A morte do deputado oposicionista Melitus Were, do Movimento Democrático Laranja, levou os protestos violentos dos últimos dias até Nairóbi, a capital do Quênia, agravando a crise que provocou a morte de cerca de 850 pessoas desde a eleição presidencial de 27 de dezembro, denunciada pela oposição como fraudulenta.
Were foi baleado diante de sua casa na capital no dia 28. Assim que a morte foi anunciada, seus partidários foram até lá para protestar e chorar a tragédia.
Em Naivacha, no Grande Vale da África, um dos lugares mais lindos do planeta, o governo usou helicópteros para dispersar manifestantes que se enfrentaram violentamente desde o fim de semana, com cerca de 100 mortes.
Enquanto isso, o ex-secretário-geral das Nações Unidas Kofi Annan se reuniu com o presidente queniano, Kwai Kibaki, e o líder da oposição, Raila Odinga, para pressioná-los a acabar com a violência. Ele espera pacificar o país em um mês, mas admite que há questões que só possam ser resolvidas dentro de um ano.
As origens da crise remontam ao colonialismo britânico.
Na sua estratégia de dividir para reinar, os britânicos privilegiaram o maior grupo étnico do país, os quicuios, que são hoje 20% dos 37 milhões de quenianos. Eles tiveram acesso à melhor educação e a melhores empregos que o resto da população.
Quando o grande herói nacional do Quênia, Jomo Kenyatta, declarou a independência do país, o Império Britânico tentou articular uma aliança com outras tribos. Sem sucesso. Mas a semente da discórdia estava lançada.
Depois da independência, conquistada em 1963, Kenyatta distribuiu terras abandonadas pelos brancos entre seus aliados. Parte ficava fora das tradicionais regiões habitadas pelos quicuios, aumentando a tensão interétnica.
Quando Kenyatta, o pai da pátria, morreu, em 1978, foi sucedido por Daniel arap Moi, da etnia calenjim. Sem recursos para distribuir a sua tribo, Moi tratou de enriquecer os amigos.
Em 2002, Kibaki chegou ao poder e fez o mesmo. Marginalizou a elite calenjim, devolvendo o controle político e econômico à elite quicuia.
Hoje, a maioria dos negócios no Quênia está nas mãos de quenianos de origem indiana ou de quicuios. A economia do país cresce a uma média anual de 5% ao ano, mas mais de metade da população vive na miséria. Isto alimenta a revolta.
O resto do Quênia se considera vítima de uma conspiração dos quicuios. A fraude eleitoral foi o estopim da violência. Gangues de jovens desempregados começaram a atacar os quicuios que vivem nas suas regiões. Como vingança, os quicuios passaram a fazer o mesmo nas suas áreas, expulsando os luos e calenjins.
Além das 850 mortes, cerca de 250 mil pessoas fugiram de suas casas. É uma tragédia para o Quênia, para a estabilidade na região e para a democracia na África.
Este é o blog do jornalista Nelson Franco Jobim, Mestre em Relações Internacionais pela London School of Economics, ex-correspondente do Jornal do Brasil em Londres, ex-editor internacional do Jornal da Globo e da TV Brasil, ex-professor de jornalismo e de relações internacionais na UniverCidade, no Rio de Janeiro. Todos os comentários, críticas e sugestões são bem-vindos, mas não serão publicadas mensagens discriminatórias, racistas, sexistas ou com ofensas pessoais.
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