Num encontro histórico, na madrugada de hoje pela hora do Brasil, Donald Trump tornou-se o primeiro presidente dos Estados Unidos no exercício do cargo a pisar no solo da Coreia do Norte, uma inimiga histórica desde a Guerra Fria. Ele apertou a mão do ditador Kim Jong Un e o convidou para visitar a Casa Branca.
Na prática, nada mudou, a não ser que os dois concordaram em retomar as negociações para desnuclearizar a Península Coreana. Trump aproveitou a viagem ao Leste da Ásia, onde participou da reunião de cúpula do Grupo dos Vinte (G-20) em Osaka, no Japão, para ir à Coreia do Sul. De Seul, foi à zona desmilitarizada entre as duas Coreias junto com o presidente sul-coreano, Moon Jae In.
"É bom ver você de novo", disse Kim, sem esconder a euforia. "Nunca pensei em encontrá-lo neste lugar."
"É um grande momento, um grande momento", respondeu Trump, citado pelo jornal The New York Times.
Depois de cerca de um minuto do lado norte-coreano, os dois líderes cruzaram a última fronteira da Guerra Fria e entraram na Coreia do Sul, cercados por um batalhão de seguranças que atrapalhavam o trabalho de fotógrafos e cinegrafistas. Eles falaram rapidamente com os jornalistas e entraram na Casa da Liberdade para uma reunião com o presidente sul-coreano.
"Isto é muito significativo porque indica que nós queremos acabar com um passado desagradável e tentar criar um novo futuro", declarou Kim. "Foi um ato corajoso e determinado."
"Cruzar aquela linha foi uma grande honra", acrescentou Trump. "Um grande progresso foi feito, muitas amizades foram feitas e esta é especialmente uma grande amizade."
A zona desmilitarizada foi estabelecida no fim da Guerra da Coreia (1950-53). Até hoje, não houve um acordo de paz entre as duas partes, uma das exigências da Coreia do Norte.
Depois de ameaças de deflagrar uma guerra nuclear, Kim e Trump se encontraram pela primeira vez em Cingapura em 12 de junho do ano passado, quando acertaram iniciar negociações sobre as armas atômicas da Coreia do Norte. Mas as negociações pouco avançaram.
Os EUA exigiram que o regime comunista de Pyongyang apresentasse um inventário de seu arsenal nuclear e um cronograma de desarmamento para entregar a maior parte de suas bombas atômicas em seis meses. A Coreia do Norte insistiu no levantamento das duras sanções econômicas impostas pelo Conselho de Segurança das Nações Unidas.
Kim e Trump voltaram a se ver pessoalmente em Hanói, no Vietnã, em 27 e 28 de fevereiro de 2019, quando o norte-coreano insistiu na suspensão da maioria das sanções como precondição para entregar as armas, enquanto os EUA deixaram claro que só fariam isso quando a Coreia do Norte tivesse se livrado de uma parte significativa do arsenal nuclear.
Insatisfeito, Trump se retirou das negociações. Foi muito criticado por seu reunir duas vezes com um ditador sanguinário sem obter progresso nas negociações. O presidente americano alegou que não houve mais testes nucleares nem de mísseis de longo alcance, com capacidade de atingir o território continental dos EUA.
Em maio deste ano, a ditadura stalinista norte-coreana testou mísseis de curto alcance capazes de atacar o Japão, aliado dos EUA, mas isso não incomodou Trump. Também teria ampliado o arsenal nuclear, hoje estimado em 20 a 60 bombas.
A visita inesperada à zona desmilitarizada foi uma jogada de Trump agora que está iniciando a campanha para a reeleição em 2020. Com a autopropalada fama de ser um grande negociador, o presidente americano conseguiu pouco sucesso até agora em negociações internacionais.
Trump renegociou o Acordo de Livre Comércio da América do Norte (Nafta) com o México e o Canadá, que chamava de um dos piores acordos comerciais da história, sem mudanças significativas e afirmou que agora é um dos melhores.
Em Osaka, acertou com o ditador da China, Xi Jinping, a retomada das negociações para acabar com a guerra comercial entre os dois países mais ricos do mundo, que também estavam num impasse.
Hoje, Trump falou como se EUA e Coreia do Norte estivessem à beira da guerra antes do encontro com Kim em Cingapura: "É um mundo completamente diferente." Esqueceu de dizer que foi ele que fomentou a tensão e criou um clima de guerra com um discurso inflamado prometendo aniquilar o país inimigo.
O grande vencedor hoje foi o presidente da Coreia do Sul, grande interessado em desarmar um conflito em que seu país seria um campo de batalha, observou o professor americano Leif Eric Easley, da Universidade Feminina Ewha, em Seul. "Mas amanhã, a Coreia do Norte ainda terá armas nucleares e os EUA manterão as sanções."
Este é o blog do jornalista Nelson Franco Jobim, Mestre em Relações Internacionais pela London School of Economics, ex-correspondente do Jornal do Brasil em Londres, ex-editor internacional do Jornal da Globo e da TV Brasil, ex-professor de jornalismo e de relações internacionais na UniverCidade, no Rio de Janeiro. Todos os comentários, críticas e sugestões são bem-vindos, mas não serão publicadas mensagens discriminatórias, racistas, sexistas ou com ofensas pessoais.
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