O primeiro presidente de esquerda a governar El Salvador, o jornalista Mauricio Funes, da Frente Farabundo Martí de Libertação Nacional, que de 1980 a 1992 travou uma guerra civil contra os governos da época, tomou posse no dia 1º de junho, diante da presença do presidente Luiz Inacio Lula da Silva e de outros líderes latino-americanos.
Menor país da América Central (ou do istmo centro-americano, se as ilhas do Caribe foram consideradas parte do subcontinente) e único sem saída para o Atlântico, El Salvador tem a maior densidade populacional. É o segundo país mais industrializado da região, depois da Guatemala.
El Salvador é uma sociedade oligárquica e violenta, como é a regra na América Central, com a exceção da Costa Rica, que tem a melhor distribuição de renda da região e a mais longa tradição democrática da América Latina, que vem desde 1949, quando o coronel José Figueres aboliu as Forças Armadas depois de uma sangrenta guerra civil no ano anterior.
Essa sociedade oligárquica e violenta, com seu profundo fosso social, foi enquadrada na Guerra Fria. As revoluções nas vizinhas Nicarágua e Guatemala, nos anos 70, e a reação dos EUA armando ditaduras sanguinárias, levaram a uma intensificação do confito social, com forte atuação de esquadrões da morte da extrema direita, liderada pelo major Roberto d’Aubuisson.
A guerra civil salvadorenha explode em 24 de março de 1980, quando o arcebispo de San Salvador, dom Oscar Romero, é assassinado durante a missa de domingo. Nos sermões, ele costumava denunciar os esquadrões da morte e as violações dos direitos humanos.
Em 1981, os grupos armados de esquerda se unem na Frente Farabundo Martí de Libertação Nacional. Mas essa era uma guerra que eles não podiam vencer. Ronald Reagan assumira a presidência dos EUA em janeiro de 1981 prometendo não ceder mais nenhuma polegada de terra do planeta ao Império do Mal, depois da vitória da Revolução Sandinista, na Nicarágua, em 1979, no governo Jimmy Carter.
Honduras foi transformada no porta-aviões dos EUA no que os historiadores chamam de Segunda Guerra Fria, que vai da invasão soviética no Afeganistão, em 1979, até o degelo na era Gorbachev, que assumiu o poder em 1985.
Na América Central, um dos quintais do mundo, a Guerra Fria foi quente. Foram 75 mil mortos em El Salvador, outros 75 mil na Nicarágua e 200 mil na Guatemala, muito mais gente do que na América do Sul, onde a guerra suja matou 30 mil na Argentina, com uma população muito maior.
A rádio rebelde Venceremos dizia: “Se Nicarágua venció, El Salvador vencerá.” Mas a guerrilha não venceu. A FMLN chegou a ocupar 30%-40% do território salvadorenho. Bloqueava a Rodovia Pan-Americana e cobrava pedágio de guerra. Não passei lá, na minha longa viagem pela América Latina, em 1982. Fui até San Pedro de Sula, no Norte de Honduras, e de lá entrei na Guatemala.
Com o degelo na Guerra Fria, houve uma série de negociações e processos de paz apoiados pela ONU, os EUA e a URSS na Guatemala e em El Salvador, na Namíbia, no Marrocos e no Saara ocupado, no Camboja, em Angola e Moçambique.
A guerra civil salvadorenha termina em 1992. Uma comissão concluiu que os militares e paramilitares de direita foram responsáveis por 85% dos crimes, mas foi adotada uma anista ampla, geral e irrestrita.
Ao mesmo tempo, em paz, a América Central perdeu a importância geopolítica dos tempos da Guerra Fria e foi abandonada à sua própria miséria. As promessas de crédito, terra e emprego feitas no acordo de paz foram rapidamente substituídas por políticas de austeridade econômica inspiradas pelo Consenso de Washington. Desde 2001, a economia está dolarizada.
Como é característica dos processos de paz, deles resultam sociedades divididas, com uma casta de jovens endurecidos pela guerra que se acostumaram a viver na luta armada e uma grande quantidade de armas em circulação.
O resultado é o aumento da criminalidade e da violência sem objetivos políticos, com a formação de gangues e um intenso tráfico de armas. As Maras, as gangues que aterrorizam San Salvador, são famosas. Teriam mais de 150 mil membros e tentáculos que vão até os EUA. Confiram no YouTube.
A FMLN já tinha governado a capital, mas só chegou ao poder nacional agora, com o jornalista Mauricio Funes, que não pertenceu à guerrilha e tomou posse na última segunda-feira. Foi repórter durante a guerra civil e depois tinha um programa de televisão. É casado com uma brasileira.
Este é o blog do jornalista Nelson Franco Jobim, Mestre em Relações Internacionais pela London School of Economics, ex-correspondente do Jornal do Brasil em Londres, ex-editor internacional do Jornal da Globo e da TV Brasil, ex-professor de jornalismo e de relações internacionais na UniverCidade, no Rio de Janeiro. Todos os comentários, críticas e sugestões são bem-vindos, mas não serão publicadas mensagens discriminatórias, racistas, sexistas ou com ofensas pessoais.
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