Havia uma piada na extinta União Soviética que dizia o seguinte: “Se o Partido Comunista tomar o poder no Deserto do Saara, em dois anos, vai começar a faltar areia.” O editor-chefe do jornal francês Libération, Laurent Joffrin, lembrou essa história para comparar com a crise atual na Venezuela.
O país com
as maiores reservas de petróleo do mundo vendeu mais de um trilhão de dólares em
petróleo. Há algum tempo, não tem dinheiro nem para importar papel higiênico.
Nos últimos
anos, os venezuelanos que moram perto das fronteiras com o Brasil e a Colômbia
se acostumaram a comprar tudo nos países vizinhos, menos combustíveis, enquanto
brasileiros e colombianos enchiam o tanque do lado da Venezuela.
A distorção
é tanta que no ano passado, quando o governo aumentou os preços em 6 mil por
cento, um dólar comprava 3 milhões e meio de litros. No início do ano, custava
seis bolívares. Com a virtual destruição do valor da moeda venezuelana, o preço
médio no resto do mundo era equivalente a 15 mil bolívares.
Agora, o impossível
aconteceu. A gasolina na Venezuela está racionada. Os motoristas formam longas
filas sem a garantia de que haverá combustível quando chegar a sua vez. Meu comentário:
Como de
costume, o ditador Nicolás Maduro acusa os Estados Unidos. No início do ano, o
governo Donald Trump impôs um boicote à empresa estatal Petróleos de Venezuela,
a PdVSA, que agora inclui até as substâncias necessárias para refinar o petróleo
venezuelano, que é pesado.
Mas a queda
na produção vem desde a greve de 2002, quando o então presidente Hugo Chávez
demitiu boa parte dos técnicos e especialistas.
No pico, em
1998, ano da primeira eleição de Chávez, a Venezuela produzia 3 milhões de
barris de petróleo por dia. Com o sucateamento da empresa, a produção
da maior riqueza do país caiu para 500 mil barris diários. Até o fim de 2020,
pode baixar para 375 mil barris por dia.
Nos anos 1970s,
a Venezuela tinha a maior renda per capita da América Latina. Quando Chávez assumiu
o poder, em 1999, era a segunda maior, abaixo apenas da Argentina.
Com o
virtual colapso da economia, o produto interno bruto caiu pela metade desde que
Maduro sucedeu a Chávez, que morreu de câncer em 2013. A inflação de 2019 está
estimada em 10 milhões por cento e o desabastecimento é generalizado, inclusive
de remédios e alimentos.
Cada venezuelano
perdeu em média oito quilos por falta de comida. A escassez de remédios aumenta
a mortalidade e traz de volta doenças praticamente erradicadas como varíola e
sarampo.
Diante da pior
crise de uma economia relativamente desenvolvida na era moderna, mais de 4 milhões
de venezuelanos fugiram do país nos últimos anos, informam as Nações Unidas. As
universidades e centros de pesquisas venezuelanos já trabalhavam com este número
meses atrás.
Em janeiro,
quando Maduro tomou posse para um segundo mandato, depois de uma reeleição
fraudulenta em maio do ano passado, o presidente da Assembleia Nacional
dominada pela oposição, Juan Guaidó, acusou Maduro de usurpador e foi
proclamado presidente interino.
Desde então,
Guaidó tentou encurralar o regime chavista, primeiro se declarando presidente,
depois com uma operação de ajuda humanitária liderada pelos Estados Unidos que
o governo rejeitou e também convocando militares e a população em geral para
uma rebelião contra a ditadura. Fracassou nas três tentativas.
Por iniciativa
da Noruega, do México e do Uruguai, governo e oposição iniciaram um diálogo
em Oslo onde a renúncia de Maduro chegou a ser cogitada. Não houve avanço
na negociação. A oposição suspeita que seja apenas uma manobra diversionista
para ganhar tempo.
Com o agravamento
diário das condições de vida, a corrupção generalizada e uma violência
descontrolada, com índice de homicídios inferior apenas ao de El Salvador, só as
Forças Armadas sustentam o regime de Maduro.
A Venezuela
tem mais de 2 mil generais. O alto oficialato tem mordomias que permitem
driblar a crise ou até lucrar com ela através do contrabando e do tráfico de
drogas. A oposição já ofereceu anistia para quem não cometeu crimes graves, mas
a cumplicidade generalizada impede a queda da ditadura. Por enquanto.
Como os
Estados Unidos não vão enviar soldados para morrer e atrapalhar a reeleição de
Trump, e o Brasil e a Venezuela não vão fazer o trabalho pesado de uma operação
terrestre, a ditadura de Maduro só vai cair quando houver uma divisão interna e
um golpe dentro do regime. Já está na hora.
Nenhum comentário:
Postar um comentário