seminário promovido pelo Cebri (Centro Brasileiro de Relações Internacionais).
"A UE enfrenta talvez sua pior crise", admitiu o embaixador alemão. "Há uma crise institucional, a dificuldade de superar os desafios de forma conjunta, como as crises financeiras e migratória, e uma crise de confiança. O comportamento dos eleitores nem sempre é racional."
Os partidos extremistas "inimigos da Europa e do mercado livre" estão em alta, reconhece Witschel. "Mas não entrem em pânico. Não é o fim do mundo nem o fim da Europa. As eleições na Holanda e no [estado alemão do] Sarre mostram que a ultradireita não determinará nosso futuro", observou o embaixador.
"A Alternativa para a Alemanha (AfD), antieuropeia e anti-imigrantes, não vai participar de nenhum governo. No Sarre, ficou muito abaixo das pesquisas", previu o representante alemão. "Trump é hoje o maior aliado da UE."
Witschel destacou a importância de investir no aumento da produtividade para reduzir as desigualdades internas entre os países europeus: "Não existe no mundo região tão pacífica, democrática e com justiça social."
O embaixador da Alemanha se preocupa com a guinada na política externa dos Estados Unidos, que na sua opinião eram a "âncora da segurança e do livre comércio". Sob Trump passaram a ser contra o livre comércio.
Para o chefe da missão da UE, o discurso da globalização foi dominado inicialmente por otimistas que desconsideraram o aumento da desigualdade, a situação os perdedores e o desemprego: "A ultradireita usa a Europa como bode expiatório. Há uma diabolização de Bruxelas."
É importante lembrar que o atual período de paz entre os países-membros é o mais longo da história da Europa. A integração criou "um continente de paz, solidariedade e democracia; o maior bloco comercial do mundo, com liberdade econômica, ajuda ao desenvolvimento e ajuda humanitária"; e uma moeda comum, o euro, acrescentou o embaixador Cravinho.
Agora, prosseguiu o representante da UE, "é um momento de redefinição". Um Livro Branco preparado pela Comissão Europeia anteviu cinco cenários possíveis:
1. Continuar como se nada tivesse mudado.
2. Ser apenas um mercado único, abandonando a união política.
3. Uma Europa à la carte: quem quiser mais faz mais.
4. Fazer menos com mais eficiência, devolvendo poderes.
5. Fazer muito mais em conjunto, a união cada vez maior.
Nos próximos meses, anunciou o embaixador da UE, serão publicados cinco documentos para reflexão sobre a dimensão social da integração europeia, a união monetária e econômica, as pressões de globalização, defesa e finanças.
O embaixador da Irlanda apresentou seu país como um grande exemplo de sucesso da UE. Desde 1972, quando assinou o termo de adesão à então Comunidade Econômica Europeia, o comércio exterior da Irlanda ficou 90 vezes maior.
"Sou historiador", apresentou-se o embaixador Glynn. "Em 1972, a Irlanda tinha 50 anos de independência sem prosperidade econômica. A renda per capita era inferior às de países do bloco comunista. Para casar, as mulheres tinham de pedir demissão do serviço público.
"Hoje", comparou, "a Irlanda tem acesso ao maior mercado do mundo, tem prosperidade, o segundo salário mínimo mais alto do mundo, paz na Irlanda do Norte, uma relação moderna e madura com o Reino Unido, com que temos história e fronteiras comuns. Ficamos profundamente decepcionados com a Brexit, mas a Irlanda é o país mais preparado."
Como disse em 15 de fevereiro em Dublin o primeiro-ministro Enda Kenny, citado pelo embaixador, "a UE é a pedra angular do progresso social irlandês."
Assim, "a Irlanda não quer uma fronteira dura com o Reino Unido. Hoje a única diferença é se as placas de limite de velocidade estão em milhas ou quilômetros. Vamos adotar uma política econômica prudente, mas a prioridade é a Irlanda do Norte."
Com a integração econômica, "a Irlanda depende do Reino Unido em 87% de sua energia, 86% de suas exportações de mercadorias e a metade das exportações de alimentos. Queremos manter e diversificar este comércio."
O vice-presidente do Cebri, embaixador Luiz Felipe de Seixas Corrêa, citou a história diplomática do Brasil. Quando a família real portuguesa veio para o Brasil fugindo de Napoleão Bonaparte sob a proteção da Marinha Real, o embaixador britânico disse a bordo da frota do Príncipe Dom João, o futuro Dom João VI, que "a obediência era o preço da segurança".
Na carta em que acionou o artigo 50 do Tratado de Lisboa, que dispõe sobre a saída de países do bloco europeu, a primeira-ministra britânica, Theresa May, insinuou que a cooperação em segurança e defesa seria prejudicada se a UE não oferecer ao Reino Unido um acordo de livre comércio. Vários líderes europeus viram nisso uma chantagem inaceitável.
Pelos primeiros passos das negociações, pode ser um divórcio litigioso.
Este é o blog do jornalista Nelson Franco Jobim, Mestre em Relações Internacionais pela London School of Economics, ex-correspondente do Jornal do Brasil em Londres, ex-editor internacional do Jornal da Globo e da TV Brasil, ex-professor de jornalismo e de relações internacionais na UniverCidade, no Rio de Janeiro. Todos os comentários, críticas e sugestões são bem-vindos, mas não serão publicadas mensagens discriminatórias, racistas, sexistas ou com ofensas pessoais.
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