sexta-feira, 7 de junho de 2019

Racionar gasolina na Venezuela é como racionar areia no deserto


Havia uma piada na extinta União Soviética que dizia o seguinte: “Se o Partido Comunista tomar o poder no Deserto do Saara, em dois anos, vai começar a faltar areia.” O editor-chefe do jornal francês Libération, Laurent Joffrin, lembrou essa história para comparar com a crise atual na Venezuela.

O país com as maiores reservas de petróleo do mundo vendeu mais de um trilhão de dólares em petróleo. Há algum tempo, não tem dinheiro nem para importar papel higiênico.

Nos últimos anos, os venezuelanos que moram perto das fronteiras com o Brasil e a Colômbia se acostumaram a comprar tudo nos países vizinhos, menos combustíveis, enquanto brasileiros e colombianos enchiam o tanque do lado da Venezuela.

A distorção é tanta que no ano passado, quando o governo aumentou os preços em 6 mil por cento, um dólar comprava 3 milhões e meio de litros. No início do ano, custava seis bolívares. Com a virtual destruição do valor da moeda venezuelana, o preço médio no resto do mundo era equivalente a 15 mil bolívares.

Agora, o impossível aconteceu. A gasolina na Venezuela está racionada. Os motoristas formam longas filas sem a garantia de que haverá combustível quando chegar a sua vez. Meu comentário:



Como de costume, o ditador Nicolás Maduro acusa os Estados Unidos. No início do ano, o governo Donald Trump impôs um boicote à empresa estatal Petróleos de Venezuela, a PdVSA, que agora inclui até as substâncias necessárias para refinar o petróleo venezuelano, que é pesado.

Mas a queda na produção vem desde a greve de 2002, quando o então presidente Hugo Chávez demitiu boa parte dos técnicos e especialistas.

No pico, em 1998, ano da primeira eleição de Chávez, a Venezuela produzia 3 milhões de barris de petróleo por dia. Com o sucateamento da empresa, a produção da maior riqueza do país caiu para 500 mil barris diários. Até o fim de 2020, pode baixar para 375 mil barris por dia.

Nos anos 1970s, a Venezuela tinha a maior renda per capita da América Latina. Quando Chávez assumiu o poder, em 1999, era a segunda maior, abaixo apenas da Argentina.

Com o virtual colapso da economia, o produto interno bruto caiu pela metade desde que Maduro sucedeu a Chávez, que morreu de câncer em 2013. A inflação de 2019 está estimada em 10 milhões por cento e o desabastecimento é generalizado, inclusive de remédios e alimentos.

Cada venezuelano perdeu em média oito quilos por falta de comida. A escassez de remédios aumenta a mortalidade e traz de volta doenças praticamente erradicadas como varíola e sarampo.

Diante da pior crise de uma economia relativamente desenvolvida na era moderna, mais de 4 milhões de venezuelanos fugiram do país nos últimos anos, informam as Nações Unidas. As universidades e centros de pesquisas venezuelanos já trabalhavam com este número meses atrás.

Em janeiro, quando Maduro tomou posse para um segundo mandato, depois de uma reeleição fraudulenta em maio do ano passado, o presidente da Assembleia Nacional dominada pela oposição, Juan Guaidó, acusou Maduro de usurpador e foi proclamado presidente interino.

Desde então, Guaidó tentou encurralar o regime chavista, primeiro se declarando presidente, depois com uma operação de ajuda humanitária liderada pelos Estados Unidos que o governo rejeitou e também convocando militares e a população em geral para uma rebelião contra a ditadura. Fracassou nas três tentativas.

Por iniciativa da Noruega, do México e do Uruguai, governo e oposição iniciaram um diálogo em Oslo onde a renúncia de Maduro chegou a ser cogitada. Não houve avanço na negociação. A oposição suspeita que seja apenas uma manobra diversionista para ganhar tempo.

Com o agravamento diário das condições de vida, a corrupção generalizada e uma violência descontrolada, com índice de homicídios inferior apenas ao de El Salvador, só as Forças Armadas sustentam o regime de Maduro.

A Venezuela tem mais de 2 mil generais. O alto oficialato tem mordomias que permitem driblar a crise ou até lucrar com ela através do contrabando e do tráfico de drogas. A oposição já ofereceu anistia para quem não cometeu crimes graves, mas a cumplicidade generalizada impede a queda da ditadura. Por enquanto.

Como os Estados Unidos não vão enviar soldados para morrer e atrapalhar a reeleição de Trump, e o Brasil e a Venezuela não vão fazer o trabalho pesado de uma operação terrestre, a ditadura de Maduro só vai cair quando houver uma divisão interna e um golpe dentro do regime. Já está na hora.

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