Milhares de argentinos foram ao Congresso hoje dar adeus ao ex-presidente Raúl Ricardo Alfonsín, considerado o "pai da redemocratização" do país depois da sangrenta ditadura militar de 1976 a 1983, acusada por 30 mil mortes. Ele morreu ontem às 20h30 de câncer de pulmão aos 82 anos no apartamento da família em Buenos Aires.
Alfonsín, da União Cívica Radical, derrotou o candidato do Partido Justicialista (peronista), Ítalo Argentino Luder, na eleição presidencial de 1983 e recebeu a faixa presidencial do general Reinaldo Bignone. O general assumira o poder depois da humilhante derrota para o Reino Unido na Guerra das Malvinas, que acabou com o reinado macabro das juntas formadas pelos comandantes das três armas (Exército, Marinha e Aeronáutica).
Primeiro presidente civil depois da chamada guerra suja entre a ditadura e grupos armados de esquerda, em que milhares de civis inocentes foram mortos por causa de suas idéias políticas, Alfonsín convocou uma comissão presidida pelo escritor Ernesto Sábato para investigar o desaparecimento de pessoas. A comissão comprovou o desaparecimento de 9 mil inimigos do regime mas grupos de defesa dos direitos humanos elevam o total para 30 mil, inclusive os que tiveram a morte comprovada.
Seu governo foi desafiado por três rebeliões militares dos caras pintadas, lideradas pelos coronéis Aldo Rico e Mohamed Alí Seineldín, hoje aliados do presidente da Venezuela, Hugo Chávez. Cedeu e aprovou as leis Ponto Final e de Obediência Devida, encerrando os processos contra os oficiais subalternos. Mas levou a julgamento todos os comandantes das juntas militares que aterrorizaram a Argentina.
Com o presidente José Sarney, Alfonsín iniciou pelo eixo Brasil-Argentina o processo de integração econômica da América do Sul, que levaria à criação do Mercado Comum do Sul (Mercosul) pelo Tratado de Assunção, em 26 de março de 1991, nos governos Carlos Menem e Fernando Collor. Também aderiram ao bloco o Paraguai e o Uruguai.
Diante da crise da dívida externa da América Latina, provocado por um aumento de taxas de juros para conter a inflação provocada pelas crises do petróleo nos países ricos (não é de hoje que problemas nos países ricos se refletem por aqui), Alfonsín declarou a moratória e enfrentou uma hiperinflação que o derrubou.
A primeira transição democrática entre dois civis eleitos democraticamente na Argentina depois do golpe de 1930, de Alfonsín para Carlos Menem, em 1989, foi antecipada em seis meses.
Com a autoridade moral de pai da democracia argentina, Alfonsín continuou ativo politicamente. Adversário do neoliberalismo de Menem, adotou posições políticas de esquerda nacionalista em questões econômicas. Ficou à esquerda do eleitorado de seu próprio partido, a UCR, apoiada principalmente pela classe média urbana conservadora e antiperonista.
Ele apoiou a candidatura e o governo desastrado de Fernando de la Rúa (1999-2001), que manteve a política de dolarização de Menem, na qual não acreditava, e foi derrubado por ela.
Depois da antecipação do fim do governo Alfonsín, o colapso da economia argentina sob mais um governo radical derrubou as chances eleitorais do partido de recuperar a Casa Rosada por um bom tempo.
Na eleição presidencial de 2006, disputada por três candidatos peronistas e outros menores, Alfonsín apoiou Néstor Kirchner contra Menem.
Assim que a morte de Alfonsín foi anunciada, milhares de pessoas foram para a frente do edifício onde o ex-presidente morava. À noite, ele foi homenageado com uma vigília luminosa.
Durante os dias, os argentinos formaram longas filas para passar ao lado do corpo de Alfonsín, que foi velado na capela do Senado, em Buenos Aires. Entre eles, estavam os ex-presidentes Kirchner e Eduardo Duhalde, e o atual vice-presidente Julio Cobos.
De Londres, onde participa da reunião do Grupo dos Vinte (G-20), a presidente Cristina Kirchner mandou uma mensagem de pêsames à família e ao povo argentino.
Este é o blog do jornalista Nelson Franco Jobim, Mestre em Relações Internacionais pela London School of Economics, ex-correspondente do Jornal do Brasil em Londres, ex-editor internacional do Jornal da Globo e da TV Brasil, ex-professor de jornalismo e de relações internacionais na UniverCidade, no Rio de Janeiro. Todos os comentários, críticas e sugestões são bem-vindos, mas não serão publicadas mensagens discriminatórias, racistas, sexistas ou com ofensas pessoais.
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